As 4 maiores diferenças que senti ao ir trabalhar para a OLX em Portugal

Rômulo Gomes
8 min readJan 2, 2019

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Foto do nosso embarque definitivo para Lisboa. Todos animados para passar 10h sobrevoando o Atlântico!

Há pouco mais de um ano me mudei de São Paulo para Lisboa por ter aceitado um novo desafio na OLX. Foi uma mudança muito grande a nível pessoal, familiar e tudo mais, mas hoje vou tentar focar mais no profissional.

Uma das coisas mais interessantes (se não for a mais interessante de todas) desse primeiro ano foi ter tido a oportunidade de trabalhar com pessoas de diferentes nacionalidades, costumes, comportamentos, enfim… Uma série de diferenças que fazem o desafio de liderar o Marketing da OLX em Portugal ainda mais interessante do que já é. E olha que não é pouco!

Agora durante as minhas primeiras férias no Brasil tive tempo para refletir um pouco sobre as diferenças entre trabalhar no meio digital no velho continente e decidi compartilhar um pouco sobre a minha visão. Com certeza não é a visão de todo mundo e tem diversas outras coisas que poderiam ser destacadas, mas eu escolhi as seguintes:

Passo menos tempo no escritório. Bem menos.

De fato a primeira coisa que chama a atenção por ser muito diferente do Brasil — ou pelo menos de São Paulo — é em relação a quanto tempo passamos no trabalho e como é o foco das pessoas durante o expediente.

Uma das áreas comuns do nosso escritório em Saldanha. Mais de 50% do espaço é decicado a áreas compartilhadas.

Não espere ver quase pessoas trabalhando mais que as 8 horas diárias todos os dias, nem seu chefe. Aqui a grande maioria das pessoas entram e saem do trabalho todos os dias praticamente no mesmo horário, com raras exceções. Ninguém tem medo de ser mal visto por estar trabalhando menos que o outro, mesmo que as coisas não estejam indo lá muito bem. Pelo contrário: trabalhar demais pode passar a impressão de que você não é capaz de fazer o que tem que ser feito durante o expediente, além de poder deixar outras pessoas desconfortáveis.

Eu me lembro inclusive do meu chefe holandês dizendo de forma irônica que eu não precisava me esforçar tanto para "impressioná-lo com a minha incrível ética de trabalho". Ele deve ter feito essa piada pelo menos duas vezes quando eu cheguei. Levou um pouco mais que o trimestre, mas eventualmente eu me ajustei.

Uma consequência interessante e positiva disso é que o nível de concentração das pessoas durante o trabalho é nitidamente maior. É raro ver alguém nas redes sociais ou “zapeando” com os amigos durante o expediente… Hora do trabalho é hora do trabalho, e ponto final. Obviamente que trabalhar menos horas ajuda muito.

Estando aqui e refletindo sobre meus empregos anteriores, lembro que muitas vezes eu ficava no escritório só “por ficar” ou por causa do trânsito. Eu não percebia, mas isso acabava consumindo meu tempo de descanso ou meu tempo em família a troco de nada.

Aqui as pessoas tiram férias de um dia.

Falando agora parece bobo, mas foi difícil de entender no começo!

Sim, você leu certo e eu não estou exagerando: em Portugal as pessoas tiram férias de um dia. Aqui o governo não controla como você deve tirar seus merecidos dias de descanso. Você tem direito a 22 dias úteis por ano de férias e os tira como quiser. É ótimo, mas também tem o outro lado da moeda: levou um bom tempo até eu me acostumar com o fato de que alguma pessoa importante poderia simplesmente não vir ao trabalho, do nada. Perdi as contas nas minhas primeiras semanas na empresa quando alguém importante não estava lá, "do nada". Com um tempo, passei a me enturmar mais e saber com antecedência das férias dos meus colegas. Uma delas inclusive criou um calendário com as férias de todos, de forma que agora já não tem surpresa para ninguém.

Offsite que fizemos com as equipes de Marketing das nossas três marcas em Portugal: OLX, Imovirtual e Standvirtual.

Obviamente que as pessoas não podem simplesmente tirar um dia — ou dez, ou vinte — sem falar nada para ninguém. Todas as férias são aprovadas pelo gestor daquela pessoa, de preferência como alguma antecedência para não prejudicar o andamento dos projetos.

Um resultado interessante desse modelo mais “solto” de férias é que as pessoas tendem a tirar mais férias durante o ano. Você pode emendar um feriado aqui, outro ali… Pegar uma semaninha durante o verão e outra durante o inverno, e ainda vão sobrar alguns dias para emergências e assuntos pessoais. Isso tudo tem um valor incrível para a nossa qualidade de vida. Gostaria muito de ver isso no Brasil (se eu não me engano esse é um dos pontos da Reforma Trabalhista).

As pessoas começam a trabalhar um pouco mais velhas

Talvez eu não seja parâmetro de comparação por ter trabalhado/ajudado nas empresas dos meus pais desde pequeno. Fazendo trabalho de motoboy, adminsitrativo ou na produção de sacos plásticos na pequena fábrica do meu pai. Trabalho desde que me entendo por gente e antes disso vendia tazos na escola para comprar jogos para o meu Playstation.

Pegando o exemplo comum de pessoas que trabalham na área de tecnologia no Brasil — aquelas que mal começam a faculdade, já entram para um estágio e no final, saem como no mínimo como um analista sênior, coordenador ou até mesmo gerente. Estamos falando de pessoas com 22–23 anos que saem das universidades não só prontas para o mercado: a essa altura elas já são o mercado.

Em Portugal — e digo isso pelo que ouço das pessoas com quem interajo e que já entrevistei por aqui— o comum é: ir para a faculdade, passar 4 ou 5 anos lá e talvez fazer um estágio no último. Talvez. Depois disso tem muita gente que vai direto para especialização de mais 2 anos, ou que vai para algum país remoto fazer intercâmbio ou trabalho voluntário antes de entrar para o mercado de trabalho. São pessoas que começam a trabalhar com seus 23–24 anos em posições de trainee ou júnior, obviamente academicamente mais estudadas que nós do terceiro mundo, mas que também não tem a maturidade profissional que estamos acostumados a encontrar na nossa terra.

Disclaimer: moro há pouco em Portugal e pode ser que eu esteja bem errado quanto ao que acabei de escrever aqui.

Essa foto obviamente foi tirada antes de nós todos mudarmos para o novo escritório com as nossas bagunças

Isso tem alguns reflexos, como o fato de que a idade média das pessoas com quem você trabalha acaba sendo maior. Não muito, mas o suficiente para fazer com que alguém como eu, hoje com 29, chegue com uma bagagem de experiência “desproporcional” a idade e cause estranheza nas pessoas.

Também é muito comum ver pessoas trabalhando diversos anos — por muitas vezes décadas — nas mesmas empresas, até mesmo no meio digital. Somando isso ao fato das universidades serem provavelmente o pior lugar para se aprender sobre a cultura de internet hoje em dia, não é de se estranhar que o nível do mercado digital por aqui ainda seja muito incipiente.

Trabalhando em múltiplos idiomas

Saindo um pouco dos fatores que são específicos de Portugal, existe também a cultura da própria OLX e da Naspers, e o fato de sermos quase 300 colaboradores de quase 20 nacionalidades diferentes.

Talvez esse seja um fator que me agrade tanto quanto a questão do horário e das férias. Na OLX os meus chefes são de outros países: meu gestor direto é Búlgaro e o meu ex-gestor é Holandês, assim como o nosso General Manager. Diria que “de mim pra cima” e no relacionamento com equipes de outros países é tudo 100% em inglês.

Visita técnica que fizemos a operação da La Redoute em Leria.

Já a nossa equipe é essencialmente portuguesa — até porque os textos e tom de comunicação têm que ser o mais “nativo” possível. Também tem um brazucas na empresa, é claro, mas a minha interação diária é basicamente com portugueses e uma mistura de outras nacionalidades: poloneses, franceses e alemães, além dos já citados, fazem parte do meu grupo de contato mais próximo.

Lembrando que isso não significa que eu tenho que lidar com dois idiomas, mas sim três: inglês, português e o brasileiro (como eles insistem em chamar o nosso português por aqui). No começo, como já esperado, foi difícil a adaptação e ter que mudar de idioma a cada diálogo, email e mensagem no Slack, mas hoje é bem tranquilo.

Palestra que dei recentemente para o Ecommerce Experience sobre como foi o processo de criação da equipe de Performance Marketring.

Para ser honesto, o que eu não esperava mesmo era ter dificuldades com o português, e não com o inglês. No Marketing lidamos muito com criação de peças de comunicação, o que passa muito por copywriting, obviamente. Sofri bastante e confesso que até hoje não consigo entender muito bem como o verbo “procurar” se escrito “procura” ou “procure” denota conjugação na segunda ou terceira pessoa. E o fato de “você” ser formal e “tu” ser informal. Quem sabe com mais um ano de casa eu aprendo :)

O inglês, que é o que todos me perguntam, não só é tranquilo como tem se tornado cada vez mais natural para mim. Faço apresentações, reuniões, negocio, tudo em inglês. Claro que não sou nenhum Barack Obama, mas consigo me virar bem.

E tem diversas outras pequenisses do dia a dia que são bem diferentes da minha terra natal.

Essa cena fez parte do meu cotidiano por tempo demais.

Além do trabalho em si, tem todo um lado pessoal que não pode ser deixado de lado. Portugal é um lugar incrível para criar filhos e tem me proporcionado uma qualidade de vida muito boa — para ser honesto eu talvez nem esteja aproveitando tanto quanto poderia. Leva um tempo até a ficha cair e a gente se ajustar completamente a uma nova realidade.

Pegando uma das bikes da Gira para chegar ao trabalho.

Vou de transporte público para o trabalho, ando bastante e quando estou com pressa pego uma Lime ou Gira para chegar um pouco mais rápido. Comparando com São Paulo, apesar de morar relativamente perto de uma estação de metrô, acabava indo de moto por conta do tempo de deslocamento e por não me sentir seguro em voltar a pé para casa a noite.

E esse é um ponto que não é fácil de medir: quanto vale a nossa segurança e a sensação de estar seguro? É fácil concordar que issoé algo que não tem preço.

Não estou dizendo que tudo são flores: o processo de visto e autorização de residência é um parto; a burocracia é imensa; existe o preconceito com o fato de sermos brasileiros; é difícil estar longe dos amigos e família; o custo de vida é bem alto… Mas ainda sim no final das contas os prós são imensos.

E é isso, eu acho. Obrigado por me receber de volta, Portugal!

També escrevi o artigo “Vale a pena ir trabalhar em Portugal? Qual é o salário para fazer [trabalho x] aí?” caso queira saber mais sobre o assunto. E para quem quer entrar na área de Marketing Digital também escrevi este outro artigo.

Obrigado a todos pelos comentários e mensagens de incentivo!

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Rômulo Gomes

Father of 2. Ditched the 9–5 to become a full-time consultant and entrepreneur. Maker of EasyAppReports.com. F1 maniac. Brazilian expat living in Portugal.