A geração que revolucionou o Cinema Gaúcho

Vanessa Hauser
Arquivo 11
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6 min readJun 14, 2018

Por Guilbert Trendt, Fernanda Frühauf, Liliane Franco, Alexandre Briczinski e Camila Santos.

Cena do filme Deu pra ti anos 70 (1981). Foto: Nelson Nadotti/Casa de Cinema de Porto Alegre.

Expoente do cinema gaúcho no cenário nacional, a Casa de Cinema de Porto Alegre é uma produtora independente fundada em dezembro de 1987. Segundo Luciana Tomasi, ex-sócia da Casa, o início da produtora foi na casa em que morava. “Formamos uma associação inicial, com 13 pessoas e quatro produtoras, para ter um endereço para sermos encontrados e para guardar nossos filmes, que eram grandes e pesados. Essa foi a fase 1 da Casa de Cinema, que iniciou no Bairro Petrópolis. Antes disto, as reuniões eram na minha casa”, ela conta.

Nesses 30 anos, a Casa teve como sócios Carlos Gerbase, Luciana Tomasi e Werner Schünemann, por exemplo. Em 2011, houve uma alteração no quadro de sócios que, atualmente, conta com Ana Luiza Azevedo, Giba Assis Brasil, Jorge Furtado e Nora Goulart.

Carlos Gerbase, um dos ex-sócios da Casa de Cinema e, atualmente sócio da Prana Filme, conta que os 24 anos em que integrou o projeto foram produtivos. Ele explica que ocorriam debates constantes sobre cinema. “Havia um debate permanente sobre cinema, tanto em questões estéticas quanto políticas, porém o mais importante foi conseguir escrever e dirigir muitos filmes e programas de tv”, afirma.

Em 2012, Gerbase e a esposa Luciana Tomasi decidiram deixar a Casa e seguir na Prana. “Eu e a Luciana decidimos sair por questões administrativas e tínhamos que continuar trabalhando. Na Prana, fazemos mais e melhor que nos tempos da Casa. Já são cinco longas e duas séries de TV. Os critérios, como sempre são qualidade artística e viabilidade financeira”, conta o diretor de cinema.

Os sócios da Prana Filmes, o casal Carlos Gerbase e Luciana Tomasi. Foto Divulgação/Prana Filmes.

Já Luciana, salienta que a meta agora é arriscar em novos projetos. “Eu e o Gerbase temos uma grande afinidade artística. Trabalhamos sempre em parceria, um ajudando o trabalho do outro, em salas individuais para não cansar. Não competimos nos projetos, procuramos viver em harmonia”, afirma.

A ex-sócia ainda relembra dos bons momentos que teve enquanto trabalhava na Casa. “Tivemos momentos fantásticos em grupo, com uma administração bastante anarquista, que culminou no sucesso internacional do curta Ilha das Flores (1989) e na realização de nosso primeiro longa em 35mm Tolerância (2000), feito com a Columbia Pictures”, explica a produtora.

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Cartaz do curta Ilha das Flores, dirigido por Jorge Furtado (1989). Foto: Divulgação.

Moda na época, a Super-8 fazia sucesso na mão dos jovens. “De repente viramos cineastas, com uma câmera pequena. Tudo era tratado seriamente. Os roteiros eram ótimos, realistas, um retrato fiel da geração louca daquela época, que estava saindo da ditadura. Quando percebemos que nossos filmes agradavam muita gente, foi a glória. Muito espontâneo e inesperado,” conta Luciana.

O curta Ilha das Flores (1989) consumiu todo o dinheiro do caixa da Casa para a realização. Luciana conta que houve muito pouco dinheiro para a produção, mas que depois do Urso em Berlim e da ovacionada sessão de Gramado, foi tudo muito impactante.

Outro nome é Giba Assis Brasil, atual sócio da Casa de Cinema de Porto Alegre. Ele participou da renomada produção Deu pra Ti Anos 70 (1981), filme premiado no Festival de Cinema de Gramado de 1981, inspirado em uma pichação de muro no bairro do Bonfim, em Porto Alegre. O diretor teve um grande parceiro na caminhada cinematográfica: o também cineasta Nelson Nadotti, que foi, de acordo com Assis Brasil, o grande inspirador e a influência para sua carreira.

“Quando estava na Faculdade de Jornalismo, me inscrevi num curso sobre cinema brasileiro e conheci um pessoal que fazia filmes em super-8, especialmente o Nelson. Ficamos amigos e terminamos combinando de fazer um filme juntos”, conta Assis Brasil. Deu Pra Ti Anos 70 (1981), inclusive, foi a primeira produção da dupla, que fez Giba abandonar o emprego na Rádio Gaúcha para dedicar-se exclusivamente ao cinema, ainda que esperasse retornar ao final da produção. Todavia, com o sucesso do filme, Giba deixou de ser, formalmente, um jornalista para tornar-se cineasta.

Giba Assis Brasil. Foto: Clarice Passos/TVE.

Nos anos 70 e 80, o Festival de Cinema de Gramado exercia grande influência sobre as produções realizadas aqui no estado. “Para minha geração, a existência do Festival foi muito importante. No início, era a grande motivação pra gente fazer os filmes. Era uma garantia de exibição a um público bastante interessado em cinema, e mesmo a possibilidade de conviver com os profissionais do cinema do país”, atesta o cineasta.

Segundo Assis Brasil, “prêmio é ótimo para divulgar o filme, para aumentar o cachê de quem é premiado, para reconhecer trabalhos, para apontar caminhos, aumentar a autoestima. Mas nenhum prêmio deve ser levado mais a sério do que ele merece. Prêmio é vitrine”, explica.

Giba Assis Brasil é professor do curso de Realização Audiovisual da Unisinos e conta como é o trabalho para passar os conhecimentos adquiridos ao longo dos anos aos futuros cineastas. “O professor faz uma mímica sobre o que ele próprio chegou a aprender a respeito de determinado assunto, e, em alguns poucos momentos, alguns alunos assistem àquilo e de alguma forma constroem uma réplica daquilo dentro das suas próprias cabeças — magicamente, aprendem”, ele explica.

Carlos Gerbase também é professor, mas na PUCRS. Ele brinca dizendo que ainda tem fôlego para continuar produzindo. “Vejo muitos jovens cineastas chegando para disputar espaço. Vários são meus ex-alunos, o que é ótimo. Espero que eles tenham muita energia para seguir em frente. Mas eu sempre aviso: os velhos também têm direito a brincar de cinema. E eu vou continuar brincando”, finaliza.

Da esquerda para a direita: Saneamento básico — O filme (2007). Foto: Leopoldo Plentz/Casa de Cinema. | Houve uma vez dois verões (2002). Foto: Alex Sernambi/Casa de Cinema. | Ilha das Flores (1989). Foto: Carlos Gerbase/Casa de Cinema.
Da esquerda para a direita: Antes que o mundo acabe (2009). Foto: Jacob Solitrenick/Casa de Cinema. | Doce de mãe (2012).Foto: Divulgação/Casa de Cinema

Ao longo desses anos, a Casa já produziu dezenas de filmes, programas de tv e séries de televisão. Nos currículos de séries produzidas consta Doce de Mãe (2012), estrelado pela atriz Fernanda Montenegro. O projeto foi uma produção realizada pela Casa de Cinema de Porto Alegre e exibida pela Rede Globo, contando com a criação dos atuais sócios, Ana Luiza Azevedo e Jorge Furtado. A série venceu o Emmy Internacional em 2015 na categoria de comédia. Produções como Antes que o mundo acabe (2009), de Ana Luiza Azevedo; Meu Tio Matou um Cara (2004) e O Homem que Copiava (2003), ambos de Jorge Furtado e estrelados por Lázaro Ramos, também estão na cartela da produtora.

Hoje, a empresa tem diversas parcerias no mercado, como a Rede Globo, HBO, Sony Channel 4 e Fox Film do Brasil. Giba Assis Brasil conclui e diz que as possibilidades com o mercado internacional começaram a surgir após a participação do curta-metragem Ilha das Flores, dirigido por Jorge Furtado, no Festival de Berlim. “Cada vez que fazemos um trabalho bem-sucedido, isso abre novas possibilidades. Ao contrário, se o trabalho não foi tão bem como se esperava, isso pode trancar alguns caminhos”, afirma.

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Vanessa Hauser
Arquivo 11

Brazilian journalist living in Barcelona. Rebuilding a life style and trying to come back to writing as a real passion.