A música do Muleque da Rua Preta

Frank Junior
A Ponte
Published in
8 min readAug 6, 2018

Logo quando eu comecei a sair de noite pelo São João no Espaço Cultural, me lembro que um dos hits do momento que sempre tocava no galpão e nos bares à noite de maneira geral, era “Jangadeiro”. Uma ciranda daquelas que todo mundo sabe cantar quando alguém começava a tocar ela:

“Êêê jangadeiro
Me leve pra ver o mar com o meu amor….”

Depois de um tempo foi que eu vim assimilar que essa música era do mesmo autor de um outro clássico que sempre escutava em casa quando eu era criança:

“Êêê menino de barro
Vem pra rua cantar…cantar…”

Valdir Santos

Valdir Santos (fonte: Facebook)

Tudo começou na Rua Preta em Caruaru, lugar onde Valdir Santos nasceu e foi criado, viu Luiz Gonzaga tocando em cima de caminhão e cresceu ouvindo música em casa. Principalmente por influências da mãe que era sanfoneira e radialista, trabalhava na rádio Cultura na década de 60. Valdir já se arriscava em escrever letras de músicas desde os 9 anos de idade até começar a aprender a tocar violão com 14 anos. A partir disso, os escritos amadureceram mais e começaram a virar composições.

Valdir morou em Recife de 1986 à 1988, voltou à Caruaru em 1989 pra tocar guitarra na banda de Ezequias Rodrigues (grande nome do forró caruaruense), e foi com Ezequias que Valdir fez o primeiro show grande de palco, no Intermunicipal em homenagem a Azulão.

Depois de passar um tempo em Recife, entrando em contato com outras coisas, Valdir chegou até a montar uma banda de pop rock por lá. Ele volta pra Caruaru com um outro olhar sobre suas raízes, sobre o forró e sobre a cultura popular de sua terra. Lembrou também das palhoças que ele presenciou no São João na infância, e percebeu que o rock era o que ele tinha, mas o forró era quem ele era.

A primeira composição de Valdir foi uma música chamada “O Bom do Forró”, no qual a enviou para Ezequias numa fita K-7, que gravou a música no 2º LP em 1989, com arranjos de mestre Camarão. A música foi um sucesso, tocava em rádios, deu nome ao disco e tudo mais. Logo na sequência, no próximo disco de Ezequias chamado “Beijo de Coração” lançado em 1991, Valdir Santos divide a direção do disco e assina as músicas “Pode Chorar”, “Bom de Forró”, “Quero Mais Forró” e “Sonho que se foi” que ele divide com Edgar Aragão e Ezequias Rodrigues.

Pouco tempo depois, em 1993, Ezequias lança o 4º LP com um título de mais uma música de Valdir Santos, o “Trem Maluco” (Eu também vou / nesse trem maluco / que sai de Pernambuco / e para em todo lugar).

Nesse vídeo do youtube, a música consta com o nome errado, o nome certo é “Trem Maluco”

Discos

Depois do estouro de “Trem Maluco”, Valdir é convidado pra tocar na banda de Elifas Junior, no qual passaram entre 6 a 8 anos tocando juntos, até que Valdir sai da banda e monta uma banda própria chamada “Valdir Santos & Farra e Forró”, até que em 1999 ele lança o disco que eu sempre escutava em casa: “Menino de Barro”.

Essa música nasceu com a proposta de abrir os shows apenas com uma vinheta que seria o refrão. Mas Valdir percebeu que sempre que cantava esse trecho o público sempre cantava junto, com tanta empolgação que ele decidiu escrever o resto da letra da música.

Em 2000, a banda “Valdir santos & Farra e Forró”, grava mais um disco chamado “É Bafunga”.
Um disco mais elaborado do que o disco anterior e cheio de particularidades. O disco já abre com a música “Gonzaguear”, uma música que sempre aparece nos shows. Nesse mesmo disco também tem “Maria Sulanqueira” (que horas é essa / quase duas da manhã / pra onde tu vai maria / vou pra feira da sulanca), um clássico que tocou por muito tempo na Feira da Sulanca em Caruaru.
É desse disco também a música “Caniço Pensante” que foi gravada posteriormente pelo artista caruaruense Thera Blue em seu 2º disco, e por Rogéria no 1º disco.

A introdução da música “Coisas da Terra” é a que abre o programa de televisão de Valdir hoje em dia com o mesmo nome, e também é uma música desse disco.
O disco “É Bafunga” ainda conta com uma regravação de “A Porta”, música que faz parte de um disco demo do “É Bafunga”, lançado pouco antes pra divulgar o disco com 4 faixas.
E na última faixa do disco “Domingo de Manhã”, que é uma música mais calma, tem uma participação especial de Riá.

É Bafunga — 2000

Logo após o disco “É Bafunga” e até devidos a problemas internos com a banda, Valdir lança em 2003 uma compilação com o nome “Coisas da Terra”, assinando o disco como “Farra e Forró”. O disco tem uma outra formação da banda e conta com 8 faixas do “É Bafunga” e 5 faixas do “Menino de Barro”.

Coisas da Terra

O disco-compilação não deu muito certo e teve uma vida útil muito curta. Nesse meio tempo Valdir fez a 1º turnê pra França, e voltou pra Caruaru com a idéia de mergulhar mais nas artes da composição, escutando muita música, andando muito pela Rua Preta em Caruaru e adquirindo inspirações nesse mergulho criativo. Foi a partir disso que em 2003, surge o disco “Muleque da Rua Preta”, no qual pode ser considerado um divisor de águas na carreira e discografia de Valdir, porque esse disco é de fato o 1º disco da carreira solo.

A repercussão do disco foi tão boa que uma gravadora da Europa decidiu lançar ele por lá. O disco é todo composto por inéditas, e conta com algumas participações como na música “Mal de Amor”, composição de Ezequias Rodrigues e tem participação de Erisson Porto (que assinava na época como Erisson Fó). A música “Quem Faz Arte?”, Valdir divide a composição com Almir Vila Nova (que assina no disco como Almir Freire), e tem participação do poeta Djair Vasconcelos recitando uma poesia, além de Ivan Márcio (vocalista do Sangue de Barro), e Daniel Finizola (vocalista do Sobreviventes do IDR).
É nesse mesmo disco que tem uma música chamada “Roupa Colorida”, que o Sangue de Barro regravou no disco “Móveis da Carroceria”.

Moleque da Rua Preta — 2003

No ano de 2005, Valdir passa 6 meses na França e quando volta, é convidado para fazer a trilha sonora de uma peça infantil do amigo poeta Demóstenes Félix chamada de “Amarelinha” inspirada em um livro de Chico Buarque chamado “Chapeuzinho Amarelo”.
Certo dia, Valdir se encontra com Demóstenes e com Dja, e naquele bate papo de bodega com cerveja, escreveram 2 músicas, e esse é o começo do meu disco preferido de Valdir, o “Outra Via”.

Outra Via — 2006

O disco inteiro são composições do três: Valdir Santos, Djair Vasconcelos e Demóstenes Félix. Exceto a música “Geral”, que é de autoria de Janduhy Finizola. No disco além de músicas deles, ainda tem poesias de Dja onde ele recita no meio de algumas faixas. É nesse disco que contém a faixa “Jangadeiro”, que era muito tocada no Espaço Cultural e nas noites Caruaruenses. É desse disco também a música “Coco pra Chico”, no qual o próprio Valdir regravou depois no disco “Celebração” com participação do carioca Pedro Luis.

Valdir passou um tempo depois disso sem gravar nada, vez por outra colocava uma música inédita nos shows, mas nada de gravação. 10 anos depois do lançamento do “Outra Via”, em 2016, Valdir lança um disco duplo inteiramente de forró chamado “Celebração”.

Celebração — 2016

O disco já abre com uma música inédita de Jacinto Silva chamada “Igarapé” e conta com participações especiais em quase todas as músicas, com inéditas, com regravações de outras músicas como “Gonzaguear”, “Menino de Barro”, “É bafunga” e “Coisas da Terra”.
O disco é duplo e com um cuidado gráfico muito grande, coisa rara de se ver em discos de forró hoje em dia, como já disse o jornalista José Teles.

Projetos

Como se não bastasse, Valdir junto com o músico Marconiel Rocha fundaram em 2003 o “Projeto de Iniciação Musical Jacinto Silva” (PIM). Projeto voluntário na garagem da casa de Valdir, para ensinar a importância da música para crianças e adolescentes. Um dos frutos desse projeto são os músicos Ivison Santos e Wagner Santos.

Em 2010 fundou junto ao empresário paulista João Bento a primeira Escola de Sanfona de 8 Baixos do Brasil, que tem como mestre Heleno dos 8 Baixos.

Valdir é uma dessas figuras da cidade que carrega a cultura e a história de Caruaru por onde passa, através das músicas, do forró, das aulas e das conversas em mesa de bar.

É Bafunga

Certamente, quem é de Caruaru, conhece essa palavra, o que me recorda de Hélio Florêncio ao lembrar de episódios de Caruaru antiga, colocando “bafunga”, pra desafiar o povo perguntando algum dado da cidade, geralmente anterior à 1950.

“É bafunga viver sem preconceitos
Contra esses milhões de nordestinos
Conselheiro, Gonzaga, Vitalino
Virgulino Ferreira o Lampião

João do pife, Condés e Azulão
Ludugero, Otrope e Filomena
Chego até a chorar de tanta pena
De quem não conhecer essa nação

É bafunga rever nosso passado
Conhecer a história de verdade
Para termos real capacidade
De lutar contra a fúria do dragão”
(É Bafunga - Valdir Santos)

É bafunga conhecer a história de Caruaru, de suas ruas, personagens e cultura. É bafunga conhecer as músicas de Farra & Forró e do Muleque da Rua Preta.

“Farra e Forró, Jucélio (Elifas) e Salustiano.
Lenine e Suzano, mestres meninos de Ambrósio.
Chico, Nação, Cascabulho, Selma e Lia.
Jacinto, tanta alegria é o povo pernambucano.”
(Menino de Barro - Valdir Santos)

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