Cemitério de Consoles | Game Gear (1990): um Master System portátil para fazer frente ao Game Boy

A tentativa da Sega de aproveitar até a última gota de seu console 8-bits foi a que mais chegou perto de fazer frente ao Game Boy.

G. G. Hoffmann
Aventurine Brasil
10 min readOct 13, 2018

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No terceiro texto de nossa série Cemitério de Consoles, revisitamos mais uma das vítimas do invencível Game Boy. Projetado para fazer frente ao portátil de cataclísmico sucesso da Nintendo, o Sega Game Gear chegou em 1990 às lojas do Japão e em 1991 na Europa, Estados Unidos e Brasil.

De maneira bastante semelhante ao concorrente direto Atari Lynx, o console tentava disputar um pouco do filão de sucesso do pequeno notável da Nintendo através de uma estratégia bastante razoável: investir em um hardware poderoso que corrigisse as principais (e óbvias) insuficiências do Game Boy, elevando a experiência portátil a um novo patamar.

Apesar de ter sido o projeto que melhor se saiu em fazer frente à supremacia da Nintendo no campo dos portáteis até o surgimento do PSP, as vendas de impressionantes 11 milhões de unidades do Game Gear ficaram muito aquém das 65 milhões de unidades vendidas pela concorrência (sem contar com o Game Boy Color), o que explica em parte seu descontinuamento. O mais próximo de um “sucessor” que ele receberia seria o Sega Nomad, versão portátil do Sega Mega Drive que amargou vendas muito inferiores à dele.

A húbris da Sega e de seu marketing agressivo seria pago amargamente pela empresa quando, sucedendo o descontinuamento sumário do Game Gear em 1995, o fenômeno chamado Pokémon chegaria ao mercado japonês elevando o já veterano Game Boy a um status lendário que provavelmente nenhuma das duas empresas poderia ter imaginado naquele momento inicial.

Sega: “Hahaha, o Game Boy agora só serve para peso de porta!” / Pokémon: *Acontece*

Master System de bolso

A história do Game Gear (ou Project Mercury) remonta ao lançamento do primeiríssimo console da Sega: o obscuro SG-1000. A plataforma 8-bits lançada originalmente em 1981 recebeu dois modelos aprimorados antes de ser relançada na versão definitiva, aptamente nomeada como Master System, em 1985. No final da década de 80, o foco reconcentrado da Sega em seu Mega Drive fez com que o Master entrasse nos momentos finais de seu ciclo.

Concomitantemente à briga pelas salas de estar, no entanto, outro mercado não podia deixar de chamar a atenção da empresa nipônica, sempre de olho na líder de mercado conterrânea e eterna rival Nintendo. As vendas mundiais estratosféricas do Game Boy provavam que o conceito tinha futuro, e o fraquíssimo desempenho comercial do apressado e atribulado Lynx sinalizava uma vaga de mercado ainda disponível para novos players.

O Game Gear é herdeiro direto do primeiríssimo projeto da Sega no âmbito dos home consoles.

Tomando um pouco mais de tempo no desenvolvimento de sua resposta ao Game Boy, a Sega buscou adereçar as mesmas falhas que a Atari havia identificado no líder de mercado. Baixa potência de processamento, tela monocromática e sem backlight (fonte de iluminação interna) e um design vertical atípico eram os pontos frequentemente apontados como propícios a receber melhoras no Game Boy.

Superar a Nintendo envolvia, portanto, desenhar uma máquina que cumprisse a melhora relativa de todos esses requisitos, a um preço competitivo. Em termos de arquitetura 8-bits, o Master System por si só já superava com certa folga as capacidades do Game Boy. E, para uma empresa que sempre foi fã de especular em torno de múltiplos conceitos ao mesmo tempo, o quão atrativa seria a ideia de estender um pouco mais a vida do bravo guerreiro SG-1000?

O projeto foi revolucionário em termos de portabilizar uma tecnologia relativamente avançada para a época.

Compartilhando do chip 8-bit Zilog Z80 3.5MHz, o Game Gear teve sua arquitetura toda construída ao redor do console veterano, porém sem dispensar as tecnologias desenvolvidas nos 5 anos que os separam e que poderiam ser o diferencial-chave do novo projeto. Se o Lynx se gabava de sua paleta de 4096 cores, o novo console não poderia apresentar as pífias 64 cores do Master System e passar impune às propagandas ácidas que dominavam o setor na época.

Com a capacidade ampliada para equivaler ao concorrente, o Game Gear era capaz de processar 4096 cores — o que a Sega não queria que você soubesse é que apenas 32 delas poderiam ser apresentadas de cada vez. De qualquer forma, em tese o console era capaz de renderizar gráficos tecnicamente superiores ao seu ascendente de mesa, embora sua estrutura de processamento fosse praticamente a mesma.

De forma semelhante ao que ocorreu na briga Mega Drive vs. Super Nintendo, a Sega quis vender seu portátil como uma alternativa mais adulta e sofisticada ao Game Boy.

Com um design mais sóbrio e estilizado do que o Game Boy, alinhando-se com a abordagem da Sega em vender uma imagem mais cool do que a concorrente, o portátil chegou ao mercado como uma opção mais cara do que o líder, porém mais barata e mais… é… bem, portátil do que a lajota eletrônica chamada Atari Lynx. Foi o bastante para acabar com as chances da Atari, porém nem de perto o suficiente para disputar de igual para igual com a Big N.

No Japão, onde não ser tão descolado assim é considerado algo descolado, o aparelho recebeu diversas versões alternativas multicoloridas e temáticas em vários bundles, antecipando a moda que seria aderida pela Nintendo na fase N64/GBC. Infelizmente, o console temático da Coca-Cola não foi o suficiente para reverter a situação da Sega, que sempre amargou derrotas em casa e teve que se apoiar no sucesso em terras estrangeiras — com destaque para o Reino Unido e Brasil.

Sem o compromisso marqueteiro com a sisudez, os japoneses foram presenteados com belas versões alternativas do aparelho.

Andando com as próprias pernas (ou não)

Outras diferenças superficiais de estrutura também foram adotadas no sentido de conferir uma grande potência ao console (como, por exemplo, o suporte a som estéreo), que também não falhou em adotar um posicionamento horizontal e oferecer uma tela com iluminação própria. Assim, embora seja extremamente similar ao Master System, o Game Gear se diferenciava o suficiente para ser de fato uma nova máquina. A decisão pode causar espanto, se levarmos em conta outro fator em jogo naquele momento.

Outro obstáculo a ser enfrentado pela Sega em relação à Nintendo (em ambas frentes: de mesa e portátil) eram as práticas abusivas da líder de mercado em relação a contratos de exclusividade com desenvolvedoras third party. Com tais restrições interditando o suporte para o período inicial do console, ter à disposição a biblioteca já extensa de títulos do Master System seria de fato uma saída de mestre (trocadilho intencional).

Os cartuchos do Game Gear tinham apenas uma fração das dimensões de suas contrapartes do SMS.

O problema é que para atender às necessidades da miniaturização, a utilização direta dos cartuchos do SMS certamente não seria uma opção viável: seu tamanho era pouco menos do que o tamanho total do portátil. Empregando um novo formato, mais compacto, de cartuchos ROM, o Game Gear se diferenciou o suficiente de seu antecessor e se propôs a andar com as próprias pernas.

De olho no sucesso internacional do Mega Drive, vários ports de jogos do console 16-bits foram produzidos para o portátil, processo que trazia um benefício no sentido inverso em relação ao seu veterano de mesa.

As produção de versões 8-bits de clássicos como Sonic The Hedgehog, Streets of Rage, Golden Axe e Super Monaco GP tinham como intuito reforçar a biblioteca do portátil, que precisava de mais do que o tímido Columns (que acompanhava o aparelho de forma a fazer frente ao Tetris do Game Boy) para conquistar o seu lugar ao sol.

Porém, ao mesmo tempo, tais jogos também tinham grande saída para as grandes bases instaladas do SMS em alguns países da Europa e no Brasil (onde o console ainda permanece tecnicamente na ativa há mais de 30 anos initerruptos). Uma só conversão para cumprir dois propósitos distintos!

Tais projetos operaram num esquema caso-a-caso. Alguns games eram ports exatos das versões de mesa, outros traziam diferenças sutis, e havia ainda alguns que fossem totalmente diferentes entre si. A maior diferença entre as duas máquinas estava na resolução de display: 256x192 no SMS contra os reduzidos 160x144 do GG.

Isso levou a decisões um tanto discutíveis em termos dos ports, como pode ser visto no caso emblemático de Sonic The Hedgehog, cuja versão para o console de mesa acaba tendo uma jogabilidade notadamente superior ao fazer proveito de sua maior resolução, enquanto a versão para o GG optou por um redimensionamento que, apesar de visualmente interessante à primeira vista, prejudica a visualização da fase e afeta negativamente a experiência:

Nintendon’t, please!

Como efeito negativo desse plano está o fato de que, a despeito das intenções iniciais, o Game Gear nunca conseguiu sair efetivamente da sombra do Master System e do Mega Drive. Apesar de contar com o reforço de franquias de peso (superando assim um dos pontos fracos decisivos para o fracasso do Lynx), é compreensível que os jogos do portátil tenham enfrentado um certo estigma de produtos de segunda linha.

Super Mario Land não tinha porque sofrer comparações com Super Mario World, sendo títulos totalmente diferentes e exclusivos de seus respectivos consoles. Por sua vez, é difícil não imaginar que as versões 8-bits de Sonic the Hedgehog e Streets of Rage não sofreram comparações desfavoráveis em relação às versões principais, ignorando a competência técnica dos ports que, em sua maioria, eram de admirável qualidade.

Enquanto o Game Boy Color se aventuraria a trazer versões adaptadas de sucessos dos consoles de mesa, os principais best-sellers do GB original foram em sua esmagadora maioria títulos próprios e exclusivos como Kirby’s Dream Land, Wario Land, The Legend of Zelda: Link’s Awakening, além, é claro, da já citada série Super Mario e do titânico Pokémon Red & Blue.

Com um número de exclusivos que ficou abaixo da contagem de 40 títulos (o mais notável sendo, provavelmente, The G.G. Shinobi), a biblioteca do Game Gear viveu e morreu por sua ligação com os consoles de mesa. Mas a frente de software foi um fator adicional, e não o único determinante para o mau desempenho do console. Seu calcanhar de aquiles estava, na verdade, em seu próprio hardware.

Insistindo em estar “à frente de seu tempo”, o Game Gear infelizmente não pôde trazer do futuro a tecnologia necessária para não ser um devorador ávido de energia — nem as utilíssimas pilhas recarregáveis ou baterias internas. A tão colorida e iluminada tela e o som estéreo traziam como preço o consumo de 6 pilhas AA entre 3 a 5 horas.

Contra as 15 horas obtidas com apenas 4 pilhas no Game Boy, tratava-se de um gasto adicional significativo. Mesmo a opção oferecida de baterias externas recarregáveis não foi capaz de remediar a situação, já que o custo elevado e a baixa disponibilidade não tornavam a opção tão atraente ou prática assim.

A Tec Toy trouxe o Master Gear Adaptor como uma das formas de popularizar o portátil no Brasil.

A tela do aparelho foi o outro ponto limitante. Enquanto a tecnologia arcaica de LCD da época servia mais do que o suficiente para os gráficos monocromáticos do Game Boy, a qualidade do display do Game Gear era simplesmente inferior ao que seu poder de processamento requisitava. Prova disso se encontra na performance do cobiçado acessório Master Gear Adaptor, que permitia a inserção de cartuchos do SMS para rodar diretamente no GG.

Embora a função fosse mais do que bem vinda para os fãs da Sega que não estavam a fim de desembolsar a mesma quantia para mais um cartucho de Sonic 2 (pois é, vender o mesmo jogo várias vezes não é uma prática deste século!), o fato é que a resolução inferior do display criou a necessidade de um redimensionamento que não ficava à altura da qualidade que se poderia esperar.

Altered Beast do SMS rodando na tela do Game Gear (esq.) e em um monitor RGB (dir.) | Photo by RetroRGB

Concatenando todas essas limitações estava o fato de que o Game Gear passou longe de ser a prioridade da Sega em qualquer momento de sua existência. Se nos primeiros anos da década de 90 o foco da empresa estava em manter o bom desempenho do Mega Drive, em 1995 a corporação encontrava-se tão dividida quanto seu foco estratégico em termos de hardware.

Malabarizando as produções do Mega Drive, Sega CD e 32X com a do portátil, a filial norte-americana ainda insistia no periférico 32-bits enquanto a japonesa, desacreditada do projeto, investia tudo no já recém-lançado Sega Saturn — cujo lançamento mundial estava em vias de acontecer. Em meio a essa descoordenação, o humilde portátil 8-bits acabou jogado para escanteio, garatindo sua sobrevida apenas nos territórios tradicionais da produtora.

“Onde é que é pra ligar o Saturn?”

Com o lançamento do Nomad ainda em 1995 (aparentemente ainda era pouco hardware para se produzir ao mesmo tempo), o descontinuamento oficial do Game Gear foi apenas uma questão de tempo. No certificado de óbito, provavelmente constava:

→ Sucesso extremo do Game Boy (um assassino notável em nossa série);
→ Preço elevado em relação ao líder de mercado;
→ Alto consumo de pilhas;
→ Biblioteca de títulos extremamente dependente de ports do Master System e Mega Drive;
→ Número pequeno de títulos exclusivos;
→ Baixa resolução do display;
→ Falta de prioridade por parte da Sega;
→ Excesso de projetos simultâneos da Sega prejudicando o apoio ao console em nível estratégico.

E finalmente saindo um pouco do cenário de consoles portáteis, o próximo videogame a marcar presença na série Cemitério de Consoles é o Commodore 64 Games System. Ter a coragem de adentrar um mercado dominado pela Nintendo e pela Sega já era um ponto admirável, mas então o quê levou o videogame ao seu triste destino? Não perca nosso próximo texto e descubra!

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