Ilustração: MIT Sloan Management Review

Como estabelecer preços éticos que beneficiem a empresa e o consumidor?

Os cálculos realizados no processo de precificação envolvem uma série de variáveis e o bem estar social não pode ficar de fora na conta

Vanessa Petuco
Aprix Journal
Published in
5 min readJul 8, 2021

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Poucas são as empresas que ainda realizam definições de preços adicionando uma margem de lucro aos custos de produção. O aprofundamento das técnicas de precificação resultaram no aumento da complexidade dos cálculos necessários para definir o preço de um produto. De acordo com Pedro Criado, Coordenador de Pricing e Revenue Management na Mondelēz International, há uma série de indicadores que são levados em consideração na hora de estabelecer o valor de uma mercadoria. “Quando realizamos um aumento de preço, olhamos para o mercado para analisar o preço que estamos praticando em comparação com a concorrência. Esta análise nos serve como um balizador. Além disso, avaliamos a elasticidade do produto, o market share, o tamanho do mercado, o canal”, explica. Olhando para todas estas variáveis, um profissional de precificação busca encontrar o preço ótimo, que possibilitará um alto lucro em um período de longo prazo e ainda estará alinhado aos objetivos e estratégias da empresa.

Durante os primeiros meses da pandemia de Covid-19, pode-se dizer que todos os brasileiros observaram que existe uma importante variável que nem sempre é incluída na conta: a ética. Um levantamento realizado pela Bionexo — empresa brasileira especialista em soluções digitais para gestão em saúde — aponta o aumento exorbitante no preço de produtos de segurança individual, como máscaras e álcool em gel, durante o primeiro trimestre de 2020. Realizando uma comparação entre o início de 2019 e o início de 2020, a health tech verificou que o valor médio das máscaras passou de R$2,83 para R$12,12, o que representa um aumento de 327,9% entre um ano e outro. Já o litro de álcool em gel passou de R$32,30 para R$36,29, constituindo um acréscimo de 12,34%. Como consequência, os consumidores que não puderam pagar o preço mais alto, acabaram não tendo acesso a esses produtos e tiveram uma maior possibilidade de dano.

Pedro Criado explica que o que ocorreu durante este período foi um alto aumento na demanda frente a uma oferta muito baixa. “Esse contexto abriu a possibilidade das empresas obterem um lucro maior. Esse é um problema não somente ético com o consumidor, visto que se tira proveito de um momento de crise, mas também para a própria empresa, que apesar de ter um lucro maior, o volume será menor e isso não se sustenta a longo prazo”, avalia. Ou seja, quando empresas implementam tais estratégias sem incorporar considerações sociais e deliberações éticas em seus cálculos de preços, elas correm o risco não somente de prejudicar as pessoas, mas também de reduzir as perspectivas de sobrevivência a longo prazo.

Outro exemplo de aumento de preço que gerou um grande impacto na vida dos brasileiros no decorrer da pandemia de Covid-19 foi o da cesta básica. Tal panorama foi indicado pela Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, realizada mensalmente pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Comparando os valores de março de 2020 e março de 2021, o estudo mostrou que houve um aumento no preço do conjunto de alimentos básicos em todas as capitais pesquisadas. As maiores taxas foram registradas em Porto Alegre, com um 25,20% de aumento no preço; em Curitiba, com 24%; e Belém, com 23,15%. Além disso, o DIEESE estimou que para pagar o valor da cesta mais cara, verificada durante esse período em Florianópolis, o salário mínimo necessário deveria ser o equivalente a R$5.315,74, o que corresponde a 4,83 vezes o mínimo vigente, de R$1.100,00.

Questionado se existe alguma regulamentação que delimite as definições de preços em determinados contextos, o Coordenador de Pricing e Revenue Management da Mondelēz International afirma que não. “O que há é a reflexão sobre como o cliente reagirá ao preço quando olhar o produto na gôndola e sobre como eu mesmo como cliente reagiria”, aclara. Para Pedro, esta é a ética do preço. Ou seja, não basta olhar para o custo, o aumento do dólar e outros indicadores que impactam no preço de um produto, mas também para o cliente final. “Em alguns momentos, não haverá outra saída que não aumentar um pouco o preço por conta do aumento no custo, mas isso não significa que este aumento deve ser repassado integralmente ao consumidor. É preciso pensar se o cliente na ponta da cadeia terá como acatar com este acréscimo”, explica.

Apesar de não existir uma lei ou uma regulamentação que limite a precificação para determinados contextos, Pedro Criado afirma que existe uma definição de produtos de necessidade básica e produtos supérfluos e entre eles são aplicados diferentes critérios de precificação. “Na minha experiência, quando precifico, eu levo em consideração a margem do meu cliente. No caso de um item supérfluo, como um chocolate premium, normalmente ele vai querer ganhar uma margem maior, porque se terá uma venda menor. Já no caso de um item básico, como arroz e feijão, geralmente se tem uma margem bem mais baixa, pois se terá um volume maior de vendas”, explica. Entende-se, portanto, que não somente o contexto é importante, mas também o tipo de produto. É possível concluir, então, que quanto mais essencial for a mercadoria e maior for o aumento em seu preço, maior também será o dano que este aumento pode gerar ao consumidor e, em última instância, à sociedade.

Em meio a este contexto, sistemas de precificação baseados em Inteligência Artificial (IA) surgem como ferramentas capazes de auxiliar profissionais de pricing a tomar decisões de preços que beneficiem tanto a empresa quanto o consumidor. Utilizando tecnologias de Big Data e Analytics, esta ferramenta aumenta a capacidade da equipe de precificação analisar dados com mais granularidade. Um exemplo de aplicação desta solução é a personalização do preço de acordo com o perfil do cliente, com a região e com o canal de venda. Pedro Piccoli, especialista em Precificação baseada em IA, explica que apesar da possibilidade de existir vieses em algoritmos de Inteligência Artificial, em razão da qualidade dos dados utilizados para testas os modelos, é possível programá-los para limitar estes vieses. “Ou seja, se aplicada de maneira correta, não há dúvidas de que a inteligência artificial impacta positivamente nos aspectos éticos da precificação”, conclui. Além disso, o especialista afirma que se a tecnologia beneficia o consumidor, consequentemente, ela acabará beneficiando a empresa. “Há diversos exemplos nesse sentido, como os sistemas de recomendação que encontramos na Amazon ou na Netflix, que agiliza a busca e torna o processo de compra mais simples e user-friendly”, exemplifica.

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