O vazio que adoece

Depressão e ansiedade atingem 615 milhões de pessoas no mundo

Primeira Pauta
4 min readOct 18, 2016

‘’Eu senti que estava no fundo do poço, achei que nunca mais sairia dali. Ou eu procurava alguém ou acabava me matando. É tudo muito profundo. É como uma âncora, vai puxando aos poucos e você não percebe que está no substrato. Eu sentia muita dificuldade no meio social. Eu me sentia fora dali. Você passa a ser um observador e reza para ser invisível. Às vezes me sinto vazia por dentro, como se eu fosse uma carcaça, só pele e osso. Ao mesmo tempo em que sou vazia por dentro, também carrego um peso enorme nas costas.’’

O relato acima é de uma jovem que enfrenta a depressão há quatro anos. Thayná Furtado, 18 anos, e outras 615 milhões de pessoas espalhadas pelo mundo sofrem com a depressão. Doença psiquiátrica crônica, provoca alteração de humor e se caracteriza pelo sentimento de tristeza, mas não aquela tristeza pontual, como a que se tem no dia a dia. Segundo o psiquiatra Cristiano Leal, quem sofre de depressão apresenta um sofrimento prolongado e impacta no funcionamento da pessoa, associada a sentimentos de dor, amargura, baixa autoestima, entre outros fatores. Pode estar ligada à ansiedade, mas são patologias distintas. O transtorno de ansiedade pode levar a fobias, como temor de lugar fechado, altura, crises de pânico, transtorno obsessivo-compulsivo. É comum também a depressão vir acompanhada de sintomas de ansiedade, como ocorre com Thayná.

A variação de humor é algo recorrente na vida de uma pessoa com a doença. ‘’Um dia você está bem e no outro está estressada, quer jogar tudo para o ar. Posso sair brigando com qualquer um, por isso faço questão de avisar meus amigos quando estou mal. Choro muito, é uma dor intensa, quase perco o ar’’, explica. A jovem só percebeu a depressão quando começou a se afastar do meio social. Rompeu muitas amizades. Algumas pessoas, por preconceito, afastaram-se dela. ‘’É difícil reconhecerem o problema, precisamos falar disso’’, acrescenta. Desde pequena ela sofre com a baixa autoestima, o que se agravou com a depressão. Quando pequena, uma de suas irmãs fazia de tudo para deixá-la cabisbaixa, e os padrões de beleza impostos pela sociedade também colaboraram. A incessante busca pela imagem perfeita leva a distúrbios psicológicos como a bulimia e a anorexia.

Conforme Leal, a depressão pode estar ligada à carga genética e, em algumas pessoas, apresenta-se de forma mais potente. Há tendência de perda de neurotransmissores, pequenas moléculas responsáveis pela comunicação das células no sistema nervoso. A ausência de serotonina (hormônio responsável pela sensação de alegria), pode acentuar o sofrimento do paciente. O especialista afirma que, geralmente, a região frontal do cérebro é relacionada à memória, à atenção e fica pouco funcional durante a depressão. E as regiões mais centrais, ligadas à emoção, ficam hiperfuncionais.

Thayná narra seu pior momento até aqui: ‘’Eu acordei e não conseguia sair da cama. Eu só conseguia chorar. É como se meu corpo não tivesse estímulo. O cérebro pede para ficar na cama, era minha zona de conforto’’, relata. Nesse dia, ela foi sedada e encaminhada ao hospital e ouviu dos profissionais de saúde: ‘’Sério que você está aqui por causa disso, porque quer se matar? Está com vontade de tentar suicídio e pessoas aqui morrendo?’’ A resposta foi simples: ‘’Mas eu também estou morrendo por dentro’’.

Olhando para o futuro

Em algumas crises, a ideia de interromper a própria vida se torna latente. ‘’O que me impediu, foi ver minha mãe chorando, eu penso muito em minha família’’. Segundo o psiquiatra, é natural o deprimido ter pensamentos suicidas. ‘’Ele acha que está no olho do furacão e não vai sair daquilo’’, completou.

Cristiano Leal observa que na sociedade moderna há uma incapacidade de entendimento da vida entre os jovens. Eles estão muito atentos e evoluídos intelectualmente com informações. Porém, não têm entendimento da complexidade da vida e das frustrações inerentes a ela. ‘’Há filósofos que questionam se não estamos produzindo uma sociedade frágil emocionalmente, onde criamos rótulos para os filhos de que a vida vai dar certo e a felicidade deve estar sempre presente em nossas vidas. A felicidade mais plena é lidar com momentos difíceis’’, sustenta.

A questão existencial é a grande fomentadora de sofrimento psíquico. Com o tratamento, Thayná conhece melhor seu desafio e faz planos para o futuro. “Espero que eu consiga ficar mais estável que agora, meu sonho é ser uma ótima veterinária”, conta. Ela quer uma casa com quintal gigante para ter muitos animais. “Eu amo gatos, inclusive tenho um lindo. Assim eu me realizaria. Isso me faz bem. Minha vida já estaria feita’’, completa. A Adolescente aconselha às pessoas a procurarem ajuda profissional pata tratar o problema e também ajuda da família. ‘’Se você não está legal, procure um médico. Não deixe o tabu prevalecer, fale, não guarde para si’’, finalizou.

Repórter: Bruna Romão | Fotógrafa: Camila de Melo Freitas

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