Uma Nevasca é feita de Flocos de Neve

Carta aberta e sincera à Blizzard. De coração.

Rafael Nepô
12 min readJan 17, 2016

Uma companhia nada mais é do que um grupo de pessoas trabalhando juntos em um mesmo objetivo. Sem pessoas, não existem companhias.

Uma comunidade é feita de pessoas como eu e você. Nós que damos vida as marcas, companhias e movimentos. Sem pessoas, elas não existiriam.

A Blizzard não é diferente. Ela é uma companhia. Ela é feita de pessoas. Uma comunidade foi criada em torno dela. Essa comunidade é feita de pessoas de todas as idades que compram produtos dessa marca e que faz com que ela sobreviva e possa continuar fazendo o que faz. Simples, né?

Esse texto é a retrospectiva da minha experiência vivendo, descobrindo e aprendendo mais sobre esse universo, e como ás vezes, sem querer, acabamos descobrindo que muitas coisas não são tão simples assim.

Sem os flocos de neve, não existe nevasca.

Source: Blizzard Entertainment

Como tudo começou

Infância, Video Games e TCGs

TCG = Trading Card Game | Jogo de Cartas de Troca
CCG = Collectible Card Game | Jogo de Cartas Colecionáveis

Muitas crianças que nasceram na década de 80 com video games já pensaram em algum momento em trabalhar com isso. Eu sou um deles. Naquela época ainda era surreal a ideia de que existia esse universo divertido e que dava pra trabalhar com isso a vida inteira.

Antes mesmo de eu nascer meus irmãos já tiveram Atari, Nintendinho, Master System e Mega Drive. Eu nasci com video games em casa e com 4 anos, me lembro ganhando meu primeiro Super Nintendo.

Foi divertido procurar capas dos jogos de SNES. :D

Passava horas e horas jogando vários tipos de jogos, como Legend of Zelda, Final Fantasy, Chrono Trigger, Secret of Mana, Street Fighter, Mega Man X e é claro, Rock N’ Roll Racing.

Eu e meus irmãos íamos com frequência na locadora escolher os jogos e eu sempre acabava escolhendo os de RPG — lembro deles me falando que era difícil, que tinha muito texto e que era tudo em inglês, mas eu sempre queria jogar esses jogos.

Fomos na abertura da locadora de games em Teresópolis — a USA Games. Nosso cadastro era o de Nº 4! Aquela era minha segunda casa, meu porto seguro. Aquele era o ponto de encontro dos meus amigos e era lá que você conseguiria me encontrar boa parte do tempo.

Experiências na Infância

Foi através dos jogos que encontrei uma forma pra sair de casa e fazer novas amizades, me divertir e compartilhar algo que eu gostava.

Comprei minhas primeiras cartas de MTG — Magic: The Gathering, voltando de Los Angeles pela primeira vez. Eu tinha mais ou menos 13 anos de idade.

Meus pais trabalhavam na Varig na época e eu pude aprender inglês muito cedo. Essa experiência fez com que eu tivesse inúmeras oportunidades ao longo da vida que moldariam a pessoa que sou hoje.

Eu com 13 anos arrumando cartas da coleção. :D

Minha família nunca foi rica, foram vários altos e baixos, mas tínhamos uma vida confortável.

Lembro de chegar na escola com minhas cartas nas caixinhas, todas organizadas por cor, custo de mana e tipo. Eu ainda não sabia jogar direito, mas adorava ficar olhando as ilustrações e me imaginando naquele universo mágico de planinautas, magias, planícies, montanhas e criaturas mitológicas de todas as formas.

Eram tipo pequenas pílulas de histórias que cabiam no bolso.

Por ter nascido em Teresópolis — uma cidade pequena no interior do Rio de Janeiro, chamei atenção da turma que eu não estava acostumado, só por ter morado no exterior e retornar cheio de influências dos EUA.

Me sentia um alienígena entre meus amigos — vestia calças largas e rasgadas, cabelo arrepiado, gírias e prounúncias com sotaque. Esse foi o segundo fator importante que mudou a forma como eu interagia com as pessoas.

Dividindo o Deck de Cartas

Oponentes por um momento, amigos para sempre.

Nunca fui uma criança muito extrovertida, preferia ficar montando meus Legos e jogando meus jogos em casa de boa. Tudo isso mudou da noite pro dia só por ter feito essa viagem e morado no exterior. De repente fiquei amigo da turma inteira. Fazia parte de todas as tribos. Dos nerds, patricinhas, roqueiros, skatistas e gamers. Fiz amizade com todos eles.

Eu jogava bola e basquete de vez em quando, mas gostava de ficar no pátio ou na sala brincando com as minhas cartinhas. Algumas pessoas já tinham jogado e parado, outras nunca tinham visto aquilo na vida e ficavam curiosas e intrigadas perguntando se era tipo "Super Trunfo".

Aprendemos juntos jogando em todos os recreios, dentro da sala de aula e na arquibancada da escola. Levei muitas broncas, tirava notas ruins e cheguei a repetir de ano uma vez por conta dos jogos. Eu gostava de ler e estudar, só que não as coisas que eles passavam nas aulas. As histórias dos jogos faziam mais sentido pra mim.

Cheguei a participar de vários torneios e eventos, mas o cenário competitivo nunca foi muito interessante pra mim. Eu gostava mais da ideia dos jogos como diversão mesmo, e não como competição. No fim, percebi que gostava mais de colecionar, testar as mecânicas dos jogos e compartilhar o que eu aprendia. Joguei outros TCGs como Pokémon e Senhor dos Anéis, mas nenhum deles acabou me interessando muito mais do que algumas semanas.

A verdade é que nunca cheguei a jogar o WoW TCG da Upper Deck — um card game que não era oficial da Blizzard. Além de ser caro, raramente encontrava nas lojas e aqui no Brasil ninguém jogava. Como todos eles eram importados, era muito difícil ter grana pra comprá-los. Então acabei ficando só com o Magic, que era mais popular e mais barato.

Jogos, muitos jogos!

Só mais um level, só mais uma fase…

Claro que eu não jogava só Card Games, mas como esse texto é sobre HearthStone, não vou me aprofundar muito nos outros jogos. Basta dizer que joguei e farmei muito mais do que eu deveria. Hahaha

Fiz uma timeline abaixo com as datas de quando eu joguei cada um deles. Tenho certeza que nem todas as datas estão 100% corretas, mas lembro que eu acompanhava os lançamentos no TOP 10 do GameFaqs e não demorava muito pra colocar minha mão neles. A Blizzard sempre estava lá.

'86 » Nasci
'90 » Super Nintendo (RPGs)
'91 » Surge a Blizzard
'93 » Rock N' Roll Racing
'95 » Los Angeles (9 anos)
'95 » Playstation 1 (Mais RPGs)
'96 » 1º PC em casa (10 anos)
- Joguei muito Warcraft I e II
- Usava Mac na Escola
'97 » Diablo I
Até no Playstation eu joguei!
'98 » Voltei pro Brasil (12 anos)
'98 » Comecei a jogar Magic
'00 » Diablo II
Horas e horas farmando runas.
'02 » Warcraft III (16 anos)
Joguei muito o DOTA Original
'08 » WoW (22 anos)
/played + de 300 Dias de Jogo
'12 » Diablo III
Só jogo no Hardcore e Season
'13 » HearthStone ❤

A Blizzard esteve presente em todas as fases da minha vida. Faz parte de quem eu sou.

Nunca passou pela minha cabeça que todos esses jogos fossem acabar fazendo parte da minha história para sempre. Eu só estava me divertindo.

Foi só em Março de 2013 que aquele sonho de criança ganhou uma chance de se tornar realidade. A Blizzard fez o primeiro anúncio de um jogo novo fora da BlizzCon — HearthStone: Heroes of Warcraft.

PAX East 2013 — Hearthstone: Heroes of Warcraft Announcement » MMOREPORTER

A Taverna e o Estalajadeiro

Entre e feche a porta, está frio lá fora!

— "Como assim?! A Blizzard tá lançando um Card Game?!"

Por essa ninguém esperava!

A proposta que eles queriam para o HearthStone, e como isso surgiu, foi algo totalmente diferente do que existia até então — tanto para a Blizzard, quanto para o universo dos Card Games. O HS foi criado por poucas pessoas: idealizado basicamente pelo Ben Brode e o Eric Dodds, dois caras apaixonados por card games.

Foi incrível ver como um card game digital resolvia muitos problemas que os card games físicos tinham — e ainda têm.
Curva de aprendizagem, alto custo, dificuldade de acesso, cartas furtadas ou ser passado a perna na hora de trocá-las.

O HearthStone é leve, roda em todas as plataformas, gratuito e você ainda pode comprar os pacotinhos com ouro dentro do próprio jogo.

Sem contar que tem animações de todas as magias e lacaios, efeitos sonoros do ambiente e uma experiência incrível ao abrir pacotinhos. Coisas impossíveis de se fazer em um card game tradicional — por motivos óbvios.

As pessoas que trabalham na companhia Blizzard, gostam de jogos. Se não, não estariam lá criando esse universo. E como vocês podem ver abaixo na foto, o presidente da Blizzard — Mike Morhaime, está jogando Magic no chão no escritório por volta de 1995.

Na palestra da BlizzCon com o Eric Dodds, ele contou que sempre quiseram fazer um jogo de cartas no universo deles e da forma que só a Blizzard sabe fazer. Com foco em qualidade, ilustrações incríveis, trilhas épicas e animações maravilhosas. Um universo completo para imersão.

Source: Wikimedia — Presidente da Blizzard jogando Magic no chão do escritório por volta de '95.

Mas como nada é perfeito, o HearthStone tinha um problemão.
O jogo era digital, online. E os encontros presenciais? Como que eu iria encontrar com outras pessoas apaixonadas pelo mesmo jogo que eu? Como compartilharia minhas experiências, meus momentos de felicidade e diversão a partir de agora?

Essa era a parte mais legal do Magic, encontrar com outras pessoas e sentir a vibe do lugar — assistir partidas por trás dos ombros de outros jogadores e ouvir todo mundo urrando de empolgação quando aconteciam jogadas incríveis! Celebrar com os vencedores e consolar os que perderam. Tudo era motivo para juntar pessoas, não importava o "placar" final.

Esse sentimento é difícil de ser replicado no digital.

Mesmo assim, isso não tirou minha animação com o HearthStone. Me inscrevi no Beta Test super empolgado e devorei todas as informações que apareciam. De artigos a infos vazadas. Entrevistas com os Devs, reviews de Pro Players do WoW TCG e do MTG. Todo segundo que eu estava livre, ficava lendo coisas sobre o jogo e começando a organizar uma pasta no computador com tudo que encontrava.

No meio de uma multidão de comentários e reviews negativos de diversos jogadores de todos os tipos, eu ainda conseguia ver o potencial do jogo.

Era o que eu sempre queria. Não ia ficar abalado.

Colocando a mão na massa.

Cartas, cartas e mais cartas!

Foi ai que tive uma ideia. Já tinha todas as cartas vazadas no meu HD, com uma resolução mais ou menos, até então — porque não imprimir as cartas e começar a jogar agora? Eu poderia fazer um encontro presencial, separar alguns dados, marcadores de vida e aquilo poderia funcionar!

Eu podia jogar HearthStone antes do jogo lançar! \o/

Fiquei uns 2 dias salvando imagens, organizando por tipo e por classe, recortando e editando no Photoshop para criar um arquivo que pudesse ir pra gráfica e ficar legal. Fiz todas as cartas do mesmo tamanho das cartas de Magic para conseguir usar os protetores de plástico tradicionais e não estragar as cartas. Ficou incrível!

Entrei em contato com um amigo que tinha uma gráfica pra conseguir um desconto na impressão, e ele ofereceu pra imprimir de graça! Eu não estava acreditando! Eu ainda pude visitar a gráfica com ele e ver o processo inteiro da impressão e guilhotina para recorte.

Senti a mesma coisa que tinha sentido pela primeira vez com as cartas de Magic, aos 13 anos de idade!

Chegando em casa, organizei todas as cartas por classe no meu fichário antigo de Magic, peguei os protetores e comecei a montar os decks. Cada um seguia um tema de acordo com a classe. Paladino tinha os soldadinhos e os buffs, ladino com dano direto, sacerdote com muita cura e provocar etc.

Os decks estavam prontos! Agora só faltava conseguir reunir pessoas que queriam jogar e que conhecessem o jogo. Fui no Cinese, montei um encontro gratuito na Magic Domain e comecei a divulgar no Facebook.

Cinese é uma plataforma de Ensino Colaborativo em que qualquer pessoa pode organizar encontros para compartilhar aquilo que quiser, sem curadoria.

A ideia era se encontrar em um espaço de Magic the Gathering pra apresentar um jogo novo pra outras pessoas que gostam de card games.

Queria compartilhar aquela minha nova paixão com os outros. Queria que eles vissem naquilo o universo mágico que eu vi. Tinha certeza que aquele jogo seria revolucionário, e queria dizer isso pra todo mundo.

Infelizmente, toda novidade é recebida com resistência. Só 1 pessoa se inscreveu — um amigo meu, que acabou não gostando de HearthStone e ficou jogando Magic com outro grupo de amigos. :(

Lá no lugar que escolhi — a Magic Domain, só uma pessoa demonstrou interesse e quis jogar. Mesmo assim, era preciso pelo menos mais duas pessoas para que o encontro realmente fosse um encontro. Por sorte, meu amigo que imprimiu as cartas apareceu de surpresa e ainda estava levando um primo. — "Meu primeiro encontro de HS ía dar certo!"

Nos divertimos muito jogando várias partidas e conversando sobre todas as estratégias das classes e dando pitacos sobre quais seriam as cartas roubadas do jogo e fazendo várias comparações com o Magic.

Cheguei em casa tarde e fui trabalhar em um projeto. Eu estava alterando umas coisas no site de um evento de Tipografia que estávamos organizando — o DiaTipo. Era umas 2 da manhã já e eu estava deitado super cansado.

Antes de ir dormir, resolvi checar meu email uma última vez no celular…
"OMFG! CHEGOU EMAIL DA BLIZZARD!" *reação fanboy*

Meu coração começou a bater mais forte, a mão ficou suada e trêmula enquanto eu clicava no email. Entrei no Beta Test do HearthStone!

Mas como assim!? Eu nem sabia que tinha começado! Liberaram alguns convites quando estava no encontro!

Pulei da cama e fui correndo pro computador resgatar minha Beta Key. Abri o Battle.net e lá estava o HearthStone. Pronto pra ser instalado! Sentia como se o tempo tivesse parado nesse momento. Cada porcentagem da instalação parecia que demorava uma eternidade.

Não fiz nada enquanto instalava. Não pesquisei nada. Não assisti nenhum video e nem li nenhum review. Nada. Fiquei estático olhando a barra de download e instalação correndo enquanto pensava em trezentas coisas que eu queria fazer e testar no jogo. Sabia que seria incrível.

Era aquele momento de suspense sendo construído com drama antes do momento épico final da instalação.

As primeiras experiências que passamos na vida com algo novo sempre é a mais memorável — essa não foi diferente. Eu sabia que isso ficaria marcado na minha mente para sempre. Sabia que esse momento faria parte da minha história assim como todos os outros jogos da Blizzard fizeram.

Acabei virando a noite jogando. :D

Parte 2 — O sonho de ver neve pela 1ª vez.

A 2ª parte do texto é sobre o inicio do conteúdo no YouTube, a realização de alguns sonhos de infância, e todas as coisas boas que o HearthStone colocou na minha vida.

Parte 3 — Uma visão ofuscada pela Nevasca.

A 3ª parte do texto conto sobre todas as dificuldades de ser um produtor de conteúdo no Brasil. Os desafios de "trabalhar" com a Blizzard e todos os tombos e realidades que tive que enfrentar ao longo do caminho.

Parte 4 — A calmaria após a Tempestade.

Na última parte falo sobre minha visão sobre Criadores de Conteúdo e o relacionamento com Marcas e Empresas. A minha vida como "nômade digital", meu projeto engavetado e a minha paixão por conhecimento.
(em breve)

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