Cemitério de Consoles | Dreamcast (1998): o sonho que não se tornou realidade

Sendo o último suspiro da Sega no mercado de consoles, o Dreamcast sofreu com erros passados e desavenças empresariais.

Gustavo Maganha Andria
Aventurine Brasil
8 min readOct 28, 2018

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Lançado pouquíssimo tempo antes do PlayStation 2 (2000), o Dreamcast (fim de 1998) foi produzido pela Sega e agiu como sucessor do decadente Sega Saturn. Assim como ele, o Dreamcast foi assombrado por decisões ruins e um mercado em ascensão.

Com o intuito de não cometer o mesmo equívoco quanto aos custos elevados de hardware do Sega Saturn, o Dreamcast chegou ao mercado com uma proposta de barateamento nos custos de produção e de compra do aparelho, juntamente com a premissa de ser o produto mais avançado do mercado. Seu nome era baseado em “dream broadcast”, ou seja, “transmissor de sonhos”.

E falando em sonhos, a linha de acontecimentos do console contém alcances prestigiosos. Com uma CPU Hitachi SH-4 e um processador gráfico NEC PowerVR2, estreou primeiramente no Japão em 1998, fazendo um grande sucesso e esgotando cerca de 150 mil unidades em um dia. Em 1999 o Dreamcast continuou batendo recordes, que o acompanhavam em seus lançamentos pelo resto do mundo. No Brasil, foi lançado em outubro de 1999, pela TecToy. Foram vendidos cerca de 9 milhões de unidades mundialmente.

Recebeu o apoio de várias empresas em seus meses seguintes ao lançamento. Um destaque foi a Microsoft, que desenvolveu um developer kit baseado em Windows CE, permitindo o porte de games de PC para o Dreamcast. O developer kit foi um dos responsáveis pelo prolongamento da vida útil do console após o mesmo ter sido descontinuado.

Você então deve estar se perguntando: como um console que fez sucesso por onde lançou, tendo certo apoio de empresas como a Microsoft, deu errado? Nesta edição de nosso Cemitério de Consoles, essa e outras dúvidas serão esclarecidas, pois hoje conheceremos a história de uma empresa que preferiu abandonar seu console e encarar seus erros, com o preceito de sobreviver na indústria.

O terceiro comercial é simplesmente o melhor da história pelo fato de ter o Sonic DJ.

Passado e presente conturbados

Com seu primeiro grande sucesso (Mega Drive, 1988) de sua empreitada no mundo de consoles, a Sega adquiriu confiança suficiente para continuar brigando pelo destaque no mercado mundial. Contudo, a empresa não contava com o destaque tão grande de rivais como a Sony, com o PlayStation e a Nintendo, com o Super Nintendo e o Nintendo 64. A rápida queda da SEGA teve mais ênfase com o Sega Saturn, que apresentava problemas quanto a dificuldade de programação e quanto a distribuição dos estoques do console. Alpem de todos esses problemas, custava mais caro que seu concorrente, o PlayStation, que somente adicionou o Saturn à lista de consoles que conseguiu derrubar. Mesmo com as constantes reduções de preço, o Sega Saturn não teve chance.

Então, em uma tentativa de se recuperar no cenário, a Sega criou o Dreamcast, que seria o responsável por colocá-la novamente na briga. Porém, os problemas do aparelho antecederam seu lançamento, contando com um período de desenvolvimento conturbado. Durante os projetos para a criação do Dreamcast, a Sega procurava parcerias de empresas externas para uma renovação em seu hardware. Teve duas possibilidades de escolha nesse processo, optando pela tecnologia japonesa das companhias NEC e Hitachi e deixando de lado a americana 3dfx, o que rendeu um processo jurídico sobre quebra de contrato e uma tensão entre os fornecedores tecnológicos e as empresas envolvidas.

Durante seu processo de desenvolvimento, recebeu alguns codinomes que antecederam o nome escolhido. O Dreamcast era chamado de “Blackbelt”, “Dural” e “Katana”.

Originalmente, o Dreamcast utilizaria uma placa 3dfx parecida com essa.

A escolha pela tecnologia japonesa veio diretamente dos cargos mais altos da Sega, contrariando o próprio responsável pelos projetos de hardware do console, Tatsuo Yamamoto. Essa decisão preocupou várias companhias que trabalhavam para a Sega, em especial a EA, que já estava familiarizada com os moldes de hardware americanos e via-se em desvantagem com os novos produtos que seriam utilizados. Vale lembrar que tudo isso foi feito com o propósito de baratear o custo do Dreamcast, que não poderia de forma alguma ter como empecilho um custo muito elevado, pois seria facilmente derrotado por seus adversários de mercado, devido à descrença sofrida após a falha do Sega Saturn.

Mas não era só a EA que estava insatisfeita com o uso de hardware japonês. Bernie Stolar, sucessor de Tom Kalinske que teve prometida a participação no desenvolvimento do novo console, foi um dos responsáveis por fazer pressão ao uso de hardware americano.

O conjunto de peças que formava o Dreamcast se aproximava mais de uma computador pessoal do que de um videogame. Foi utilizado um driver de GD-ROM, similar ao CD-ROM, sendo excluída a possibilidade do DVD-ROM, que aumentaria o preço. O driver GD-ROM causou alguns problemas para o Dreamcast, que muitas vezes tinha de enfrentar barreiras quanto ao tamanho dos jogos (1GB no GD-ROM contra 650MB no CD-ROM), tornando o corte de alguns conteúdos algo relativamente constante.

Cancelado pouco tempo antes de seu lançamento, uma versão de Half-Life chegou a ser desenvolvida para o Dreamcast. Vale notar a quantidade alta de telas de carregamento.

Sucesso momentâneo

Com tudo pronto para o lançamento, o Dreamcast foi às lojas japonesas em novembro de 1998. Sendo ainda assombrado pelo fantasma do Sega Saturn, o console mostrou-se independente e garantiu boas pré-vendas e um estoque zerado no primeiro dia nas prateleiras. Contudo, por possuir poucos jogos no período pós-lançamento, apresentou-se como uma decepção para muitos consumidores, com registros de vários pedidos de reembolso. Assim, não demorou muito para as vendas do Dreamcast caírem. Eram esperadas cerca de 1 milhão de unidades vendidas até fevereiro de 1999, porém os números não atingiram 900 mil. Os lançamentos Sonic Adventure e SoulCalibur aumentaram um pouco as vendas do console, juntamente com a redução de preço colocada em vigor pela Sega, mas o cenário do Dreamcast ainda era de crise.

Obviamente a porradaria ajudou um pouco nas vendas.

Uma situação conturbada caracterizava o Dreamcast no Japão, mas nos Estados Unidos as coisas eram um pouco diferentes. A Sega, trabalhando em conjunto com a Midway Games, teve mais tempo para o desenvolvimento de games e equipamentos para o console, fazendo assim com que seu lançamento nas Américas fosse bem mais robusto. Contou com cerca de 18 jogos em sua biblioteca quando chegou aos EUA, em setembro de 1999. Uma densa campanha de marketing foi realizada e, com preceitos de intrigar os consumidores e despertar a curiosidade, uma propaganda clássica, chamada de “It’s thinking”, marcou a entrada do Dreamcast no cenário americano.

Entretanto, os problemas do Dreamcast não parariam por aí. O transtorno ficou por conta de uma parte da produção do console, que apresentou defeitos nos drivers GD-ROM, causando certo descontentamento.

Essa propaganda é bizarra!

Causando mais uma decepção ao lançamento americano do Dreamcast, a EA anunciou que não desenvolveria games para o sistema. Referência nos jogos eletrônicos de esportes, a falta da EA causou indignação e uma inevitável perda para a biblioteca do console da Sega. O principal motivo para esse desentendimento foi o desejo da EA de ser a proprietária de todos os direitos de jogos esportivos para o Dreamcast, não aceitando a compra de alguns direitos pela empresa Virtual Concepts. Como resultado, a Virtual Concepts teve de preencher o espaço de jogos de esportes, fazendo bem seu papel, mas obviamente com menor popularidade.

NFL 2K foi um dos destaques da Virtual Concepts para o Dreamcast.

Não foi por falta de tentar

Com o lançamento do PlayStation 2 se aproximando e as vendas do Dreamcast indo mal, a Sega adotou algumas políticas para “preparar” o console para quando o PS2 chegasse. Uma delas foi o lançamento da SegaNet, um serviço online para o Dreamcast que permitiria aos jogadores navegarem pela internet, mandarem e-mails e participarem de um chat. Além disso, uma interação multiplayer para jogos como Quake III Arena e NFL 2K estava nos planos da Sega.

Outra ação foi a redução (ainda mais) do preço do Dreamcast, que chegou a custar $149 contra os $299, preço inicial do PS2. Essa diminuição só serviu para afundar a Sega de vez, pois causou uma grande perda de lucro mensal e anual, fazendo com que a empresa tivesse, em março de 2001, um total de 417.5 milhões de dólares em perdas.

Somando a tudo isso, a forte presença da Nintendo na competição e o anúncio por parte da Microsoft, confirmando um lançamento que viria a ser o primeiro Xbox, o Dreamcast encontrava-se perdido em um mercado altamente competitivo, exigente e refém da qualidade dos consoles da Sony. Incapaz de aguentar por muito tempo, a Sega anunciou a descontinuação do Dreamcast após 31 de março de 2001, revelando um relatório de cinco anos consecutivos de perda de lucro em 2003.

Nem mesmo Quake Online ajudou a melhorar a situação do Dreamcast.

Após o triste fim do Dreamcast, a Sega decidiu seguir no mundo dos videogames como uma produtora “third-party”, focando em desenvolver e distribuir jogos próprios para os consoles que viriam a ganhar destaque no cenário. Para que tal coisa fosse possível, muitas dívidas tiverem de ser perdoadas, sendo a “sobrevivência” da Sega na indústria um milagre advindo de muitos favores e acordos.

O Dreamcast caracterizou-se como a última tentativa da Sega de participar do mercado de consoles. Foi ainda um grande aprendizado para a empresa, que nunca mais daria as caras como uma produtora de aparelhos e focaria apenas nos jogos para sobreviver. Mesmo depois de anos, não podemos afirmar com certeza absoluta que a Sega está reerguida, pois independente de lucros, o fantasma dessa sequência de falhas assombra todos aos redores da companhia. Podemos concluir que os motivos principais para o fim do Dreamcast e as profundas perdas da Sega foram:

→ Consequências da falha do Sega Saturn ainda importunavam a empresa;
→ Desenvolvimento conturbado, com brigas entre as companhias parceiras;
→ Picos de bons resultados, seguidos de quedas gigantes e irreversíveis;
→ Exageradas reduções de preço, que prejudicaram os lucros;
→ Falta de apoio de desenvolvedoras icônicas no momento, como a EA;
→ Competição com grandes consoles como PS2, PS1 e Nintendo 64;
→ Sistema online introduzido de forma repentina para um público não preparado para tal inovação;
→ Barateamento que resultou em má qualidade de peças e erros nos drivers de GD-ROM.

Chegamos na reta final do Cemitério de Consoles e em nossa próxima edição falaremos sobre o Gizmondo, um curioso portátil lançado pela Tiger Telematics em 2005 com tecnologias GPRS e GPS. Acompanhe o Aventurine e não perca a próxima edição da série!

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