Sobre ter boas ideias: Menos Eureka e mais técnicas e métodos

Eu sempre achei que as pessoas tinham boas ideias porque era um dom, talento ou sorte delas. Hoje, penso diferente.

Juliano Vaz
Apple Developer Academy | UFPE
7 min readApr 30, 2020

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Unsplash por @auttgood

Pensar é trabalhoso e cansativo. Há alguns anos, eu até fiz um poema sobre o labor que é a engenhosidade do pensamento. Nada na natureza gosta de perder energia. Então, desde a escola e agora na universidade, vez ou outra nos projetos, eu me colocava somente no pelotão que executava as ideias, porque eu só tinha ideias ruins, e portanto, minha participação seria inútil.

Ao longo do tempo, isso criou em mim uma falsa sensação de que eu fazia parte do grupo de pessoas que não tinha boas ideias. (Onde não ter boas ideias significa, obrigatoriamente, ter ideias ruins). O doido disso é que:

  • existem as pessoas que acham que têm boas ideias;
  • as que acham que não têm boas ideias;
  • e as que acham que não têm ideias.

E agora, desde que entrei no Apple Developer Academy | UFPE, estou cada vez mais certo da importância da utilização de técnicas e métodos de ideação para processos criativos. Seja lá do que for o seu intuito, seja fazer um projeto da escola, do trabalho ou até mesmo uma obra de arte. Torna-se ainda mais especial (para não dizer inovador, ainda) se você estiver com pessoas as mais diversas e trabalhando em colaboração nesse processo criativo para impactar socialmente.

O meu projeto, o Jardim Harmônico, foi extraído e lapidado de um conjunto absurdo de mais de 35 ideias. Utilizei um diagrama com prioridades ao meu escopo para seleção de ideias, o método Brainwriting e algumas heurísticas com a colaboração de amigos do Academy. Posteriormente, o projeto foi refinado em 4 versões (1, 2, 3, 4) de protótipo, duas lo-fi e outras duas hi-fi respectivamente. Até finalmente, a codificação.

Criei uma abordagem lúdica para o ensino de escalas musicais a partir de um jogo que faz alusão a um jardim de plantas a partir de Teoria Musical:

Estruturado como Playground Books, no jogo você pode construir o seu Jardim Harmônico, regando as plantas com sementes de espécies musicais. Para cada vaso, você precisa plantar uma semente de uma determinada espécie[ESCALA] e, para crescer, precisará fortalecê-la com vitamin[NOTA]s. Mas com cuidado! Pois com a vitamin[NOTA] errada, que não faz parte da espécie[ESCALA], a planta morrerá e será necessário reiniciar o Jardim Harmônico.

Imagens do protótipo hi-fi final construído no Figma com o acervo da Pixabay

Quando eu comecei a fazer eu já fiquei apreensivo em como eu iria trazer essa abordagem lúdica. Até pouco tempo atrás, eu achava que quando assunto era ideias, eu era um fracasso. E cuidado com isso, inconscientemente (ou não), Leandro Karnal nos alerta que O fracasso é uma rede confortável. E apesar dessa frase ter um fundo estoicista (sabe aquela positividade tóxica?) que não curto muito, ela me lembra de como a gente se enjaula (ou é enjalaudo) em experiências passadas, e como isso ao longo da vida vai formando nosso caráter e personalidade, e em paralelo, nosso sistema de crenças.

O escritor uruguaio Eduardo Galeno diz que, o que acreditamos sobre o que nós somos capazes de fazer diz respeito a nós. E mais que isso, o que fazemos para mudar quem somos também. Os meus processos de ideação sempre vinham de mãos dadas com a minha autossabotagem, também chamada de Síndrome do Impostor. E novamente, eu me descreditava dos meus feitos e desacreditava de mim achando que eu não era a pessoa das boas ideias, ou elas não eram suficientemente boas (o que é diferente), o que pode ser observável também em outras coisas da vida… E assim esse loop infinito se mantém em praticamente tudo que fazemos.

Então, se o baratino e desqualificado do Impostor peregrina na sua mente em qualquer processo criativo que tenha, recomendo fortemente que você se exercite (importante) com as dicas a seguir. Não haverá vez para a autossabotagem, pelo menos quando o assunto for ideação.

Unsplash por Jazmin Antoinette

Perceba que ideias estão vinculadas com criatividade, imaginação e poiésis:

  • Murilo Gun define criatividade como a capacidade inata humana que vem a ser desenvolvida através de estudo e treino (#hardwork), e cuja utilidade é resolver problemas através da combinação de ideias.
  • A imaginação, em miúdos, é o repertório de imagens que ao longo da vida cada um foi dando sentidos, significados e representações.
  • A poiésis é o processo de composição. É a liga entre no repertório de imagens da imaginação. É o que dá combustível para a criatividade. É o fugir do mínimo ao absurdo do ridículo do extremo da imitação (minesis).

Então, o que reforcei e refleti do meu aprendizado durante esse meu primeiro desafio no Academy foi que,

1. Se você quer ter ideias, sejam elas boas ou ruins, saiba que construir um repertório de mundo(s) e de coisas as mais diversas é essencial. São inspirações. Leia, ouça, veja, pergunte, pesquise, experiencie, ou seja, basicamente dê asas à sua curiosidade. Todos nós somos criativos, deixe acreditar-se e exercite seu arcabouço imaginário! A criatividade não é um dom, e nem exige talento.

2. Independente da sua área ou contexto, é fundamental que você busque (ou promova) ambientes que permitam, individual e coletivamente, a liberdade para: explorar coisas; errar e aplaudir o erro (dentro do risco); expor-se a estímulos novos sem medo, e por último mas não menos importante, refletir o seu processo criativo.

3. Esteja disposto a mudar seu sistema de crenças e as formas que usa para ter ideias. Nem que seja aos poucos. Isso requer disposição para deixar ir as certezas e pensar de maneira expansiva, sem predefinições. O casamento de ideias deve ser mais que mono, deve ser poli.

Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes.

— Albert Einstein

4.Registre. Tire foto, anote, mande um áudio para si, faça o que for. Eu gosto de anotar tudo que acho interessante ou que sei me servirá em algum momento. Tipo um feeling, sabe?! Vi uma borboleta diferente, anoto.

Além do mais, ao colocarmos as ideias no "papel" temos muito mais chances de realizá-las, e o que é mais sútil no ato da registro é poder lembrar daquilo, memorizar de alguma forma (e seja onde for). É aquela ideia que vem no banho, no sonho, ou na janela no ônibus, que como diz o poeta marginal recifense, Miró da Muribeca, é danada para colocar a gente para pensar.

5. Obtenha feedbacks sem precisar justificar suas escolhas, faça validações o quanto antes, priorize seu escopo de produção e metrifique seu tempo para você não ficar preso em devaneios mirabolantes. Por fim, tome a decisão que lhe seja factível com uma dose de desafio.

Afinal, antes feito, que perfeito e lembre-se que não tem como salvar o mundo sozinho, muito menos do dia para a noite.

6. Utilize métodos e técnicas de ideação.

Eis aqui alguns (+60) dos métodos e técnicas para seu pontapé nessa jornada de ideias: Mapas mentais, Cartões de Insights, Diagrama de Afinidades, Critérios Norteadores, Ideação Heurística, Mapa de Empatia, Blueprints, Brainstorming, Cinco Porquês, Super-Hero, Jornada do Usuário, etc.

7. Saiba quando parar e concluir sua ideação. A ideia boa para mim, é a ideia que resulta da dica 6, e que me satisfaz para o problema e público que busco resolver.

Entenda também que as pessoas podem ter as mesmas ideias, mas os processos criativos de cada pessoa são totalmente diferentes. E isso, também conforta a minha jornada nessa empreitada. O mais legal do meu projeto foi a etapa de ideação. A caminhada que fiz para chegar naquele resultado, e isso foi muito importante para que eu rompesse de vez com minha falsa sensação de inutilidade na geração de ideias.

Enfim, na maioria das situações e em condições possíveis, damos nomes ao esforço (leia-se estudo) que deixamos de fazer. Alguns deles são sorte, talento e dom. Claro que a aptidão de cada pessoa varia, mas não tê-la não faz com que não possamos obtê-la. Como diria meu professor de química do ensino médio, Carlos, “tem que sentar na cadeira dura e estudar, buscar por onde até a bunda ficar quadrada”. Arquimedes, não descobriu a teoria do Empuxo do nada. Eureka não existiria se ele não fosse um estudioso nato da Escola de Matemática de Alexandria, no Egito (que inclusive não fica na Europa, fica na África).

Espero ter ajudado e tenha para si o que tomei para mim: NADA é fácil. E olhe que nem estou falando dos problemas psicológicos que vem por causas historicossocias e pessoais que interceptam cada um em sua particularidade. Como diria Professor Ruy, coisa fácil é morder água. Ter ideias é uma labuta trabalhosa, e elas até podem surgir do nada, mas podemos encurtar esse caminho.

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Juliano Vaz
Apple Developer Academy | UFPE

Baiano, cientista da computação, educador, dev iOS. Além de antirracista, artista, aleatório e eclético.