O erro histórico do Google sobre Maria Firmina dos Reis e as datas de nascimento e morte de três pioneiros da ficção brasileira

Sérgio Barcellos Ximenes
7 min readJan 5, 2020

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Tema: a descoberta das verdadeiras datas de nascimento dos escritores Antônio Gonçalves Teixeira e Souza (30 de março de 1812) e Maria Firmina dos Reis (11 de março de 1822), e da data de falecimento da escritora Ana Eurídice Eufrosina de Barandas (23 de junho de 1863).

Descoberta relativa a Antônio Gonçalves Teixeira e Souza: divulgada em 2012 pela escritora e pesquisadora Rose Fernandes.

Descoberta relativa a Maria Firmina dos Reis: divulgada em 2017 pela escritora e pesquisadora Dilercy Aragão Adler.

Descoberta relativa a Ana Eurídice Eufrosina de Barandas: divulgada em 2019 por este pesquisador.

O erro do Google: a homenagem do buscador a Maria Firmina dos Reis, realizada em 11 de outubro de 2019 para comemorar o nascimento da autora (ocorrido, na verdade, em 11 de março de 1822).

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Apresentação

No dia 11 de outubro de 2019, o Google homenageou a escritora maranhense Maria Firmina dos Reis (1822–1917), a primeira romancista brasileira, autora de Úrsula (1860), com um de seus famosos doodles (imagens comemorativas colocadas na página inicial do buscador, que levam a informações sobre a pessoa homenageada).

Homenagem simpática, merecida mas equivocada, como veremos adiante.

Datas de nascimento e morte de autores são referenciais básicos no trabalho de pesquisa literária, e novidades relativas a essas datas estão entre as descobertas mais valorizadas pelos pesquisadores, porque representam uma contribuição relevante à história da literatura nacional.

Nos últimos anos, três informações importantes e pouco divulgadas alteraram nosso conhecimento sobre três pioneiros da ficção nacional: Antônio Gonçalves Teixeira e Souza (o primeiro romancista brasileiro), Maria Firmina dos Reis (a primeira romancista brasileira) e Ana Eurídice Eufrosina de Barandas (a primeira autora brasileira de ficção).

A verdadeira data de nascimento de Antônio Gonçalves Teixeira e Souza

Digitando-se “teixeira e souza” e “data de nascimento” no Google (data da busca: 7 de outubro de 2019), consegue-se como resultado inicial a imagem do autor acompanhada da informação: 28 de março de 1812 (a suposta data do nascimento).

Há um problema nesse resultado: desde 2012 está disponível na Web a informação de que o primeiro romancista nacional, autor de O Filho do Pescador (1843), nasceu em 30 de março daquele ano.

Coube a Rosa Fernandes, escritora e pesquisadora, membro e secretária da Academia Cabo-Friense de Letras (ACL), a primeira das três descobertas comentadas neste artigo. A história do feito de Rose pode ser lida no post Pesquisadora Rose Fernandes descobre dados que mudam a biografia de Teixeira e Sousa, no blog Conexão Cabo Frio News, de responsabilidade de Ronaldo Macedo. A data do post: 25 de outubro de 2012.

http://conexocabofrio.blogspot.com/2012/10/pesquisadora-rose-fernandes-descobre.html

A verdadeira data de nascimento do cabo-friense Teixeira e Souza consta do seu registro do batismo, redigido em 9 de abril de 1812. Uma cópia digitalizada do registro pode ser apreciada em post do blog do poeta Alberto Araújo, publicado também em 2012.

Novas Informações Sobre Teixeira e Sousa — Escritor Cabo-Friense, Alberto Araújo, 7 de novembro de 2012 — http://poetalbertoaraujo.blogspot.com/2012/11/novas-informacoes-sobre-teixeira-e.html

Nesse registro de batismo, Rose descobriu também que o futuro romancista era filho de pais brasileiros, ambos de cor parda e escravos alforriados. A Wikipédia ainda mantém a antiga informação, de que o pai de Teixeira e Souza seria português.

Nestes sete anos, a desinformação triunfou.

Rose Fernandes lançou em 2018 a biografia oficial de Antônio Gonçalves Teixeira e Souza (1812–1861), Um Novo Olhar sobre Teixeira e Sousa, com estas e outras informações inéditas.

https://cronicascariocas.com/cultura/literatura/biografia-oficial-de-teixeira-e-sousa-patrono-da-acl/

Um resumo do conteúdo do livro pode ser lido no destino do link acima.

A verdadeira data de nascimento de Maria Firmina dos Reis

Quando se digita “maria firmina” e “data de nascimento” no Google (data da pesquisa: 7 de outubro de 2019), tem-se uma imagem (supostamente) da autora e a (também suposta) data do nascimento: 11 de outubro de 1825.

A maranhense Maria Firmina dos Reis (1822–1917) é a primeira romancista brasileira, autora de Úrsula (1860).

Em 2017, a escritora e pesquisadora maranhense Dilercy Aragão Adler divulgou na mídia nacional a descoberta de que Maria Firmina, embora tivesse sido batizada em 1825, nascera de fato em 11 de março de 1822.

https://flaema2017.wixsite.com/flaema/dilercy-adler

Matéria do G1 sobre a descoberta de Dilercy.

http://g1.globo.com/ma/maranhao/jmtv-2edicao/videos/v/pesquisadora-realiza-biografia-sobre-a-escritora-maria-firmina-dos-reis/6211239/

Essa descoberta só foi possível porque Maria Firmina, em 1847, solicitou a correção do registro da data do próprio nascimento, anteriormente estabelecida como 11 de outubro de 1825, para 11 de março de 1822.

As imagens digitalizadas das 24 páginas do Auto de justificação do dia do nascimento de Maria Firmina dos Reis fazem parte do Anexo B do livro de Dilercy, Maria Firmina dos Reis: Uma Missão de Amor, lançado em 2017 pela Academia Ludovicense de Letras (“Ludovicense” é o gentílico referente à cidade de São Luís, capital do Maranhão). E a imagem digitalizada mostrada no Anexo C reproduz a certidão de justificação de batismo, com data de 14 de julho de 1847, na qual se restabeleceu a verdade histórica sobre o nascimento da autora.

O resultado do Google referido acima ilustra, mais uma vez, o descompasso temporal entre a descoberta de um pesquisador (no caso, pesquisadora) e a assimilação da nova data pela maioria das pessoas, mesmo quando se trata de informações divulgadas na internet.

Coincidentemente, Dilercy também descobriu uma novidade sobre a ascendência da escritora: a mãe não era branca, como sempre se acreditou, e sim uma ex-escrava negra.

O resultado inicial do Google reforça um erro histórico ainda mais grave: o retrato refere-se a outra escritora, Maria Benedita Câmara Bormann (a Délia), autora do romance Lésbia, entre outras obras. Délia era branca, e Maria Firmina, negra.

Na página do meu blog linkada a seguir, revelo como esse erro de identidade visual é cometido por outras 100 páginas da Web (e, infelizmente, o número está aumentando):

https://aarteliteraria.wordpress.com/2017/12/02/o-retrato-falso-de-maria-firmina-dos-reis/

A data de falecimento de Ana Eurídice Eufrosina de Barandas

Não há página na Wikipédia com o nome da primeira autora brasileira de ficção, a gaúcha Ana Eurídice Eufrosina de Barandas (1806–1863).

Até este ano, não se conhecia a data de falecimento da autora de Eugênia ou a Filósofa Apaixonada (1845), um conto romântico, e de Diálogos, peça teatral de conversação que constitui o primeiro texto ficcional do feminismo brasileiro. As especulações variavam de 1856 a 1891.

Em abril deste ano, em post sobre a autora, mostrei várias imagens da comunicação do falecimento de Ana e de missas comemorativas, até oito anos após o desenlace. E foi justamente a última imagem que permitiu datar com precisão a morte da autora: 23 de junho de 1863.

“Hoje, 23 do corrente, oitavo aniversário do falecimento de D. Anna Delmira da Fonseca, manda-se celebrar uma missa em sufrágio de sua alma, na igreja de Nossa Senhora do Carmo, às 7 1/2 horas.”

Diário do Rio de Janeiro, 23/6/1871, número 172, página 4, segunda coluna — http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/27458

“Anna Delmira da Fonseca” era um dos nomes usados por Ana Eurídice.

As duas descobertas anteriores, sobre Antônio Gonçalves Teixeira e Souza e Maria Firmina dos Reis, exigiram pesquisa de campo, enquanto esta exigiu apenas a consulta à Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional, além de paciência para se pesquisar todos os resultados direta ou indiretamente relacionados aos nomes da escritora.

Assim como nos dois casos anteriores, houve outra novidade gerada pela pesquisa: os nomes de filhas até então desconhecidas de Ana Eurídice. Essas informações podem ser lidas no meu post sobre a autora.

https://aarteliteraria.wordpress.com/2019/04/16/ana-euridice-eufrosina-de-barandas-a-desconhecida-pioneira-da-ficcao-nacional/

Depois desse novo erro de informação, cometido hoje no doodle do Google, cabe a pergunta: quantos anos se deverá esperar até que essas três informações sobre Antônio Gonçalves Teixeira e Souza, Maria Firmina dos Reis e Ana Eurídice Eufrosina de Barandas estejam disponíveis logo nos primeiros resultados do mais importante buscador da Web?

Por fim, deixo uma sugestão ao Google: que tal repetir a homenagem no dia certo, em 11 de março de 2020?

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Sérgio Barcellos Ximenes

Escritor. Pesquisador independente. Focos: história da literatura brasileira e do futebol, escravidão e técnica literária.