We ❤ Pornografia! Como o Xvideos influencia a nossa forma de sentir prazer

A construção da relação entre prazer e dor e a necessidade dos papéis heteronormativos nas relações sexuais gays

Pedro Lira
6 min readOct 12, 2018

Seja em casa, no metrô ou trabalho, navegar na internet sempre me leva a dois lugares: gatinhos e pornô. Pode ser no Twitter, Tumblr, zuera de WhatsApp e até os grupos de nudes do Facebook, eu sempre chego em algum conteúdo erótico.

No ócio do pensamento, a questão me levou a procurar algumas informações sobre. É claro que encontrei bastante conteúdo acerca de pornografia hétero. Inclusive, um levantamento feito pela produtora Sexy Hot que aponta que no Brasil 22 milhões de pessoas jogam a real e admitem consumir pornografia. Dessas, 76% são homens e 24% mulheres. O maior público, 58%, tem menos de 35 anos, é de classe média alta, com 49% da classe B, e está namorando sério — 69% estão em um relacionamento. Isso, claro, sem computar menores de idade.

Focando nas gays, encontrei outro levantamento, desta vez do PornHub. No Brasil, o aumento de mulheres que procurou por pornô em 2017 foi de 8%. Ou seja, 35% do público brasileiro da ala gay da plataforma foi de mulheres, para 65% de homens. Os assuntos mais assistidos são “Negros”, “Caras héteros”, “Coroas”, “Bareback” e “Pau grande”.

O PornHub é o 34º site mais acessado no mundo, segundo relatório trimestral da Amazon. No Brasil ele fica em 50° lugar, perdendo feio para o queridinho Xvideos, na 17° posição. Sim, por aqui, o Xvideos ganha em acessos de sites como a Folha e Twitter, quase empatando com a Netflix, em 15° (“vamos lá pra casa assistir um filme” nunca fez tanto sentido).

Mas como esse tanto de pornografia afeta nosso imaginário e a forma como sentimos prazer?

Adentrando mais esse universo, caí neste texto de um grupo feminista contra a pornografia, que explica como ela pode influenciar os hábitos sexuais dos caras de uma forma agressiva, naturalizando a violência sexual.

“A pornografia normaliza a satisfação dos homens ao sexualizar a degradação das mulheres. A violência sexual é comum em nossa cultura, não porque os homens nascem doentes, mas porque garotos normalmente são socializados para serem sexualmente dominantes e as meninas normalmente são sexualizadas para serem socialmente subordinadas. A dor e degradação feminina foram sexualizadas e alavancadas como prazerosas”.

Ok, mas e quando, na frente da câmera, estão dois marmanjos, musculosos e “brutos” no tradicional hardcore sex?

Como não sou estudioso do tema, bati um papo com Michel Carvalho, que é doutorando da UFRJ e pesquisa pornografia e raça. “A questão aqui é sobre performatividade de gênero, masculinidades, feminilidades e anatomias corporais. O pornô trabalha com ideários socialmente propagados, com dinâmicas bem marcadas. Dentro-fora. Ativo-Passivo. Homem-Mulher”, explica. “A questão não está na pornografia em si, e sim na égide da heteronormatividade e no binarismo sexual e de gênero no qual estamos inseridos. O pornô apenas joga com isso”

Para quem assiste vídeo de sexo gay, seja amador ou não, é comum, logo no começo, já perceber quem “detém o poder” na cena. Esse personagem é sempre o ativo, o que é chupado, o mais forte, o mais “bonito” e com jeitão de hétero. “É muito comum nos arranjos homossexuais encontrarmos intercursos bem marcados acerca do papel ativo penetrador e passivo penetrado, assemelhando-se ao feminino nos arranjos heterossexuais”, compara Michel.

Nessa de pensar na reprodução da heteronormatividade no porno gay, e como o homem fetichiza a dor, lembrei de um post bizarro feito pelo BuzzFeed no ano passado. Em um grupo de Facebook, caras gays ativos comentavam sobre sentir prazer na dor do passivo.

“Sinto muito, morro de tesão quando imploram pedindo para parar”

Chegamos então a problemática (?) do passivo: o gay afeminado que “faz o papel” da mulher, e, como ela, vale menos que o gay machão, que detém o poder na cama e na sociedade. Quem eu busquei para comentar sobre isso foi a documentarista e videoartista Taís Lobo, que manja de gênero, sexualidade e feminismo. “Essa relação de poder na pornografia é reflexo das relações reais de poder de uma sociedade cis-hetero-sexista-machista-racista. São relações sexo-afetivas enquadradas dentro de uma heteronorma”, explica. “No caso da pornografia gay, a mesma coisa: as relações homonormativas são refletidas nos desejos e nos prazeres. A ideia de ativo-controle/ passivo-controlado é uma ideia hegemônica de uma sociedade de controle regida por lógicas patriarcais machistas e heterossexistas”.

Nem precisa falar como isso é tóxico para toda as relações né? A indicação da Taís para quem quer ler mais sobre o assunto é a sapatão teórica feminista Monique Wittig. Dica!

Mas pornô é assim pra gente consumir, ou a gente consome porque é assim?

Chegamos neste ponto: a pornografia é assim porque nós gostamos desse estilo de sexo, ou nós gostamos desse estilo de sexo porque vemos na pornografia? Para Michel, um pouco dos dois. “É importante ressaltar que o pornô não é o grande ‘culpado’ pelas agruras, preconceitos e prejuízos sociais. A pornografia justamente capta esses imaginários sociais e através de uma lente de aumento os levam à cena. Ela também não é exatamente a mocinha da história e de alguma forma retoma, reitera e reproduz preconceitos sociais e contribui para a reprodução da lógica de opressão”. Sacou?

O doutorando ainda lança uma reflexão: a mudança social, a quebra de preconceitos, paradigmas e estereótipos virá primeiro socialmente ou virá primeiro através dos conteúdos pornográficos? “Estamos num momento muito intenso e positivo de debates, movimentos sociais articulados, criminalização de crimes de ódio, do feminicídio… Estamos em pleno processo de mudança. Acredito que de alguma forma o pornô vai acompanhar a roda da história”.

E isso já está rolando na chamada pós-pornografia. O movimento vem desconstruindo a pornografia tradicional e as instituições sexuais. “Um exemplo é o sadomasoquismo nas relações lésbicas, que joga com os poderes de um modo subversivo. Em vez de exercer poder sem saber, você sabe que existe um jogo de dominação e muda as regras desse jogo. É como se fôssemos infiltradas, mudando o código desde dentro”, conta Taís.

A crença da artista é que o pós-pornô possa nos deseducar em relação ao uso hegemônico dos prazeres. Seria tipo uma educação sexual mais livre que defende autonomia do corpo em relação aos desejos e prazeres. “O pós-pornô hackeia o nosso código introjetado por anos por uma educação heterocentrada baseada em poderes hegemônicos coloniais e capitalistas (o homem sobre a mulher, o branco sobre o negro, o senhor sobre o escravo, o patrão sobre o trabalhador, o ativo/a sobre o passivo/a)”, conclui.

Para fechar, um pensamento de Michel que me fez questionar minha visão sobre essa pornografia toda: “o pornô não é uma arte estática, ele observa e capta os imaginários sociais. Com a mudança destes, ele também vai mudar. Tem que mudar. Até mesmo para satisfazer seu público”.

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Pedro Lira

Jornalista, social media, bruxão — escrevo de tudo um pouco, sempre jogando um LGBT no meio 🏳️‍🌈