Não sou mais libertário e o meu atual posicionamento.

T. Brum
7 min readMay 22, 2024

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Viva Cristo Rei!

Escrevo este texto para tentar esclarecer de forma mais clara meu atual posicionamento no que tange poder civil. O faço porque por muito tempo eu me considerei libertário, mas me aprofundando no estudo Católico percebo que é um posicionamento herético (hoje me considero Católico e assim o será até o fim dos meus dias — que Viva Cristo Rei). Explico:

O libertarianismo coloca a Ética de Propriedade Privada (que vou chamar de PNA) como única norma moral em nível jurídico, mas se tal é verdade então verdades do catolicismo seriam negadas — tais verdades, especificamente, são aquelas que são apresentadas na Quanta Cura, a questão de liberdade religiosa e a Syllabus. Vamos analisar rapidamente.

  1. Quanta Cura

A Quanta Cura é tratada como documento infalível, tal como expõe Dr.Lamont:

Essa encíclica é endereçada a todos os bispos da Igreja Católica com a intenção afirmada de proteger a salvação das almas. Ela provê uma condenação definitiva de uma lista de erros específicos, afirma que essas condenações são empreendidas para a defesa da doutrina e religião e são um exercício da autoridade apostólica do papa, bem como ordena a todos os católicos que as aceitem como tais. Essas condenações satisfazem, portanto, o critério para a infalibilidade papal, e elas foram generalizadamente aceitas como infalíveis no tempo de suas promulgações; Newman, que minimiza a autoridade do Syllabus de erros em suas cartas endereçadas ao Duke de Norfolk, fala nessa carta sobre “aquela voz de ensino infalível que é ouvida tão distintamente em Quanta Cura […]

Sabendo que é Infalível, então enquanto católico devo seguir seu ensinamento. Mas o que defende a Quanta Cura? Condena proposições que no libertariansimo poderiam ser defendidas, são elas:

(I) A melhor constituição da sociedade pública requer que a sociedade humana seja governada sem nenhuma a ser feita entre a verdadeira religião e as falsas. (II) A melhor condição da sociedade civil é aquela onde o poder civil público não é reconhecido como tendo o dever de restringir os ofensores da religião Católica, com penalidades decretadas, exceto quando a paz pública o exigir. (III) A liberdade de consciência e de culto é um direito pessoal de cada homem, que deve ser legalmente proclamada e assegurada em toda sociedade justamente constituída. (IV) O poder eclesiástico não é pelo direito divino distinto, e independente, do poder civil.

Ora, os três primeiros pontos condenados seriam defendidos por um libertário em algum grau, completo ou parcial. Pois o que importa ao libertário em nível jurídico seria o PNA acima de tudo. Não aceitaria os pontos como normativas universais em que o contrário seria imoral e injusto, pois os pontos violariam o PNA. No máximo, ele poderia aceitar uma cidade/bairro/região católica voluntária em meio a tantas outras, onde todos esses pontos seriam aceitos como contrário prévio e voluntário para os habitantes daquela região, mas nunca como um normativa universal como defende a Igreja Católica. Assim sendo, por exemplo, um libertário não aceitaria que todas as sociedades deveriam fazer diferença entre a verdadeira e falsa religião em nível jurídico e nem que o poder civil deve agir em algum nível para defender a Fé Católica em todas as sociedades.

Portanto, o libertarianismo é herético por negar os ensinamentos da Quanta Cura e por isso eu deixei de ser libertário.

2. Liberdade Religiosa

Um libertário defenderia que cada pessoa poderia ser de qualquer religião enquanto não houvesse violação do PNA. Mas no catolicismo isso não é assim. Ele defende o seguinte (parafraseando meu texto sobre o tema — que recomendo a leitura) :

Portanto, uma repressão total e absoluta da falsa religião não faz parte da Doutrina Católica independente da situação. O que faz parte é alguma repressão, mas permitindo sua existência privada, e pública em algum grau, e sem chegar ao ponto de forçar a conversão de ninguém e sem, de modo contrário, permitir sua existência totalmente livre em uma sociedade que não é Cristológica.

Ou seja, a Doutrina Católica é contra a total adesão ao erro no que tange religião (veja a justificativa e as nuances no texto citado), mas tampouco defende a total repressão — com forçar conversões, algo absolutamente condenado pela Igreja. Mas para um libertário isso nunca poderia ser defendido, pois haveriam agressões sem que o PNA fosse violado previamente. Ora, tal ensinamento se dá na Dignitatis Humanae, que é parte infalível do CVII como mostra o Padre Lucien (LUCIEN, 2021: 76–77) e está presente Catecismo (Nº 2108–2109).

Assim sendo, para um libertário, em um cenário geral, a liberdade religiosa é absoluta com limitação apenas no PNA, independente da religião que for. E para o Católico não existe uma liberdade religiosa absoluta, existe repressão em algum grau de determinadas expressões de outras religiões que não afetariam em nada o PNA — cosia que um libertário nunca aceitaria.

3. Syllabus

O Syllabus é o conjunto de erros condenados pelo Papa Pio IX que, embora não seja um bula dogmática, e por isso sua negação não é uma heresia em si (AURELI, 2021; p.88–89), ainda é dotado de autoridade na qual todos os católicos devem dar consentimento de consciência (AURELI, 2021; p.92) — tal é confirmado pelos Bispos do mundo (AURELI, 2021; p.76–77).

Entre tantos erros condenados na mesma, pode-se citar alguns que um libertário defenderia, tais como:

XV. Todo homem é livre de abraçar e professar a religião que, guiado pela luz da razão, lhe parecer verdadeira.

XXIV. A Igreja não tem o poder de empregar a força nem tem poder algum temporal direto ou indireto (Um libertário só aceitaria a parte sublinhada em casos de violação de PNA, mas o ponto aqui estabelecido é para além disso)

XXXIII. Não pertence unicamente ao poder da jurisdição eclesiástica, por direito próprio e nativo, dirigir o ensino das matérias teológicas.

XXXVII. Podem instituir-se Igrejas nacionais que não sejam sujeitas à autoridade do Pontífice Romano, e completamente separadas dele.

XLIV. A autoridade civil pode intrometer-se nas coisas que pertencem à Religião, aos costumes e ao governo espiritual […] (Tal seria como, pro exemplo, existência de cidades que se declarem expressamente satânicas)

LXVII. O vínculo do matrimônio não é indissolúvel pro direito natural, e sem vários casos o divórcio propriamente dito pode ser sancionado pela autoridade civil

LXVIII. A Igreja não tem o poder de estabelecer impedimentos dirimentes do matrimônio, mas este pode compete à autoridade civil, a qual deve abolir os impedimentos que existem.

LXXVII. No nosso tempo não é mais conveniente ter a religião católica como única religião do Estado (que aqui entendo como poder civil), com exclusão de todos os outros cultos.

Portanto, dentro da adesão de consciência que é necessária ao católico em relação o Syllabus é claro que não se pode ser libertário.

Assim sendo, devido a esses três pontos eu deixei de ser libertário. Ademais, para constar, a minha adesão ao primeiro ponto se deu inicialmente por respeito ao Magistério e Infabilidade Papal, e o segundo eu fui realmente convencido pela argumentação de Santo Tomás, que se resume ao seguinte: podemos dizer que crimes materiais são graves, então quanto mais será um crime contra o Espiritual que é de uma hierarquia superior; assim, se falsificar dinheiro é grave, muito pior será falsificar a Religião. Ora, para se negar tal coisa se deveria ou provar o materialismo como uma realidade concreta (ou seja, que a(s) esfera(s) espiritual e/ou imaterial não existe(m)) ou que Deus não existe. Mas também o fiz por adesão ao Magistério e Infabilidade. E terceiro foi por ambos, pois alguns pontos eu concordo diretamente, mas outros eu tenderia a discordar, mas abdico de minha decisão em favor do Magistério da Igreja.

O que eu defendo hoje?

Minha atual posição aceita os problemas práticos do Estado (exposta aqui) e por isso não o aceito como algo positivo e vejo que um arranjo de instituições privadas atendendo as demandas seria o melhor em nível prático por ser mais eficiente. Eu creio que a defesa de Propriedade Privada feita por Rothbard é excelente recurso e deve ser usado pelos católicos para justificar a existência da propriedade privada, mas não aceito o PNA como norma absoluta, no máximo o aceito no sentido de defesa da necessidade de propriedade privada, pois é evidente que, como Católico, acredito na existência de uma esfera Espiritual, o que dá crédito à argumentação de Santo Tomás de Aquino exposta antes — de modo que mesmo que o PNA seja válido ele ainda estará submetido as nuances da esfera Espiritual, tendo que se submeter as limitações impostas pela mesma esfera. Portanto, defendo propriedade privada como norma jurídica enquanto ela não afetar os três aspectos acima mencionados, à saber, questões da Quanta Cura, Syllabus e Liberdade Religiosa Absoluta. Assim sendo, no que tange o poder civil/governanças civis em defendo três aspectos para ser legítimo:

  1. Não tenha surgido por conquista ou roubo (algo que evidentemente é condenado no Declato das Leis de Deus) — que se deriva da existência da propriedade privada como Direito Natural;
  2. Respeite o estabelecido pela Quanta Cura e Syllabus;
  3. Respeite os critérios da Igreja no que tange Liberdade Religiosa.

Assim sendo, qualquer poder que surgisse, ainda que voluntário (sem conquista ou roubo — sem violação de propriedade privada), mas que fosse contra o ensinamento do Magistério estabelecido na Quanta Cura, Syllabus, ou das questão de Liberdade Religiosa não seria um poder legítimo — por exemplo, uma cidade voluntária de satanistas e com perseguição aos católicos. Assim, não nego os ensinamentos da Santa Igreja Católica sobre a existência de um poder temporal, só não acredito que nenhum dos chamados “Estados” atuais os atinge e os aplica, e que seria plausível de cogitar um arranjo privado seguindo os mesmos ensinamentos de forma que ainda se daria o que é de César para César. No mais, em nível mais prático, percebo que o mercado teria mecanismo perfeitamente capazes de sustentar uma sociedade civil nas esferas em que se justifica a defesa do estado (educação, saúde e segurança/justiça). Portanto, acredito em um arranjo de sociedade privada católica que respeite tudo o exposto anteriormente.

Por fim, gostaria de informar os irmãos católicos que estou absolutamente disposto a abdicar de minhas posições se mostrarem que elas são heréticas ou contrárias ao Magistério Infalível nos seus diversos graus.

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.

Que reine pelos séculos dos séculos.

Amém.

Bibliografia:

AURELI, Augusto Estanislau. O Syllabus: a sua história e seu valor (Rio de Janeiro, Centro Dom Bosco, 2021)

LUCIEN, Bernard. A Autoridade do Concílio do Vaticano II (Cristo & Livros, 2021)

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T. Brum

Escritor de artigos relacionados a sociedade privada, catolicismo e assuntos diversos.