Eu sou uma orgulhosa destruidora de lares! — alguma pergunta?

Afetos Insurgentes
Afetos Insurgentes
Published in
7 min readAug 18, 2020
Imagem: Mulher roxa de cabelo verde fosforescente nua sob cogumelos gigantes roxos e azuis, céu rosa, chão laranja.
Liberdade! Para mais, vá para www.queerjoy.com.

Chifrar é uma importante ação política. Eu não organizo minhas relações de uma maneira em que chifrar seja possível para mim, mas eu penso que ajudar meus amigos a chifrar em suas relações seja uma maneira importante de apoiar sua autonomia. Eu sou contra casais, exclusividade, e todas as maneiras em que capitalismo e patriarcado canalizam nossas capacidades expansivas de cuidado em pequenas unidades desesperadas e controláveis. Eu aprecio quando posso pôr meu corpo na reta para quebrar a forma do casal, que isola as pessoas das comunidades robustas de que precisamos. Como uma orgulhosa destruidora de lares, posso responder algumas perguntas comuns:

Espera, o que você quer dizer com “chifrar não é possível” para você?

Eu não participo de relações em que a outra pessoa pense que pode me possuir ou ter algum dizer no que faço com meu corpo. Sem acordos de monogamia, sem relatos compulsórios do que estou fazendo/que sexo estou fazendo quando eles não estão lá, sem relação baseada em posse. Eu tenho muitas amizades profundas e com significado, algumas das quais incluem algum sexo parte do tempo, mas nenhuma delas inclui promessas de comportamento futuro, meu ou deles. É um modo de se relacionar voluntário, com cuidado amoroso profundo, dado livremente ao invés de por obrigação. Acontece que tem muitas pessoas que querem me amar sem tentar forçar regras ou contratos!

E as pobres esposas em casa?

Primeiramente, eu não prefiro homens e eu odeio a assunção de heterossexualidade. E todos nós sabemos que há frequente vista grossa para maridos que traem (Precisa aliviar estresse! Meninos vão ser meninos), enquanto esposas que traem são deixadas destituídas. Não finja que o sistema do monogamismo é arranjado para benefício das esposas. Tem certeza que não está me perguntando isso só para me envergonhar como uma não-homem que ousaria priorizar prazer? Preocupado com o estado e status das esposas? Eu também, vamos abolir as esposas: vamos Abolir o Casamento!

Eu estou triste porque meu namorado me traiu

Isso não é uma questão. Mas, e quanto aos amantes dos meus amantes? Eu tenho amor por eles. Eu torço pra que eles sejam felizes pelo nosso amor mútuo! Eu torço pra que eles curtam saber que alguém por quem eles têm carinho está experienciando prazer e alegria. Ainda assim, eu sei que muitos estão sofrendo sob a tragédia do isolamento e falsa-escassez de amor e intimidade. Eu desejo tanto que eu pudesse dividir com eles minha vibrante comunidade queer, meus cada vez mais novos e mais esquisitos e mais profundos prazeres queer. Eu não os estou impedindo disso; ao invés, ajudar os outros a chifrar pode abrir seus olhos para novas possibilidades, e modos de se relacionar fora da posse baseada em acordos. A compulsão para “chifrar” é uma demonstração dos resultados do monogamismo e relacionar-se por contratos; monogamismo e outras opressões são o que realmente deveriam nos deixar triste.

Por que eles só não contam a verdade?

Eu torço para que o façam e para que, dependendo das circunstâncias, se recusem a ser “discretos” para sustentar a forma do casal. Ao mesmo tempo, monogamia não é somente “uma escolha individual”. A promessa de monogamia com frequência não é dada livremente (ou mesmo claramente discutida). Ao invés, as pessoas são empurradas a performar monogamia por todo tipo de forças coercitivas. Se eles contarem, vão perder sua moradia? Seus cuidados de saúde? Sua vida? Tantos recursos básicos dos quais precisamos para viver são propositalmente amarrados à unidade de casal. Quebrar as regras pode ter consequências mortais. Todos os tipos de recursos materiais e sociais só estão disponíveis através da monogamia. Eu posso dividir meu plano de saúde do meu emprego com um marido de quem eu estou separada e mal vejo, mas não poderia dividi-lo com meu grande amigo desde o Ensino Fundamental, ou com os organizadores da comunidade que dão significado e propósito à minha vida. Se uma esposa solitária tem uma doença crônica e nenhuma esperança de ganhar tratamento de saúde de nenhuma outra maneira [problema comum nos Estados Unidos onde não há sistema público universal de saúde], quem sou eu para dizer a ela para praticar “honestidade radical”? Se ela for deportada de volta a um lugar que a quer morta, é realmente ético da minha parte demandar que ela enfureça a pessoa que pode condená-la a isso? (Não, caralho, não é.)

Por que você é tão egoísta?

Chifrar não é só sobre perseguir meus desejos individuais, mas para o benefício de muitos. Sim, beneficia a mim, por me trazer alegria e prazer e conexão à minha vida. Também beneficia a pessoa com quem eu estou chifrando por dar a eles conexão e comunidade de que eles desesperadamente precisam. Beneficia a nós todos por modelar autonomia e resistência. Que grande exemplo para você ver que mesmo quando os sistemas dificultam a escolha por alegria e amor, alguns de nós fazem essas escolhas difíceis mesmo assim! Desenrola o conto de fadas danoso que demanda que você invista todo seu amor em uma única pessoa, uma única cerca de madeira idiota nos subúrbios, e incita as pessoas a avaliar (e investir em!) seus sistemas de apoio, suas amizades, suas comunidades. Tomara que eu inspire todos vocês a imaginar novas possibilidades, construir mundos cheios de amor e apoio dados livremente, e perseguir seus desejos mais profundos. Então de nada

Você nunca sentiu ciúmes? Você não se identifica?

Primeiro, quem liga? Meus sentimentos desconfortáveis deveriam significar que outros não ganham acesso a amor, apoio e conexão?
(Porra que NÃO!) É minha responsabilidade gerenciar minhas emoções e seria injusto da minha parte colocar o fardo disso em outra pessoa.

Segundo, porque eu posso gerenciar minhas próprias emoções, eu sentei com meu ciúme e o abordei com curiosidade. Primeiro, são ondas de dor e medo, mas acontece que, ciúme vem para mim quando eu estou sentindo escassez (que é falsa). Quanto mais expansiva e profundamente conectada é a minha comunidade, mais eu estou aberta a ser alegre pela alegria dos meus amigos. Como eu construí diversas redes de cuidado voluntário, ciúme é mais como uma memória distante. Eu desejo isso para todos.

E quanto à “não-monogamia ética”? Você está nos fazendo parecer mal na fita!

Você está me fazendo parecer mal na fita! Que porra de “ética” ignora o contexto do monogamismo, esse sistema de opressão nos mantendo vigiados e dóceis na face da seita de morte capitalista! Por que você coloca tanta energia em tentar ser palatável, tentar reassegurar homens poderosos de que você não está ameaçando sua dominação sobre as mulheres que eles acham que possuem? Eu acho muito mais ético apoiar a autonomia dos indivíduos e o poder de tomar decisões, e me recusar a centrar a suposta monogamia ética-por-padrão nas minhas relações.

E quanto às crianças?

Eu não estou fazendo sexo com nenhuma criança. Você quer dizer as crianças assistindo seus pais sacrificar suas comunidades, suas conexões, seu prazer e alegria, pelo bem da forma de casal? Eu torço pra que as crianças aprendam que isso é um mau investimento. Eu torço pra que as crianças aprendam a confiar em seus corpos, a pedir o que querem, a fazer o que as fazem sentir bem, a amar muitas pessoas e a correr pra cacete de pessoas que querem possui-las. Em nossa cultura, crianças têm tão pouca liberdade, e eu me preocupo sobre sua dependência de seus pais, que é parte de por que eu estou feliz de apoiar seus pais com amor e alegria e prazer. Com sorte alguma dessa energia chega em casa para as crianças! Minha esperança mais profunda é que através de relações fora da forma de casal (principalmente naquelas em que chifrar não é possível), comunidades possam investir em cuidado comunal das crianças e as crianças possam ter mais acesso a recursos, apoio emocional, e mais adultos amorosos, ao invés de apenas uma mãe estressada e exausta e talvez um pai nos finais de semana.

Você nunca foi chifrada?

Quando eu participava do teatro de segurança de prometer monogamia a outros, eu fui chifrada. Honestamente, eu fiquei triste na hora, mas também desesperadamente sozinha o tempo todo de qualquer maneira. Eu não quero que ninguém me ame exclusivamente; eu quero que as pessoas que eu amo sejam apoiadas por comunidades fortes e vibrantes. Eu quero ser apoiada e amada por muitas pessoas (e eu sou!). Eu descobri que comunidade — especialmente comunidade queer — como um modelo de viver e amar e fuder é mais sustentável e alegre e edificante.

Vai se fuder, sua vadia burra!

Hmm, parece que você está se sentindo ameaçado por mim de alguma maneira. Faz sentido se sentir assim. Imaginar mundos novos é assustador e a possibilidade de perder o que você conhece pode parecer ameaçador. É verdade que eu estou trabalhando duro para desafiar a ordem social que provavelmente te beneficia em algumas maneiras ou pelo menos faz você se sentir seguro sobre seu histórico de ansiedade e alienação. Eu torço para que você possa sentar com seu desconforto e medo e descobrir que teu azedume por não-homens alegres vem não dessas pessoas serem más, mas da sua própria desconexão com suas necessidades emocionais? Ou talvez seja do teu desesperado apego a poder sobre outros, e controle percebido sobre sua própria vida? Você vai ter que refletir com esses sentimentos e reconhecer seus custos para todos nós; é uma tarefa para todas as pessoas crescidas em estados-nações capitalistas, supremacistas brancos. É difícil, e os benefícios são de longe mais vantajosos que os custos. Através de comunidade e conexão, eu torço para que você possa construir as habilidades para se juntar a mim na utopia queer que meus amigos e eu estamos construindo juntos.

Tradução do artigo “I’m a Proud Homewrecker, #AMA.”

Esse texto escrito por participantes coletivo norte-americano RAD — Discussões de Anarquia Relacional. O texto “Abaixo os Parceiros”, que também traduzimos aqui, tem a mesma autoria.

--

--