O “Álbum” (O Diário) de Maria Firmina dos Reis

Sérgio Barcellos Ximenes
44 min readMar 30, 2020

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Apresentação

Uma das descobertas mais importantes do pesquisador, poeta e escritor José Nascimento Morais Filho foi o Álbum de Maria Firmina dos Reis. O diário da escritora, reproduzido no livro Maria Firmina ─ Fragmentos de uma Vida (São Luís, 1975), permite conhecer em detalhes a sua intimidade, também revelada em vários de seus poemas.

Foto copiada da página do Facebook do sociólogo Rafael Balseiro Zin. https://www.facebook.com/media/set/?set=a.10155365582232380&type=3

Leude Guimarães, um dos filhos de criação da escritora, revelou a José Nascimento Morais Filho que a mãe deixara muitos manuscritos ao falecer. Esse material consistia de “cadernos com romances e poesias, e um álbum onde havia muita coisa de sua vida e da nossa família”.

Leude guardou esse legado em um baú do hotel onde estava hospedado em São Luís. Quase tudo se perdeu quando ladrões invadiram o quarto e arrombaram o baú, à procura de bens. O Álbum de Maria Firmina é justamente tudo o que sobrou desse conteúdo valioso da autora maranhense.

As duas entradas que limitam o texto do Álbum, a primeira e a última, tratam de um tema onipresente no diário: a morte de pessoas queridas. Em 20 de maio de 1853, Maria Firmina escreve o texto Uma lágrima sobre um túmulo (sobre o falecimento da própria mãe, em 9 de janeiro daquele ano), e em algum dia de 1910 registra o falecimento de mais um filho de criação.

No total, são 35 falecimentos, incluindo óbitos da mãe e de trêsfilhos de criação.

Em termos etários, esse período vai dos 30 aos 88 anos de idade (aproximadamente) de Maria Firmina dos Reis.

Informa José Nascimento Morais Filho que a transcrição do texto manuscrito foi realizada pelo poeta e dramaturgo Jamil Jorge, assessorado pela filha, sendo a revisão de responsabilidade do documentarista Euclides Siqueira.

Na entrada de 31 de janeiro de 1869, Maria Firmina explica a seu querido amigo Raimundo Marcos Cordeiro o significado pessoal daquele Álbum:

“Bem compreendeis o que é um álbum ― são as páginas d’alma escritas ora com sangue, outra hora com lágrimas, nunca animadas por benéfico sorriso. Amor ou desesperança ― saudade ou dor, eis o que ele significa”.

De fato, saudades e dor são onipresentes no diário da escritora, como veremos adiante.

Conteúdos presentes no Álbum

1. Temperamento melancólico.

“Minha alma ama a melancolia”: na primeira entrada, Uma lágrima sobre um túmulo (20 de maio de 1853), Maria Firmina revela uma verdade sobre si mesma que é deduzida naturalmente da leitura de seus poemas (um deles com o título Melancolia) e dos textos em prosa. Mais adiante, conta que se descobriu melancólica ainda criança, e como gostava de chorar, movida por um desejo impossível de compreender e de satisfazer. Também:

“A vida para mim está nas lágrimas. Amo as que verto na amargura pungente de minhas ternas desventuras; com elas alimenta-se minha alma, elas acalmam o rigor do meu destino” (15 de junho de 1873).

2. Religiosidade.

“Deus” é uma presença marcante no Álbum, assim como nos poemas e nas obras de ficção (o Cristianismo está presente no romance Úrsula, na novela curta Gupeva e no conto A Escrava). A religiosidade teve função determinante na vida da autora, porque a ideia de Deus, com seus desígnios incompreensíveis mas “justos” (mesmo no caso da perda dos entes queridos), serviu como único freio aos impulsos suicidas.

“Como são incompreensíveis os Juízos do Altíssimo!” (1859).

“[…] resignei-me, porque foi a vontade de Deus!…” (1859).

3. Solidão.

“Penso e sinto: meu sentir e meu pensar não os compreende ninguém; porque também a ninguém os revelo” (15 de junho de 1873).

Mesmo as parentas, as amigas e os muitos filhos de criação não conseguiram alterar esse aspecto da psicologia da autora. Outro fator contribuinte: Maria Firmina nunca se casou.

4. Tendência ao suicídio.

Uma faceta interessante de sua personalidade: a admissão sincera e repetitiva do amor ao túmulo, à “campa”, ao descanso eterno dos problemas supostamente representado pela morte.

“Tentar contra os meus dias, seria um crime contra Deus e contra a sociedade; mas almejo a morte” (2 de fevereiro de 1861).

5. Amor aos filhos de criação.

Segundo José Nascimento Morais Filhos, em Maria Firmina ― Fragmentos de uma Vida, a autora teve pelos menos 10 filhos de criação. No Álbum é possível identificar o falecimento de três deles (Vicente, Renato e Djalma), além do recebimento de uma menina para criação, em 30 de janeiro de 1863.

6. Busca do bem-estar alheio.

A contração emocional de Maria Firmina (solidão, tristeza, melancolia, derrotismo) na dimensão individual era contrabalançada pela expansão, na dimensão social. Traços óbvios de empatia, solidariedade, amor ao próprio e cuidado com os desvalidos ressaltam-se no Álbum, sendo exibidos também em seus poemas (especialmente naqueles dedicados a mães e pais que sofreram a perda de filhos) e em sua ficção, na qual o procedimento literário de dar voz aos oprimidos, em Úrsula (Suzana), Gupeva (Gupeva) e A Escrava (a mãe escrava sem nome), representa bem essas características pessoais da autora.

Esses traços explicam o fato de Maria Firmina, embora vivesse em condições precárias, ter acolhido cerca de 10 filhos de criação.

Conteúdos ausentes do “Álbum”

1. Menção às próprias obras literárias.

A autora não trata de nenhuma de suas produções literárias, enigmísticas ou musicais no Álbum. É possível que reservasse esses assuntos para outros cadernos, que foram perdidos para sempre.

2. Menção a problemas orgânicos específicos.

Fora algumas observações genéricas (Minha compleição é débil, 2/2/1861), nas páginas remanescentes do Álbum não há menção a nenhum dos problemas orgânicos que levaram Maria Firmina a solicitar várias licenças para tratamento de saúde durante o trabalho como professora.

3. Registros ou comentários sobre fatos históricos.

No Álbum não há nenhuma observação sobre fatos históricos, sejam locais, sejam nacionais.

4. A questão racial.

A literatura de ficção de Maria Firmina tem como um dos centros as relações étnicas: a opressão dos negros pelos brancos e dos indígenas pelos colonizadores. No Álbum, entretanto, somente uma entrada, a de 2 de fevereiro de 1872, menciona de passagem a importância da cor para o destino da autora (itálico acrescentado):

“Sim, eu sou a lua: ― se Deus negou-me dela a beleza, o nítido albor [brancura intensa] e o magnífico esplendor de formosura, deu-me uma melancolia, sua palidez; e como ela a divagar no céu, deu-me que […] divagasse na terra: cismando como ela à noite, meditando saudades, e tristezas como ela medita”.

5. Humor.

Não se lê no Álbum nenhuma observação engraçada, nenhuma anedota sobre a vida em família, nenhum relato de episódio engraçado.

Valores do Álbum

Essa produção subjetiva de Maria Firmina apresenta dois valores importantes, um para o estudo da autora e outro para a história da literatura nacional.

. A exposição sincera das experiências pessoais mais íntimas torna o Álbum valioso para se entender a personalidade da autora.

. Além disso, como ressaltou a escritora e pesquisadora Luiza Lobo em Autorretrato de uma pioneira abolicionista, capítulo 18 do livro Crítica sem Juízo (Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1993), o Álbum é, provavelmente, “[…] o primeiro diário escrito por uma mulher publicado no Brasil […]” (página 225).

Organização do conteúdo original do “Álbum”

No livro Maria Firmina ─ Fragmentos de uma Vida, de José Nascimento Morais Filho, várias entradas do Álbum se encontram deslocadas em relação à cronologia da vida da autora, e geralmente não vêm acompanhadas do dia do registro.

Na transcrição abaixo, elas foram incluídas nos anos apropriados, mesmo que possam não ter sido redigidas nesses anos.

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O ÁLBUM

1853

9 de janeiro de 1853.

Dia este que há de ser eternamente gravado em minha mente.

UMA LÁGRIMA SOBRE UM TÚMULO

Era a hora do silêncio e do repouso, hora mágica ― misteriosa ― grande ― sublime ― majestosa como Deus! Triste, melancólica como a imagem do túmulo… porém que […] para a minha alma, por isso que minha alma ama a melancolia!!… E eu te saudava, hora mágica ― e sublime!!! E eu subia no cume do rochedo… E tu eras grande ― e misteriosa como o mesmo Deus!!!…

Doze horas soaram… A noite estava silenciosa ― e erma. E eu estava sobre o cume do rochedo. Era o silêncio dos túmulos que aí reinava!!! hora santa ― e respeitável, como a imagem de Deus ― eu te saudava!…

Ao longe Álcion [Alcíone, mulher transformada em pássaro por Zeus], gemia, gemia, sobre as águas ― e o mar mansamente beijava as cavidades do rochedo. Mas o rochedo estava imóvel porque a voz do Senhor ele se havia erguido: ― e esta voz que o erguera, brandamente soava no murmúrio da viração.

E eu chorava porque a meus pés estava um túmulo!!! E as estrelas que prateavam a abóbada celeste ― e o mar que alvejava no seu leito, ― e a brisa do Sul que me rociava as faces, ― e o verme, que se arrastava para a sua presa, ― e o orvalho que se pendurava das ramas ― estavam mudos e tranquilos. Só eu tinha o coração opresso por isso que a meus pés estava um túmulo!

E ninguém partilhava a minha dor!… E os raios da lua começavam a pratear as águas… e um branco sudário se desdobrava, sobre a tema ainda revolta da sepultura. Mas a lua passava e o sepulcro já era tudo sombras: ― e minha dor prosseguia, sempre ainda, sempre crescente!!

Oh! Sim!… E para sempre escondida aquela que eu tanto amara!… Eu chorava… No silêncio da noite, minha dor, tocava a desesperação. O mar desdobrava-se a meus pés, ― as estrelas cintilavam, sobre minha cabeça, ― a viração andava em torno de mim. Deus se me revelava em cada um daqueles objetos. Oh! eu amo a Deus porque Ele é justo, ― santo ― e onipotente.

No auge da minha desesperação, deixei o rochedo. Indignou-me ver tudo tranquilo ― tudo indiferente à minha dor. Deus! Ajoelhei sobre a terra ainda revolta do sepulcro, e meu espirito sentiu amarga consolação. Por quê? Porque Deus amerceou-se [compadeceu-se] de mim. Eu chorei sobre a sepultura, mas era um pranto já mais resignado…

Eu a tinha visto morrer, e não tinha desesperado. No auge da minha dor, soltei uma blasfêmia… mas o arrependimento apaga a nódoa do pecado ― e eu senti renascer em meu coração sentimentos mais dignos do meu Deus. Ele me havia perdoado.

E eu que tinha visto seu corpo fugir-me, atendendo à voz do sepulcro, que o reclamava… e eu que vira seu espírito abandonar-me porque à voz do Senhor… pude ver, e não desesperei?!!

Oh! Deus!… Deus… de Ti veio-me o bálsamo de resignação.

Mas ao silêncio, sussurra a hora da arvorada ― e minhas lágrimas corriam mais suavemente. A resignação entrara em minha alma. O amargor estava ainda em meu coração, ― mas a hora que aprazia a minha alma já havia passado.

A noite já de todo havia desaparecido: ― as flores desabrochavam meigas, e risonhas, ― ao voluptuoso bafejo da manhã: eu já não tinha lágrimas, porque o Senhor as trocara pela resignação.

Então, entoei um hino ao Deus dos Exércitos… Minha alma exalou um suspiro de saudade, ― e circundei de flores o túmulo da que tanto amei!

A hora do silêncio tinha passado, e eu {que} por um instante duvidara da bondade eterna, consolidava já meu coração na crença do seu Deus.

E cessei de chorar porque o seu espírito estava em Deus!!!!

Maria Firmina dos Reis

20 de maio de 1853

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1856

Eu as vi… eram duas virgens, duas virgens, meigas, belas, sedutoras, oh! ainda as vejo!… Teresa… Alexandrina.

Foi um momento de prazer que me concederam, mas esse momento ficou gravado em minha alma.

Seus rostos inspiram a mais doce, e meiga simpatia, mas o que é o físico em relação à alma?… Sim, é por sem dúvida transunto [exemplo] fiel da pura ingenuidade de suas almas.

Teresa, meu coração rendeu-se inteiro nos teus encantos… Minha alma simpatizou com a tua, ― minha dedicação, meu afeto, meu amor para ti será eterno.

São Luís, 19 de junho de 1856

* * *

É preciso que neste álbum eu escreva uma lembrança a fim de a minha terna, e querida amiga, quando lançar os olhos sobre o caráter destas letras, se recordar de quanto a amo. Oxalá que ela esteja sempre presente na memória da minha amiga, como fica gravado no meu coração o seu belo retrato.

Trarei teu nome gravado

Dentro do meu coração

Pois por ti só concebi

Amor, sincera afeição.

*

Estas linhas que escrevo

Só querem dizer “Maria”.

Delas só me esquecerei

Debaixo da campa fria.

*

Teresa de Jesus Cabral.

Maranhão, 22 de julho de 1856

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1858

Oh! dia 10 de agosto de 1858… como és para mim de dolorosa recordação!! Foi neste infausto dia que a morte me roubou uma terna, e afetuosa amiga! Ana Joaquim Cabral Viana, como eras cara ao meu coração!! Uma lágrima sobre a sua campa!

Urna lágrima de saudade à memória da minha jamais chorada amiga D. Ana Joaquina Cabral Viana.

rosa de amor ― rosa purpúrea e bela

Quem entre os goivos te esfolhou, da campa?!!

C. [“Camões”] por [Almeida] Garret

Morreu! já não existe! Lágrimas tristes, pranto de sincera e amarga saudade, orvalhai-lhe a campa! Meu Deus! como a morte é cruel!!! Suas graças, sua amabilidade, sua extrema doçura não a poderão comover!!! Ah! ainda a vejo no gozar da vida, já tão exígua, já tão próxima do sepulcro, e inda assim tão bela… tão risonha, tão cheia de encantos.. era como a estrela da alvorada bela ainda até ao ultimo lutar com o resplendor da dor: mas a morte adejou em torno dela e nós perdemo-la para sempre. A terra lhe seja leve!!

Sem data

* * *

Otávia, nascida a 20 de fevereiro de 1858 ― andou a 28 de dezembro do mesmo ano.

Sem data

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1859

UM SUSPIRO… UMA RECORDAÇÃO!

Como são incompreensíveis os Juízos do Altíssimo! meu Vicente, na flor dos anos… arrebatado à vida por uma morte súbita e inesperada! Meu Deus, era o dia 15 de fevereiro. Eu o vi morto, e meus olhos não acreditavam! Sofri uma […] dor, mas resignei-me, porque foi a vontade de Deus!…

Guimarães, […] 1859

* * *

UMA LÁGRIMA!…

Era o dia 19 de abril, um formoso sol brilhava sobre os campos do céu, e os raios vívidos e luzentes aqueciam docemente a ervinha do prado; mas meu coração estava aflito, porque na minha alma havia dor pungente. Minha pobre Avó! Caíste como o cedro da montanha, abalado em seu seio pelo correr dos séculos.

Uma lágrima sobre a tua campa! porque a sua memória será terna em minha alma. Adios, até o dia em que Deus nos houver de reunir para sempre

Guimarães, 19 de abril de 1859

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1860

[Observação: a segunda campanha de subscrição do romance Úrsula, esta bem-sucedida, transcorreu no primeiro semestre de 1860, e o romance foi lançado no início de agosto desse ano, recebendo quatro resenhas e sendo objeto de vários anúncios nos periódicos de São Luís.]

Principiou-se a obra da casa das órfãs Edeltrudes e Juliana a 18 de setembro de 1860.

Sem data

* * *

Hoje tenho o coração opresso… é incompreensível o que sinto! tenho amarga melancolia!!

Guimarães, 24 de setembro de 1860

* * *

Permiti, Senhor meu Deus, que o dia de amanhã me seja mais cheio de esperanças. e de felicidades: porque eu vos louvarei como os anjos.

Guimarães, 25 de setembro de 1860

* * *

Ainda hoje acabrunha-me a mesma melancolia, ou cada vez ocultava mais, e cresce e duplica de amargor. Há no fundo da minha alma o que quer que seja, que derramando-se por todo o meu corpo, entorpece-me os membros, e curva-me a fronte para o sepulcro. Sepulcro… Sepulcro, se para mim não tem jamais um dia de esperança, e de amor, um dia de sensações mais poéticas, e menos amargas, quando o teu silêncio me arrebata!!!

Eu não amo a vida; porque ela é a vida de gozos e de felicidade; amo-te, oh! sepulcro: porque em ti se […] esquecimento e repouso.

Guimarães, 26 de dezembro de […]

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1861

Raiou enfim um novo ano; mas a luz do sol do seu primeiro dia, não esclareceu as trevas, nem abrandou as dores do meu coração. Oh! te saúdo novo ano; mas, tu não trouxeste a esperança à minha alma!… Serás acaso tão impassível ao meu sofrer, como foi teu irmão?… Será o derradeiro da minha vida!! Meu Deus eu estou resignada, Bendito sejas; porque me en[…]s o sofrimento!

5 de […]

* * *

Sexta-feira, 11 de janeiro, dia em que viemos habitar esta casa. Deus permita que nela eu seja mais feliz e que a tranquilidade visite o meu coração. Difundi Senhora vossa graça sobre nossas cabeças. Amém.

Não. Tentar contra os meus dias, seria um crime contra Deus e contra a sociedade; mas almejo a morte. Perdoai-me Deus de misericórdia! Mas a vida é-me assaz penosa, e eu mal posso suportá-la. O mundo é áspero e duro; mas não me queixo do mundo nem de pessoa alguma. Minha compleição é débil, minha ama [?] alma sensível […], meus desgostos são filhos de meus caprichos. Só vós, Senhor, me compreendeis porque me geraste: só vos podereis perdoar!

Guimarães, 2 fevereiro de 1861

* * *

O descanso de uma vida consumida encontra-se na sepultura. O esquecimento das dores humanas, só ela oferece. Eu quero um dia de repouso, um dia de esquecimento. Campa!… campa, eu te saúdo.

Guimarães, 26 fevereiro de 1861

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Raimundo Guimarães Augusto Ermes de Sar[…?] nasceu a 28 de agosto de 1861. Doroteu [escravo] embarcou para a capital com comadre Eulália a 25 de setembro de 1861.

Sem data

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1863

RESUMO DA MINHA VIDA

I

De uma compleição débil e acanhada, eu não podia deixar de ser uma criatura frágil, tímida, e por consequência melancólica: uma espécie de educação freirática, veio dar remate a estas disposições naturais. Encerrada na casa materna, eu só conhecia o céu, as estrelas, e as flores, que minha avó cultivava com esmero, talvez por isso eu tanto ame as flores; foram elas o meu primeiro amor. Minha irmã [Amália Augusta dos Reis]… minha terna irmã, e uma prima querida [Balduína A. dos Reis], foram as minhas únicas amigas de infância; e nos seus seios eu derramava meus melancólicos, e infantis queixumes; porventura sem causa, mas já bem profundos.

II

Mas a infância passou, como passa para todo homem, e eu tive mais vigor e minha vida adquiria mais forças; meu coração como que expandiu-se um pouco, vívidos raios de sol da adolescência. A mulher é como a flor, esta sonha meiguices ao despertar do sol, porque o sol que surge há de afagá-la, sorrir-se […] de felicidade sem lembrar-se a pobrezinha que esse viver de deleites é dum momento, e que esse mesmo sol, que tão docemente a seduziu em seus transportes amorosos com suas faíscas ilusórias, vai-lhe roubando a vida e os encantos. Aquela no desabrochar da vida cisma um futuro radiante, e belo, belo como o céu. Eu experimentei já essa doce ilusão que mais faz amargar os últimos dias da existência. Era um débil e transparente véu que estava ante meus olhos, rasguei-o, vivi um deleitável paraíso, que me seduziu, e que me enlevou, que me transportou; da minha melancolia infantil, passei insensivelmente a um meigo olhar inocente de felicidades. Ah! por que tão depressa fugiste. Ah! por ela fugiste, idade única da vida, em que eu pude sonhar esse sonho que o poeta inveja, em que pude gozar esse gozo puro que assemelha, que arremeda a bem-aventurança dos anjos!…

Passou, e embalde, embalde anda a procuro. O que foi que tão depressa me fez esquecer os meus sonhos da adolescência, o meu gozar dos anjos? Quem se atreve de novo a cerrar sem piedade esse véu que débil, na infância, me ocultava o paraíso, e que agora ainda se tornou mais espesso, mais negro e compacto.

III

O mundo! Esse espelho impassível, cruel […] desfazer as nossas mais gratas, mais lisonjeiras esperanças! A sucessão dos anos apagou-me o fogo do coração, resfriou-me o ardor da mente, quebrou na haste a flor de minhas esperanças. Que porvir tão belo imaginava eu no doce delirar de minhas ideias! Nos meus sonhos mentirosos que futuro radiante se me antolhava [manifestava aos olhos]! Ah! Tudo, tudo uma cruel realidade. Destruí-o para sempre. Tudo: meu coração outrora tão ardente, hoje apenas sinto-o levemente estremecer no meio do gelo, que o circunda E os poetas dizem. “O amor vivifica os corações” ― o Amor é a felicidade da vida, é a vida da nossa existência: talvez. Amei eu já acaso? Não sei. Amor ― acrescentarei eu, é uma paixão funesta ― é o amor quem espreme no mundo tanto fel, tanta amargura, é quem torna a vida peso insofrível, por demais incômodo. Amor que abre ao homem a senda do prazer e da vida é também quem cerra sobre ele a lousa da sepultura. Entretanto o amor é necessário ao coração do homem, quanto o ar é necessário à vida. Amor, amor, deixemos aos poetas esse dom celeste, e infernal, doce e amargurado, inocente e criminoso; não amemo-nos. As ilusões fugiram, fugiram as esperanças, que me resta pois? Uma mãe querida e terna, uma irmã desvelada e carinhosa. Ajudada por elas, arrastarei o peso desta existência até despenhar-se na sepultura. Porque me dás o sofrer, eu te bendigo, porque me permitiste a recordação de um passado mais venturoso! Oh! quantas vezes reclinada a fronte escandecida, sobre a mão gelada pela dor, eu lembro esses dias de infância que passei no regaço de minha mãe, e entre folguedos tecidos por mim, e por minhas duas amigas, folguedos, que começavam para mim com um magnético encanto, e que logo se iam tornando tristonhos e melancólicos, como minha alma, e que terminavam por um choro doído, suposto que sem causa. Meu coração sentia naquele chorar um amargo prazer, sentia uma dor, que ainda querendo, não o saberia explicar: inda assim eu era feliz! Ou então toda entregue a um profundo desalento, quanta vez, meu Deus. a mente vai buscar todas essas fases da vida por que tenho passado! Esses ligeiros anos de esperanças, e de gozo, e depois estes compridos e insofríveis anos de amarguras, de tédio, de desgostos, de dores, não imaginárias como a infância; mas fundadas em outras dores, filhas de grandes e muitos sofrimentos. Vida!… Vida, bem penosa me tens sido tu! Há um desejo, há muito alimentado em minha alma, após o qual minha alma tem voado infinitos espaços, e este desejo insondável, e jamais insatisfeito, afagado e jamais saciado, indefinível, quase que misterioso, é pois sem dúvida o objeto único de meus pesares infantis e de minhas mágoas. Eu não aborreço [me aborreço com] os homens, nem o mundo, mas há horas, e dias inteiros, que aborreço a mim própria.

Que será pois o que sinto? Amo a noite, o silêncio, a harmonia do mar, amo a hora do meio-dia, o crepúsculo mágico da tarde, a brisa aromatizada da manhã; amo as flores, seu perfume me deleita: amo a doce melodia dos bosques, o terno afeto de uma mãe querida, as amigas de minha infância, e de minha juventude, e sobre todas estas coisas amo a Deus; e ainda assim não sou feliz, porque insondável me segue, me acompanho esse querer indefinível que só poderá encontrar satisfação na sepultura.

* * *

Renato ― creio que assim se chamará o pequeno órfão que recebi para não mais aleitar. Inocentinho coitado! Nasceu a 6 de dezembro de 1862. No dia 11 do mesmo mês, Deus foi servido para seus insondáveis mistérios chamar-lhe a mãe. Foi no dia 17 do mesmo setembro [dezembro?] que me vieram entregar. Deus e a Virgem Santa o protejam.

Sinhá ignora o nome ainda, o nome que terá na pia batismal a inocentinha criança que me foi confiada por pessoa que por ela se interessava em Alcântara, a 30 de janeiro de 1863. Talvez um dia a reclamem a seus pais: foi essa a condição com que ma confiaram.

Sem data

* * *

Renato! Renato, meu filho adotivo, meu pobre anjinho, já não existes!… Que fatalidade, meu Deus!… É duro ver-se morrer aquela a quem se dedica afeição quase materna. Dez dias de sofrimento… dez dias. Renato, pobre florzinha acoitada pelo furacão, quebrou na haste ainda tão débil e tão mimosa… Renato era um anjo que vagava entre nós, e que de novo remontou ao Céu, ileso das dores da vida. […] inseparáveis da existência… e ainda assim eu pranteio? Que loucura! Perdoai-me Senhor; mas, me criaste tão fraca, tão sensível à dor!!! Saudades! quantas não tenho eu dele?! dessa nívea florzinha que foi abrir seus cálices nos jardins do Céu!… Garça que pousou na terra, reerguendo-se novamente às regiões do espaço, sem tocar no lado impuro do mundo! estrela da alvorada eclipsada na terra pelos vívidos raios do sol da terna bem-aventurança; nuvem de incenso que se infiltra nos céus aromatizados e puros. Anjo! Anjo de Deus, aceita em tributo de saudade uma lágrima bem sincera, nascida do coração. Nos teus folguedos divinos, no teu constante gozar, lembra-te de minhas saudades, e eleva, prostrado aos pés do Altíssimo uma súplica fervente em favor daqueles que te acolheram e te dispensaram afetos.

Guimarães, […] junho de 1863

* * *

A UM ANJO

[Observação: José Nascimento Morais Filho reproduziu essa entrada como um texto de ficção, mas se trata de um poema ― provavelmente, dedicado ao filho de criação Renato, falecido em junho de 1863.]

Voaste, meu anjo,

Qual nuvem de incenso,

Em gratos perfumes

Ao trono do Imenso.

*

Com risos assumes

Mais grados queixumes,

De quem te adorava,

Os campos, os prados,

De etéreas alturas!

*

Tu garça inocente,

Folgando contente,

Rival nos agrados

Aos anjos c’roados

Com as flores dos Céus,

Aos pés do Senhor,

Nas harpas mimosas,

Canções sonorosas…

Entoam ao seu Deus!…

*

Ó, desce um momento,

Meu anjo de amor,

E traz-me um sorriso

Que abrande o tormento

De meu coração!

Fragrância da flor

Do meu paraíso

Se infiltre em minh’alma

Frescura na calma,

Consolo à aflição.

Guimarães, […] 1863

__________

1864

Sinhá sentou-se com 5 meses e começou a desmamar-se de noite em 23 julho de 1863.

Sinhá deixou de mamar em Guilhermina desde os meados de setembro, e a engatinhar a 27 deste mesmo mês.

Sinhá deixou completamente a mama em fins de outubro do mesmo ano de 63.

Sinhá começou a andar no dia 17 de Janeiro de 1864.

Sinhá batizou-se ontem, 2 de fevereiro de 1864, na igreja matriz desta freguesia. Foi chamada Maria, na pia batismal ― foram seus padrinhos o Dr. José Mariano da Costa e eu própria, M. F. dos Reis. Acrescentarei que o dia 2 de fevereiro foi 3.ª feira, e que ela recebeu o batismo às cinco horas da tarde, sendo-lhe este Sacramento administrado pelo Revmo. Pe. Francisco José Cabral.

Guimarães, 3 de fevereiro de 1864

* * *

Foi seu viver um lutar contínuo com a morte: e a morte triunfou e morreu Benjamim na aurora da vida! Morreu no dia 27 de fevereiro de 1864 depois de longos e bem penosos sofrimentos. Deus se apiede de sua alma ― a terra lhe seja leve.

Sem data

* * *

UMA LEMBRANÇA

Ontem, 23 de abril de 1864, pelas nove horas da noite, recebi o beijo de despedida de uma excelente amiga ― D. Francelina Leopoldina Monteiro da Costa. Fui com profunda saudade que os vi partir… e a recordação de sua bondade, e da de seu consorte, e um doce sentimento de amizade, de simpatia, e de sincera afeição, gravada em minha alma, existirá para sempre; triste, mas doce companheira duma bem profunda saudade

Guimarães, 24 de abril de 1864

* * *

Partiu finalmente o Dr. José Mariano da Costa a 30 de abril de 1864 pelas oito horas da manhã. A partida deixou-nos saudoso: é vácuo imenso ― o vácuo que deixa um bom amigo. ― Que ele, meu Deus, que sua mulher encontrem em Alcântara as simpatias, a amizade, as afeições que souberam cobrar aqui, de que são tão dignos. É sempre bem penoso ao coração sensível a partida de um amigo que sinceramente nos interessa. Minha alma pois tem sorrido profundamente as saudades da separação. ― Saudades ― gosto amargo de infelizes. ― A. G. [citação literária]. Permiti, meu Deus, que um dia eu os torne a ver…

30 de abril de 1864

* * *

Foram-se as amigas queridas do meu coração… Foram-se, e para bem longe! D. Sabina, D. Anica, D. Emília ― uma família inteira… a toda ela amei por simpatia, por afeição, e hoje vejo-a seguir seu destino para Alcântara, deixando meu coração magoado de saudades as mais profundas. Nossa intimidade, nossos afetos tão doces, tão recíprocos, a separação veio interromper, mas não cortar: embora venha ser doída essa separação, a ternura que lhes dedico as seguirá por toda a parte onde acaso a sorte as leve. Meu Deus, fazei-as felizes, Senhor ― são os votos que hoje vos dirijo ― e que jamais me esqueçam, como jamais me esquecerei delas.

Guimarães, 10 de junho de 1864

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1865

À MINHA AMIGA Terezinha de Jesus

Pago-te em verso o que te devo em ouro

*

Beijar-te… ouvir-te a voz divina e pura

Mimosa criatura ― anjo de amor!

É gozo que extasia a minha alma

Como oásis na calma ― em longo error.

*

Mimo celeste que vieste ao mundo,

Ledo, jucundo [jovial] ― sedutor e santo!

Teu riso anima melindrosa fada

Por Deus mandada pra estancar meu pranto.

*

Não vieste, bela, a me inspirar poesia

Nessa harmonia de beleza, e canto?

Não sentes a alma que teu peito aninha,

Que a alma minha […] tributa […]?

*

Sabes, tu sabes que me[u] peito apuro

No afeto puro ― que te hei votado:

Que sonho extremo para ti ― ledices

Que de meiguices eu te hei cercado.

*

Mulher, encanto desta terra amena,

Visão serena ― ao despertar do dia,

Que em branca nuvem, com roupagem d’ouro

Desce; ― tesouro ― de imortal poesia.

*

Anjo que ao sopro matinal desprende

O voo: a [e] acende ― do turíb’lo o incenso

Que ondula brando derramando aroma

E ao trono assoma ― de Jeová incenso [?].

*

É meu empenho compreender teus cantos,

Que encerram encantos ― de celeste amor.

Sonho os mistérios devassar dos Céus

Anjo de Deus ― no teu mimoso odor.

Guimarães, 19 de novembro de 1865

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1869

AO SENHOR RAIMUNDO MARCOS CORDEIRO

Dou-vos aqui, Senhor, o lugar que mereceis. Aqui neste livro intimo, onde só tenho estampados nomes sacros que mais hei amado no mundo: ― a quem tenho confiado os mais ardentes e os mais profundos sentimentos de minha alma ― as mais doces e as mais dolorosas […] ― aqui estais vós.

Bem compreendeis o que é um álbum ― são as paginas d’alma escritas ora com sangue, outra hora com lágrimas, nunca animadas por benéfico sorriso. Amor ou desesperança ― saudade ou dor, eis o que ele significa.

Pois bem é nele a par do nome venerando de minha mãe, que estampei o vosso ― é que eu vos consagro uma parcela daquela ternura com que eu a amava ― é que a ausência dum amigo tão caro deixa-me uma parte da saudade que ela me deixou.

Compreendei pois toda a grandeza da minha amizade.

Agora que ides deixar Guimarães e os vossos amigos, recebei a minha despedida nestas frases singelas com o afeto que vos consagro. Estais no começo da vida; largos horizontes se vos antolham, que eu antevejo risonhos e felizes: ― para mim passou já essa quadra da vida, toda de ilusões floridas, e de esperanças mais ou menos enganadoras; mas ainda assim belas!!! Que me resta pois? Um coração vazio de amor, ― uma alma transbordando de afetos ingênuos, puros como os beijos de uma criança, e esses afetos puros assim e sinceros como a minha alma, eu vo-los ofereço, que os mereceis.

Guimarães, 31 de Janeiro de 1869

M. F. dos Reis

UMA SAUDADE ― No Álbum da Exma. Snra. D. Maria Firmina dos Reis

Aqui junto a um santo nome,

Foi que me deste um lugar,

No teu álbum… oh! se eu pudera

De flores ele adornar!…

*

Mas, Senhora eu te agradeço

Essa prova de amizade,

Esses tão puros afetos,

Essa tão santa saudade.

*

Deixo-te aqui terno ― adeus,

Gravado de coração,

E saudoso… triste como

Dum filho a separação;

Merencório como a noite

Do pescador, a canção.

*

“Nestas folhas perfumadas,

Pelas rosas desfolhadas

Dos teus cantos de amizade”,

Deixo um ― adeus magoado,

Todo de pranto banhado,

No teu álbum, ― uma saudade!…

Raimundo Marcos Cordeiro

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1872

CAETANA

Deixa gravar o teu nome neste álbum, como lembrança indelével da amizade que te consagrei!

Hoje que na ampulheta do tempo caiu para ti o último bago, ― hoje que a mão da morte gelou teu peito, e cobriu com seu manto de lividez tua fronte bafejada apenas pela fragrância das vinte primaveras, hoje que sobre o ergástulo de tua alma cândida, verto uma lágrima de saudade, mas que tu não correspondes com outra lágrima, ao menos lá do seio do Senhor acolhe a expressão sincera da minha saudade.

Foste filha, esposa e mãe; mas cortada em flor a tua existência, hoje és presa dos vermes!

Sem data

* * *

Há já dois anos que te abandonei, meu pobre álbum… por quê?

Não to direi hoje; mais [depois] dar-te-ei o motivo.

Se eu tivesse uma lira nela ia cantar as belezas desta tarde.

Não tenho…

Mas eu te saúdo oh! tarde doce e melancólica como um sorriso deslizando por entre lágrimas… tarde que recordas no coração tudo quanto ele amou, tudo aquilo que gozou: e trazes como saudades de um prazer futuro que a alma vagamente almeja, e almeja sempre…

Oh! tarde de janeiro ― quanto encanto, quanta poesia! Quem fora feliz para poder-te cantar…

Mas eu, eu não sou! Sou urna desditosa escrava da sorte, uma mísera poetisa cuja lira estalou ao choque da desventura… Não te posso cantar; guardo porém a tua lembrança.

Guimarães, 1º de fevereiro de 1872

* * *

Eu nunca tive a louca pretensão de possuir no céu uma só estrela.

Um dia alguém disse-me apontando-me para a melancólica estrela que acompanhava a lua ― vês a tua estrela? Tu és a lua, e aquela que a segue é tua.

Sim, eu sou a lua: ― se Deus negou-me dela a beleza, o nítido albor [brancura intensa] e o magnífico esplendor de formosura, deu-me uma melancolia, sua palidez; e como ela a divagar no céu, deu-me que […] divagasse na terra: cismando como ela à noite, meditando saudades, e tristezas como ela medita.

Eu sou a lua, mas aquela estrela!… Não, eu não tenho uma estrela! A minha caiu há muito, e sumiu-se no nada. A estrela que acompanha a lua, é plácida e serena como ela, tem como ela amor e poesia, devia ser a minha porque eu sou a lua: mas não ― eu não tenho uma estrela!

Se é sorte sua seguir-me, que me siga; mas eu não a vejo ― porque a minha há muito que caiu e se sumiu no nada…

Esta estrela que me emprestaram é bela, poética e merencória como a lua; mas não é minha ― a minha caiu há muito, e se sumiu no nada!…

Guimarães, 2 de fevereiro de 1872

* * *

UMA LEMBRANÇA

Deus quis que eu visse, um dia, um dos seus anjos adormecidos no regaço álgido [gélido] da morte; um dos anjos, que apenas se apartam um instante do seio, e nostalgia mórbida as arrebata e transporta ao éden da bem-aventurança: ― um dos seus anjos, que adormeceu para sempre sobre a terra, porque despertaram no céu, ao som da poética harmonia dos cânticos celestes.

Eu vi esse anjo, era uma donzela pálida e irregelada [enregelada] pelo bafejo da morte, mas mesmo assim, era tão bela que inspiraria interesse a todo o peito, que não fosse de mármore. Com os olhos cerrados ela não via já os extremos [zelos amorosos] da irmã, que a idolatrava: ― o peito frio e inerte não estremecia convulso, ao som magoado dos soluços fraternais.

Parece que ainda a vejo. Havia no seu rosto uma expressão indefinível, um quê de místico e sedutor, que fazia nascer as crenças na alma já fria pelo ceticismo do século. Era o dia quinze de maio, pelo meio-dia, quando o anjo pálido da morte, no seu eterno divagar, sobraçou em suas asas de candidez deslumbrante o anjo meigo que gemia na terra as saudades do céu.

E sua irmã quase enlouquece de dor.

Se em razão do homem não houvesse um quê que se lembra a cada hora, um Deus, e que nos diz que em nós existe parcela desse mesmo Deus, bastaria para crê-lo ver, como eu vi essa virgem que depois da suprema agonia de urna morte lenta, tinha estampado no rosto um sorriso beatífico. Lançaram-lhe flores de envolta com as lágrimas de sua irmã, e sobre sua memória a palavra [?].

Sem data

* * *

Souvenir!

Isidoro!

Vou render-te um tributo. Merecido é ele; é o singelo tributo de uma lágrima…

Isidiro! tão breve deixaste a vida transitória… tão cedo te escondeste no seio do sepulcro… tão breve buscaste a morada do descanso; como se neste mundo para ti só houvesse urzes e abrolhos…

Hoje te procuro entre os vivos, e nem tua sombra vaga à noite iludindo os olhos que te procuram… porque teu corpo se encerrou na campa e teu espírito singelo foi [a] caminho de seu Deus!

Quantas vezes o sol tem refluído seus raios luminosos sobre teu leito de repouso eterno desde o dia dez de abril, até hoje vinte e oito de maio ― quanto pranto a aurora tem derramado sobre terra endurecida do teu sepulcro ― quantas vezes a lua pálida e comovida lhe há estendido o manto algente [gélido], e glacial; e eu que vivi contigo, nos anos dos sorrisos e nos anos também em que tudo se converte em prantos; eu que denotava afeto quase fraternal; apenas hoje pude gravar teu nome nas páginas deste livro.

Mas olha, aqui é que está o nome de minha mãe que também voou para Deus, daquela que eu amei, mais que a mim própria ― daquela que foi também a tua segunda mãe… é a prova mais sincera da amizade que te dedicava, e da saudade que deixaste para sempre em minha alma

Adeus, Isidoro, adeus… até o dia em que Deus nos reunir no Céu, onde vives com os anjos em doce paz. Adeus!

28 de maio de 1872

* * *

Hoje vinte oito de maio partiu daqui seu Luís Cordeiro em viagem para a Europa. O adeus de uma pessoa que a amizade nos torna cara, enche de saudade a nossa alma.

A saudade é um espinho que dilacera; mas não mata É o alimento da alma sensível…

Ah! eu amo a saudade! ……………………………………………

28 de maio de 1872

* * *

O ÁLBUM

O álbum é o livro da alma; é nele que estampamos os nossos mais íntimos sentimentos, os nossos mais extremosos afetos; assim como as mais pungentes dores de nossos corações.

E também o nome daquelas pessoas que nos são gratas, que nos inspiram simpatia, que nos cobram sincera amizade deve escrever-se aqui.

Pois bem; ― é por isso que vou dedicar ao […] Teodoro José da Silva Bessa esta página do meu Álbum.

Seu trato fino, e delicado, suas maneiras amáveis e cavalheirescas, a singeleza, e a amabilidade de sua conversação, tudo nele enfim induz a amar sua companheira, e a sentir saudades na sua ausência.

Ele voltou ao seio da sua família no dia quatorze de novembro, mas ficou gravado seu nome, e sua lembrança no coração de todos que o conheceram de perto, como eu o conheci.

Foi ali, nas amenas e gratas praias de Cumã, onde no dia dez de setembro deste mesmo ano, pelas cinco horas da tarde, eu o vi a vez primeira: ― vinha em companhia das Cordeiros, minhas íntimas amigas ― e trazia consigo sua prima D. Glória, cuja recordação me é igualmente agradável.

Ele, pálido e enfermo, vinha procurar saúde nos salitrosos ares de Cumã, e de feito a encontrou. E encontrou ainda mais; ― a afeição sincera dos que o viram, e… os extremos [zelos amorosos], quem sabe? daquela que tão amarga lhe tomou a separação de ontem!… E eu não podia deixar de estimá-lo; porque a par de todas as suas belas qualidades está ainda a extremosa dedicação de sua alma, àquela que eu também, amo como irmã.

Que Deus lhe conceda a felicidade, que sua saúde não se altere, e que ele seja sempre digno da estima geral, e dos extremos da gentil donzela que vibrou de sua alma a corda mais poética, e sensível, ― que acordou em seu coração adormecido a fibra mais íntima do sentimento grato ― o amor.

Guimarães, 15 de novembro de 1872

* * *

Salve! oh! dia 29 de novembro! Salve!

Tu, que restituíste ao Cumã um filho que por seis meses peregrinou na Europa deves ter aqui uma saudação grata…

Tu restituíste o Seu Luís Cordeiro aos braços da mãe extremosa e à pátria que o aguardava com ânsia. Eu te saúdo […] dia! E eu também o vi, e senti íntima satisfação, porque o vi. Romeiro da saúde, ele conheceu um pedaço do velho mundo, mas seu coração não se prendendo a ele, as saudades da pátria o chamavam ao seu belo Cumã, e ei-lo entre nós.

Guimarães, 29 de novembro de 1872

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1873

RECORDAÇÃO E LÁGRIMA

Sol de vinte e sete de fevereiro, sol de hoje, para que saíste?!! Vens insultar a minha dor? Ah, quantas lágrimas minhas têm bebido teus raios abrasadores; e ainda não farto delas, vens de novo cobrar prantos que o tempo ainda não pôde condensar no coração…

Triste ― doloroso aniversário, vinte e sete de fevereiro, enlutaste para sempre meu coração, dilaceraste para sempre os seios de minha alma, tornaste-me a vida um martírio pungente.

Sol de vinte e sete de fevereiro, por que saíste hoje?!!……………

E desde então eu converti minhas lágrimas em cantos ― cantos mais amargos, mais doídos que a própria morte.

E entretanto os sons da minha harpa gemebunda jamais despertam as pulsações de meu Deus, antes a morte.

27 de fevereiro de 1873

* * *

O QUE É A VIDA?

O que é a vida? Será acaso a vida o respirar, o sorrir no trocar de cumprimentos banais e quantas vezes frívolos… o banquetear com aparatosa regularidade, com suntuoso luxo dos amigos, algumas vozes tão indiferentes, e alheios aos sentimentos de afeto, e de amizade que lhe votamos, e até estranhos à gratidão; por que, depois de termos colhido os nossos sinceros afagos vão cuspir sobre eles, seu sorriso de escárnio?… Será isto vida? Não. Ou será então o deslumbrante e sedutor aspecto de um salão dourado, cujo ambiente perfumoso pode encher o coração de mágicos transportes…? Será aí onde as flores de um buquê furta-se um beijo de leve, voluptuoso… será os sons de orquestra afinada, que arrebatando os sentidos enleados vai de envolta com um bruxulear de magníficos candelabros excitar desejo, despertar ideias, acender no coração um fogo, que logo abrasando-o rapidamente se esmorece, e morre ao último som da derradeira polca ― ao último luzir da reverberante iluminação da sala…?

Ou será a vaidade satisfeita pela posse de um rosto que a natureza adornou com a perfeita formosura dos anjos ― uns olhos onde se retrata toda a beleza da alma, uns olhos que falam de amores, desses que o mundo procura em vão conhecer e que parece que só devem existir em Deus, porque o mundo é assaz pequeno para contê-los ― uns olhos que são um orgulho de quem os tem, e a inveja viva de quantas a rodeiam? Será talvez tudo isso: ― mas eu o nunca vivi; ou se vivi, compreendi a vida por outros desvios, por outras sendas, por onde nem todos passam. Penso e sinto: meu sentir e meu pensar não os compreende ninguém; porque também a ninguém os revelo.

A vida para mim está nas lágrimas. Amo as que verto na amargura pungente de minhas ternas desventuras; com elas alimenta-se minha alma, elas acalmam o rigor do meu destino.

Lágrimas! Lágrimas… Elas despontam cristalinas e brancas no berço do recém-nascido, elas nos seguem amargas e pungentes no caminhar da vida ao túmulo; e ainda na derradeira agonia, nem uma lágrima silenciosa, como um adeus à vida serena a ardência das faces requeimadas pela febre da gangrena.

Eu amo as lágrimas…

Elas têm sido as companheiras da minha árdua e penosa existência; é nelas que tenho achado meu conforto, nelas é que me hei estribado para chegar ao breve termo da minha longa peregrinação… Amei-as na infância, porque elas embalavam-me docemente em ilusório sentir; eu as invocava por simpatia. Depois o amor ― e o amor ― não pode vigorar sem lágrimas.

Elas me sorriram nessa quadra poética da existência, que para mim passou tão breve! elas vinham dos olhos de seio, como a gota filtrada na rocha, doces e voluptuosas banhar-me o coração com sua inefável fresquidão.

E quando a mão de Deus mandou que esse amor tão belo cedesse ao sopro álgido da morte oh! essas antigas companheiras colocaram-se constantes ao meu lado; e como orvalho sagrado, elas de então para cá jamais cessaram de umedecer a estéril e poeirenta senda que tenho vagamente percorrido.

É então que fiz das lágrimas um sacerdócio, ― é quando conheci então que a vida está nas lágrimas… Triste do homem que não as tem…

Guimarães, 15 de junho de 1873

* * *

LÁGRIMA NUM BAILE

Ontem eu assistia uma pequena, mas bem animada reunião. Valsavam os pares alegres e risonhos, mas no fundo dos corações, quanto fel, quanta amargura! A máscara do rosto, quantas vezes encobre um vértice de dores e de desesperanças!!!

Eu a vi com as lágrimas nos olhos sorri-se para o cavalheiro, que procurava pesquisar no âmago de sua alma, o martírio que a todos cuidadosamente ocultavas.

Era uma linda, e interessante menina, e já nos verdor dos anos, o fel de tantas dores…

Da aurora no desabrochar mísera flor… vergou na haste, e esta reclinou a fronte amarelecida pelos beijos do vendaval!

Pobre flor que emurchece antes de exalar seus dulcíssimos perfumes!… Essa lágrima para todos desapercebida coou-se-me [?] até o íntimo da alma. Eu não pude furtar-me a partilhar aquela dor tão cruciante, que malgrado seu [contra sua vontade] se vinha revelar no meu […] baile.

(16 de junho?) de 1873

* * *

DESPEDIDA

Ontem um baile, hoje uma despedida! O Sr. Alfredo Rodrigues de Melo é um moço de qualidades distintas; ― simpático e amável, dotado de instintos nobres: ― é um perfeito mancebo [jovem]; a quem a sorte parece aprazer-se perseguir. Geralmente estimado pelos que o conhecem; ― amado, quem sabe? até o delírio pela mulher de suas afeições, é contudo mísero ludibrio [objeto de zombaria] do destino. O mundo é um enigma!…

Ele deixou-nos hoje, ― e só Deus sabe até quando… Eu lhe desejo uma melhor sorte, uma sorte digna dele.

Foi-se! deixou as plagas que o viram nascer, ― e nelas quem sabe? os destroços de sua alma apaixonada; ― os fragmentos de um coração despedaçado por contrariedades, e amargas decepções!… Eu que tanto o prezo, e que por ele me interesso, voto a Deus, pela sua felicidade. Que possa esquecer tudo, até terra [?]…

17 de junho de 1873

* * *

Ontem eu senti uma tão profunda, e tão completa satisfação, que embora intentasse eu descrevê-la, jamais o poderia fazer. Coisas há que se tornam impossíveis; esta é uma delas.

De joelhos, meu Deus, eu vo-la agradeço… Só vós sabeis o que eu senti… Só vós… Poderei eu explicar o que é a ― simpatia?

“Simpatia é quase amor” disse C. [Casimiro de] Abreu. Pode ser: menos ardente e terno; mais sincero e mais grato. Simpatia é um sentimento espontâneo, nasce do momento, como o amor; mas não se ligando a interesse algum; faz o sacrifício de si própria, acha em si mesma seu alimento; ― não desmaia, não empalidece, não morre.

Simpatia são as auras suavíssimas dos jardins de Deus; são acentos melancólicos das harpas celestes, quando aos pés do trono do Senhor os anjos entoam seus maviosos e cerúleos […?].

Simpatia é um afeto imenso, ― alimenta a alma, corrobora as crenças amortecidas, vigora o coração enfraquecido pelos embates da desventura.

É uma nuvem rosada que surge em meio da cerração.

É a simpatia que de há muito votei a Raimundo M. [Marcos] L. [C = Cordeiro] que me deu forças para segui-lo de perto em todas as fases de sua vida: que me levou ao dulcíssimo prazer que ontem experimentei, e que há de deixar sempre em meu coração.

Eu vi-o unir-se ontem, pelos sacrossantos laços do matrimônio, a uma virgem cândida, e pura como um anjo de Deus.

Ele era feliz; eu não podia deixar de o ser; porque a simpatia que lhe voto, me obriga a partilhar seu prazer; e que Deus o preserve delas suas lágrimas, se as lágrimas um dia brotarem de seu coração.

Meu Deus, lançai sobre sua cabeça e sobre a cabeça de Matilde ─ sua esposa, todas bênçãos do Céu!!… fazei-os provar na terra, desde a juventude até a mais remota idade, todo o enlevo de que gozam os vossos escolhidos.

Escutai-me a súplica fervente, que fiz aos pés do altar, que hoje renovo. Que eles sejam felizes!… Por única recompensa de todo o meu afeto, só peço que eles compreendam minha desinteressada dedicação. Sou feliz.

Guimarães, 27 de junho de 1873

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1874

Vou dedicar esta página à memória de Vicente Cabral.

Dirá alguém talvez: “Que relações de amizade prendiam-te a ele?” Bem poucas, quase nenhumas, responderei eu. Mas se o meu álbum, em algum dia, depois de minha morte, puder merecer a atenção de alguém, ele levará à posteridade o nome de uma pessoa estimável como era Vicente Cabral.

Morreu no dia 4 de janeiro de 1874.

De nascimento obscuro, foi contudo querido e estimado dos seus conterrâneos; e assaz pranteado por seus amigos no dia infausto de sua morte.

Eu que também lhe dedicava estima, e que lhe era grata, procuro salvá-lo do olvido escrevendo seu nome nas páginas deste álbum. A terra lhe seja leve.

5 de Janeiro de 1874

* * *

Cortou-se o cabelo de Sinhá no dia 9 de janeiro de 1874.

Sem data

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1875

No dia 4 de maio, Miguel [escravo] entrou na escola de primeiras letras do professor Daniel Vítor Coutinho.

Sem data

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1876

No dia 15 de fevereiro de 1876, Guilhermina e Miguel embarcaram para a capital na canoa [deixou o espaço em branco para colocar o nome da canoa ― observação de José Nascimento Morais Filho] e chegaram no dia 16 do mesmo mês.

Sem data

Observação

A “irmã” de Maria Firmina, escrava de sua tia materna Henriqueta, chamava-se Guilhermina Augusta dos Reis.

* * *

Ah! parte, e voa, atende a voz do Céu que te diz:

[…] Não olhes a mágoa, a dor, a saudade, que aqui deixas, elas te seguem ao túmulo, e guardadas no santuário de meu peito, hão de sempre repetir teu nome!

Guimarães, 13 de junho de 1876

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1.º de julho ― domingo pelas 2 horas da madrugada, no Iate Mondego, Doroteu embarcou para a capital.

Deus o faça feliz. Amém.

Sem data

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1877

Foi no domingo ― 15 de abril de 77 pelas 8 horas da manhã, que seguiram na Flor do Cumã― para a capital, Dindinha, Balduína, […] Otávia.

Eu segui-as com a alma. Deus as faça aí felizes. Amém.

Sem data

* * *

Quantas cenas de morte têm enlutado nossos corações neste fatal mês de junho de 77!… No dia 2 morreu Valentina de Azevedo, no dia 14 sua irmã Dudu. Clemente no dia 15, e no dia 18 seu Mundico Serrão.

A terra lhe seja leve!…

Junho de 1877

* * *

Hoje 20 ainda uma outra deixou a vida ― Candinha de Azevedo!

Que fatalidade persegue esta família…

20 de junho de 1877

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1878

Casaram-se no dia 25 de junho de 1878 na Igreja da matriz desta vila os meus prezados afilhados D. Amélia das Santos Cordeiro com Jerônimo H. F. Cordeiro. Deus abençoe sua união, e os faça felizes.

Sem data

* * *

No dia 10 de junho fiquei com uma garrafa de leite.

Sem data

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1879

Otávia e Mariazinha [ambas escravas] embarcaram com as Velosos para Pericumã às 10 horas da noite do dia 25 de julho de 1879.

Sem data

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Mundico de Seu Silvino morreu na terça-feira dia 4 de novembro de 1879, pelas 2 horas da madrugada. O de Ana Paca no dia 2 do mesmo mês, e a de seu João Damato no dia 9, e sepultou-se a 10. Três anjos de dois a nove.

Sem data

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1881

Vanda nasceu a 7 de setembro de 1881.

Sem data

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1882

Oton nasceu a 7 de dezembro de 1882.

Sem data

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Filhos de Otávia Augusta de Avelar nasceram: Vanda, a 7 de setembro de 1881 ― Oton, a 7 de dezembro de 1882.

Sem data

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1883

Adelsom, filho de Sinhá, nasceu a 24 de maio de 1883, numa quinta-feira, dia de Corpo de Deus. Criança gentil, simpática, bonita Não se criou. Morreu a 21 de novembro do mesmo ano. Estava há onze dias com erisipela nas pernas; […] por efeito de ópio em grande quantidade. Uma hora depois que tomou a droga fatal caiu em espasmos, e torpor, e doze horas depois expirou.

Dum funesto e triste engano

Foi a vítima inocente:

Foi triste rosa esfolhada

Sobre uma campa recente;

Sons plangentes de uma lira

Que […] de dor suspira.

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Adeus meu doce anjinho, adeus Adelsom!

Águia nevada, remontando aos Céus;

Nunca da terra uma lembrança amarga,

Ledos folgares, ledos brincos [brincadeiras] teus.

Sem data

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Leude [Guimarães, filho de criação] nasceu a 12 de outubro de 1883 ― Hugo nasceu em 12 de junho.

Sem data

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1884

Oton, filho de Otávia, nasceu a 7 de dezembro de 1881, pelas 6 horas da manhã, batizou-se no 1º de maio de 1883, principiou a andar a 11 de fevereiro de 1884.

Sem data

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Leude, filho de Mariazinha, nasceu a 12 de outubro de 1883, numa sexta-feira, pelas 3 horas da manhã, batizou-se a 20 de abril de 84, dia de São Benedito. Foram padrinhos Teodoro da Silva Bessa e Maria Amália da Costa Goulart.

Sem data

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Otávia embarcou, e Sinhá, de viagem para a capital no vapor Maranhão, a 28 de maio de 1884. Zuíla também foi e voltou com o pai a 5 do mesmo. Guilhermina chegou bastante mal a 24 de julho. Marioz e Miguel foram buscar no Maçaricó. Otávia chegou aqui a 12 de setembro, e voltou no “Gurupi” a 25 de novembro […] de 84.

Sem data

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SAUDADE

Esta página lutuosa, e sentida é um tributo de sincera amizade à memória da infeliz Guilhermina. Com as flores da amizade lhe enastro [enfeito] a campa tão silenciosa, tão eterna!…

Uma enfermidade prolongada, e aflitiva consumiu-lhe a vida de 50 anos… Morreu a 5 de novembro de 1884 numa quarta-feira pelas duas horas da tarde; seu cadáver desceu à sepultura aí pelas quatro horas da tarde. Dediquei-lhe amizade sincera desde os seus, e os meus primeiros anos. A terra lhe seja leve!

Descansas no sepulcro, irmã querida,

Filha do Céu, remonta à essência.

Descansa das fadigas desta vida;

Desta penosa, e ardida existência!

Sem data

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1886

A minha querida Vandoca seguiu para a capital, acompanhada por Mariazinha no Pensador na madrugada do dia 9 de fevereiro de 1886, só lá chegaram às 3 horas da tarde, e desembarcaram às 5. Voltaram em 21 de maio do mesmo ano.

Sem data

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Vandoca e Leude acompanhados por Mariazinha seguiram no vapor “Colombo” a 22 de dezembro de 1886.

Sem data

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1887

Vanda, filha de Otávia, nasceu a 7 de setembro de 1887 pelas 11 horas da noite.

Zuzu, filha de Sinhá, nasceu a 25 de outubro do mesmo ano de 87, pelas 7 horas da manhã.

Andaram ambos depois de completo o 1º ano.

Sem data

* * *

Miguel embarcou aqui no “Império” a 30 de novembro de 1884, com 17 anos de idade. Permaneceu na capital do Maranhão 2 anos e seguiu para o Sul a bordo do vapor Purus a 10 de dezembro de 1887. Deus e N. Senhora o protejam e o abençoem.

Sem data

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João Marcelino faleceu a 10 de março de 87 do citado mês, e ano pelas 4 horas da tarde. Ana Micaela Nogueira, no mesmo dia às 8 da tarde.

Sem data

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Porfíria recebeu a liberdade a 17 do mesmo mês e ano. Antônio Farias faleceu a 18 do citado mês, e ano.

Sem data

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Lásaro Nogueira faleceu no naufrágio da Primavera no mesmo ano dos acima citados ― 1887.

Sem data

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Leonor [escravo] e Vanda de volta da capital, chegaram aqui a 6 de junho de 1887.

Sem data

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1888

Miguel de volta do Sul chegou à capital a bordo do Purus a 10 de dezembro de 1888, e seguiu para o Norte no mesmo navio a 14 do mesmo mês, e ano.

Aqui e em qualquer parte, que Deus o abençoe.

Sem data

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Vandoca seguiu para a capital no vapor Cabral, a 11 de abril em companhia de Sinhá. Lá chegaram a 12. Oton seguiu com Mariazinha e Leude, a 2 de dezembro do mesmo ano de 88, e lá chegaram a 3 pelas horas da tarde.

Sem data

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1891

Filhos de Silvino da Costa Goulart e sua mulher Maria Amália da Costa Goulart nasceram: Zuíla a 25 de outubro de 1881 — Antônio a 30 de março de 1886 — Adelson a 16 de outubro de 1887 — Dolores a 17 de março de 1891.

Sem data

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Leonor e Vanda embarcaram a bordo do Maranhão na quarta-feira à noite, e viajaram para a capital a 17 de setembro de 1891, em uma quarta-feira. Deus as faça felizes.

Sem data

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Zuíla nasceu a 25 de outubro de 1891 [linha riscada — observação da José Nascimento Morais Filho].

Sem data

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1892

Miguel, Otávio e Vanda chegaram a esta cidade de Guimarães a 18 de maio de 1892.

Miguel regressou a 8 de junho, tendo estado conosco 2 meses, menos 10 dias. Deus o abençoe e o faça feliz.

Otávia e Oton e Leonor seguiram a 1.º de agosto de mesmo ano de 92.

Sem data

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1893

Oton veio passar as férias a 6 de dezembro de 1892 e voltou a 25 de janeiro de 93. Foram eles, Balduína, Leonor e Mariazinha.

Sem data

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[Poema publicado no “Diário do Maranhão” por um amigo de Maria Firmina.]

No álbum d’uma poetisa

(EXM.ª SRA. D. M. F. R.)

Quereis um canto, Senhora?

Talvez que melhor vos fora

pedir no romper d’aurora

descantes ao passarinho,

que ledo e meigo trinado

ser-vos-ia, certo, dado

d’harmonias repassado

soltado à beira do ninho.

*

Quereis perfumes olentes,

agradáveis, rescendentes?

buscai nas flores nascentes,

que as flores perfumes têm;

suspiros? Pedi à brisa

ao vento que leve frisa

a fonte que se desliza

correndo e passando além.

*

Se porém quereis doçuras

em frases que dão venturas

e que do mundo as agruras

sabem fazer olvidar,

tendes na lira d’amores

de rescendentes olores

vosso livro de primores

de melodias sem par.

*

Que mais quereis então, Senhora? que pedis?

No vosso belo álbum tão rico de fulgor

quereis por entre o brilho de tão mimosas pérolas,

eu deite ousadamente a mais humilde flor?!

*

Ao nauta que sulca as vagas deixando esteiras d’espuma

lutando com o vento à proa, o mastro quase a quebrar,

peito rijo, mão no leme, vendo qual nuvens as terras

pelas asas dos pampeiros, qual mais veloz a voar,

é grato deixar em terra, no curto instante do gozo

uma lembrança que dure, na pedra o nome gravar,

que quando a brisa soprando levá-lo ao país d’aurora

talvez alguém com saudades possa o nome soletrar.

*

Na folha pois deste livro, branca pedra rutilante

novel nauta gravo o nome, deixo um sinal, uma flor,

cantos não da lira as cordas, embora novas crestadas

ao fogo dos desenganos não sabem falar de amor!

Observação

Segundo José Nascimento Morais Filho, “P. L.” eram as iniciais de Plautilo Lima.

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1894

Em 12 de julho de 1894 faleceu na capital minha inditosa [desditosa] prima, a amiga Balduína A. dos Reis. A terra lhe seja leve!!!

Sem data

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1895

Miguel e Oton chegaram a 28 de março de 1895; Miguel para realizar o batizado de Margarida. Oton vindo despedir-se de mim em viagem para o Pará. Deus, fazei-os felizes! São estes os meus votos. Abençoai-os, Senhor, guiai-os e protegei-os pelo Nosso Amor.

Permiti, Senhor ainda uma vez os torne a ver.

M. F. REIS

Sem data

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1896

Otávia e seus filhos chegaram a 19 de março de 1896, do Pará.

Sem data

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Leonor, seus filhos Artur e Antônio e Djalma, Mariazinha, Leude e Vandoca seguiram para o Pará no vapor Cabral, hoje pelas 4 horas da tarde. Deus os leve a salvamento, os faça felizes. Amém.

Guimarães, 8 de agosto de 1896

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Filhos de Leonor e Adelaide Cabral nasceram: Artur, a 6 de janeiro de 1889 ― Antônio, a 21 de dezembro de 1890 ― Guilhermina a 12 de janeiro de 1892, Djalma a 30 de junho de 96.

Sem data

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José, filho de Sinhá e compadre Silvino, nasceu 7 de julho de 1895 e morreu a 20 de setembro de 1896.

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Mariazinha e Leude de volta do Pará, aqui chegaram no 1° de dezembro de 96. Vieram a bordo do Ocidente.

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Nhazinha [Goulart, filha de criação] seguiu para a Capital a 5 de dezembro 96 a bordo do Ocidente, dia em que faleceu o Sampaio.

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1898

Otávia e seus filhos chegaram a 19 de março de 1898, do Pará.

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Vandoca foi a Maranhão em 22 de agosto de 1898 no Ocidente em companhia de D. Filomena de Carvalho.

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Oton e Miguel seguiram para o Pará a bordo do Ocidente em 7 de setembro de 1898. Deus os proteja. Amém.

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Vandoca foi para a casa de Zuíla, em [São Luís do] Maranhão a 22 de agosto de 98.

Miguel a Arthur a 19 de novembro de 1898.

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Otávia embarcou aqui no Ocidente para o Maranhão a 25 de dezembro de 1898, e de lá para o Pará a bordo do paquete Maranhão. Seguiu com Vandoca, e os menores em 29 do mesmo dezembro de 98, e desembarcou em Belém a 31 de dezembro de 1898.

Sem data

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1899

Filhos de Maria Amélia de Avelar nasceram: Leude, a 12 de outubro de 1883 ― Hugo, a 12 de junho de 1889.

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3 de dezembro de 1899

Dia este em que Artur está viajando para a capital na Costa Rodrigues em companhia do compadre Silvino e Isabel, Iaiá. Vão buscar Zuíla, e preparativos para a festa de N. S. da Conceição aqui.

3 de dezembro de 1899

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1900

Otávia chegou a Maranhão a 4 de janeiro com Vandoca e Raimundo.

Janeiro de 1900

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1901

Gabriel casou a 27 de fevereiro de 1901. Rosa Azevedo morreu a 2 de fevereiro do mesmo ano. Chiquinha, a filha dela, a 31 de janeiro, um dia antes de sua pobre mãe.

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Domingo 3 de fevereiro de 1901 embarcou Leude para a capital. Deus o faça feliz.

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Leonor morreu a 7 de março de 1901 pelas 4,1/2 da manhã. 7 dias da sua chegada aqui. A terra lhe seja leve!

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Miguel morreu a 3 de dezembro do mesmo ano, 1901, no Pará. Longe de mim, e todos os seus! Ah! com ele estava, Deus. Meu filho! meu querido filho!…

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1902

Otávia morreu a 14 de agosto de 1902 pelas 2 horas da madrugada. Morreu nos meus braços… eu lhe recolhi o ultimo suspiro! Oh! dor!…

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Oton, no costeiro Colombo, seguiu para Belém do Pará a 12 de outubro de 1902. Deus o abençoe.

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1903

Leude em mandado de sua mãe foi à capital a 4 de marco deste mesmo 1903. Deus o guarde, e a todos os meus filhos. Amo-os.

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Quarta-feira, 1° de Abril 1903. Djalma embarcou para o Maranhão, na Olinda. Deus o faça feliz e o abençoe.

Vandoca já lá o esperava, porque ela foi na Guanabara, no dia 9 de dezembro de 1902.

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Vindo do Pará cheguei à capital do Maranhão a 4 de agosto de 1903, e cheguei a Guimarães a 11 de setembro do mesmo ano.

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LÁGRIMAS DA VELHICE

Lágrima dorida, amarga, desoladora!

Essa lágrima não se assemelha ao orvalho que à manhã da vida, semeia como pérolas cintilantes […] os leves vestígios dele, depressa seção [?] desaparecem ao sopro da vibração, e dos sonhos auspiciosos do amor!…

Não! Ah! essa lágrima é aflitiva! Essa lágrima é o resumo de quanta dor na vida, de quanta amargura nos punge a alma, de quanta mágoa nos dilacera a alma!!! Essa lágrima, que a dor espreme na âmbula [vaso que guarda os santos óleos] de quanta dor o mundo oferece. Oh! essa lágrima vertida na solidão, escondida a todos; porque ninguém comove ― como a lousa de um sepulcro ― árida como um deserto ― triste, e lúgubre como o som de um sino gemendo um morto que a terra vai fazer desaparecer para sempre!… Oh! essa lágrima… essa lágrima… é o transunto [retrato fiel] […]

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Observação

Segundo José Nascimento Morais Filho: “Assim também não pertence ao álbum o que sobrou da composição ‘Lágrimas da Velhice’. Está em papel almaço” (item 6 da seção Nótulas de Maria Firmina ─ Fragmentos de uma Vida).

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A MOCIDADE

À Minha Mamaia M. F. dos Reis

Felizes os que podem sem penas e cuidados

cercar a mocidade de contas e de flores,

sentir na fronte o beijo dos júbilos doirados

no seio palpitante fremirem os amores…

*

Vós sois a sã lembrança dos júbilos passados,

daqueles que a velhice cobriu com seus palores [cores pálidas],

e galgam com os folguedos, ridentes, perfumados,

de vossa mocidade repleta de esplendores…

*

Avante!…que nos mares serenos da alegria

jamais encontre escolhos a vossa mocidade

batel que se declina no veio da corrente…

*

Que nunca da descrença sintais a vaga fria

no seio borbulhar-vos lançando a soledade…

Onde deve a esp’rança brilhar eternamente!…

20.11.1903

Oton F. Sá

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1910

Djalma, filho querido, faleceu a 7 de outubro de 1910, às sete horas da noite. Djalma!… Saudade eterna!

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Sérgio Barcellos Ximenes

Escritor. Pesquisador independente. Focos: história da literatura brasileira e do futebol, escravidão e técnica literária.