Cemitério de Consoles | Virtual Boy (1995): apenas um empecilho ao Nintendo 64

Prejudicado por adaptações que diminuíam o custo ao consumidor e pelo desenvolvimento do 64, o console foi condenado à morte pela Nintendo.

Rafael Smeers
Aventurine Brasil
8 min readOct 24, 2018

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Cemitério de Consoles é uma marca Aventurine Brasil. O uso sem permissão é proibido. | Virtual Boy Logo © by Nintendo | Gaming Room by HardwareHeaven

Alguns consoles “fracassados” como o Philips CD-i se tornaram mais populares por envolverem nomes maiores e/ou por representarem algum tipo de avanço em seu lançamento. Com o Virtual Boy, da Nintendo, não foi diferente. Disponibilizado em 1995, o videogame era comercializado como o primeiro capaz de reproduzir gráficos estereoscópicos 3D (uma técnica para criar ou intensificar ilusão de profundidade).

No caso, o Virtual Boy foi mais uma daquelas ideias que acabaram dando as caras no Cemitério de Consoles não só por que vieram cedo demais ao mercado, mas que foram criadas em uma hora pouco favorável ao seu desenvolvimento. Se você se incomoda com o modo 3D de seu Nintendo 3DS, imagine se tentassem reproduzir a ideia em 1995 com recursos escassos, nas cores vermelho e preto e por um preço alto acompanhado de enorme desconforto.

Neste momento, cruzaremos a décima edição do Cemitério de Consoles. Agora faltam somente sete sistemas para que alcancemos o ano de 2013, quando seria lançado o console mais recente a morrer.

A ideia de abordar o Virtual Boy como um “console do outro mundo” nem sempre representava sua tal “utopia dos games”

O projeto errado na hora errada

O conceito inicial do que viria a ser o Virtual Boy nascia em 1985, quando uma empresa de tecnologia (Reflection Technology) localizada em Massachusetts desenvolvia uma tecnologia de tela ocular de LED vermelho denominada de Scanned Linear Array. Assim como ocorreu com o Atari Lynx, a companhia não tinha dinheiro suficiente para tornar o que havia desenvolvido em um produto e comercializá-lo, procurando por parcerias e fundadoras.

Com um protótipo denominado de “Private Eye e um jogo de tanque de guerra, a empresa começou a demonstrar seu hardware para o mercado de eletrônicos, como a Mattel e Hasbro. Até a Sega chegou a ser abordada, mas a oferta foi recusada devido a tela unicolor e preocupações envolvendo motion sickness.

Reflection Technology’s Private Eye (1989)

Eis que Gunpei Yokoi, antigo gerente geral da divisão de pesquisa e desenvolvimento da Nintendo famoso por contribuir na criação do Game Boy e criar os portáteis Game & Watch, se entusiasmou e decidiu “adotar” o protótipo. Segundo ele, a tecnologia era uma oportunidade de criar um produto sem competidores e de estimular a criatividade no desenvolvimento de novos jogos. Fechando contrato com a Reflection Technology, o projeto receberia o nome de VR32 e seria cuidado por duas divisões de desenvolvimento (R&D1 e R&D2), enquanto a terceira (R&D3) ficaria responsável por focar no desenvolvimento do Nintendo 64.

Demonstrada na revista japonesa Super Famicom em 1994, esta era a especulação do designer gráfico de como o sistema ficaria quando pronto.

Foram quatro anos de desenvolvimento focados na construção do sistema, adaptação de recursos em relação ao preço do produto e cuidados com questões de saúde. Até uma fábrica dedicada foi aberta na China e houveram também cogitações de implementar uma tela colorida, mas Yokoi preferiu manter o modelo unicolor por que uma tela colorida tornaria o console ainda mais caro, provavelmente com um preço de mais de 500 dólares.

A tela também não tinha luz traseira, segundo os desenvolvedores não só para baratear o console, mas para “garantir um senso mais imersivo de profundidade infinita”. A tecnologia fornecida pela Reflection Technology também oferecia uma função de head tracking (assim como podemos evidenciar em tecnologias VR nos dias de hoje), mas por questões de saúde a Nintendo decidiu remover a funcionalidade. Com isso, o que era um “óculos vestível” passaria a ser um modelo pesado e estático, seguindo recomendações do instituto de pesquisa de olhos de Schepens.

O videogame possuía uma caixa de som estéreo. Sua alimentação de energia, por sua vez, ficava por conta de seis pilhas AA (que duravam cerca de quatro horas) ou um adaptador AC. Um cabo para possibilitar que jogadores conectassem seus sistemas entre si chegou a ser desenvolvido, mas nunca foi lançado e a saída EXT (extension) jamais foi oficialmente utilizada.

Eventualmente, a Nintendo enviava protótipos (esq.) para a Reflection Technology. Nesta comparação, é possível identificar de forma mais simples algumas das mudanças significativas no modelo final (dir.) | Photo by Planet Virtual Boy

Gunpei Yokoi: “Gráficos coloridos dão a impressão de que um jogo é high tech. Mas só por que um videogame tem uma tela bonita não quer dizer que é divertido de jogar. […] Vermelho consome menos bateria e é mais fácil de reconhecer. Por isso a cor vermelha é utilizada em sinaleiros.”

Os dizeres de Yokoi se aplicavam ao sucesso do Game Boy, mas não livrariam o Virtual Boy de seus problemas. O console foi apresentado ao público na CES e na E3 de 1995, junto de uma projeção confiante de “mais de três milhões de vendas no Japão e 14 milhões de unidades de software vendidas até março de 1996” para a mídia. Várias demonstrações foram disponibilizadas nos eventos, incluindo um jogo de Star Fox que nunca foi lançado.

Porém, uma competitividade por recursos internos começou a surgir com o desenvolvimento do Nintendo 64, e o Virtual Boy obviamente foi jogado para escanteio. Afinal, ele não tinha um concorrente e o Nintendo 64 era o verdadeiro objetivo da companhia no momento. Este foi o único momento em que Shigeru Miyamoto foi envolvido no desenvolvimento do Virtual Boy e ainda assim, tratou-se de um envolvimento bem pequeno.

Pressionada cada vez mais com questões a resolver relacionadas ao desenvolvimento do Nintendo 64, a Nintendo decidiu que era hora de lançar o Virtual Boy e diminuir o número de afazeres. É claro que parte do time designado ao Virtual Boy passaria então a trabalhar no Nintendo 64, acarretando o desenvolvimento retardado de títulos para o primeiro e “envenenando” aquilo que mal havia nascido.

Além disso, o lançamento antecipado do Virtual Boy fez com que o videogame tivesse de passar por adaptações de hardware (que já haviam acontecido diversas vezes durante o processo de adaptação de recursos em relação ao preço do produto). Segundo o livro de David Sheff Game Over, Yokoi estava insatisfeito com a quantidade de adaptações realizadas na versão de lançamento do console. Mas o fato é que o Virtual Boy agora ia aos mercados para que o foco da Nintendo se tornasse completamente ao Nintendo 64.

A própria ilustração de patente do Virtual Boy (registrada em 1994) mostrava diferenças em relação ao produto final, evidenciando a antecipação inesperada do lançamento

Expectativas no vermelho

Dois pontos circulavam o cenário do Virtual Boy: a promessa de que o console iria “imergir totalmente os jogadores em seu próprio universo privado” e a expectativa de Yokoi de que o produto final aumentaria a reputação da Nintendo como uma inovadora. Ambos estavam assolados pelo lançamento antecipado do sistema.

As primeiras análises e matérias do Virtual Boy abordavam suas capacidades tecnológicas e evitavam discussões como os jogos que seriam lançados no videogame. Apesar de todas as medidas tomadas para garantir ao sistema um custo baixo, ele foi disponibilizado pelo preço de 179.95 dólares, considerado relativamente alto no momento principalmente devido ao custo-benefício do Game Boy.

O Virtual Boy foi lançado em 1995 na América e no Japão junto de quatro títulos (em cartucho): Mario’s Tennis (que acompanhava o sistema na América), Red Alarm, Teleroboxer e Galactic Pinball. Apesar de ser 32-bits, a tecnologia não era tão visível nos jogos quanto era em outros consoles.

O sistema não era bem um portátil, mas também não era um console de mesa. Por vez, não havia sido criado para substituir qualquer um dos sistemas da Nintendo, mas também não mais interessante quanto qualquer um deles. Não havia gasto de 25 milhões de dólares (valor declarado pela Nintendo) que resolvesse o problema de mercado do Virtual Boy.

Em adição, ele nunca foi lançado na Europa e as vendas foram ridiculamente distantes da projeção apresentada à mídia na E3 e CES, alcançando somente um milhão e meio de vendas na América e dois milhões e meio de softwares vendidos no final do ano (onze milhões e meio a menos do que o previsto).

Conquistando o título de um dos consoles menos vendidos em todos os tempos, o Virtual Boy teve uma vida curta em resposta às suas baixas vendas, e títulos anunciados na E3 de 1996 nunca foram lançados. Com um total de 22 títulos, o videogame foi descontinuado no final de 1995 no Japão e no começo de 1996 na América do Norte.

É difícil imaginar o quão convincente os gráficos estereoscópicos 3D eram, mas de certo não é difícil deduzir o quão cansativa a tela unicolor acabava por ser

Um sacrifício que não valia a pena

As razões que levaram o Virtual Boy ao fracasso foram várias, mas o preço alto e o desconforto de uso eram respostas unânimes dos jogadores desinteressados no sistema. Em demonstrações, já haviam reclamações de que os jogos não eram realistas o suficiente, era unicolor e não haviam head tracking.

Houveram também aqueles que citaram a falta de portabilidade e a falta de títulos que estimulassem a compra. Grande parte das matérias da mídia abordando o videogame questionavam sua verdadeira serventia e possível tempo de vida. Comparações com o Game Boy eram inevitáveis e críticas à ausência de franquias como Zelda e Metroid eram recorrentes.

Next Generation: “[…] Mas quem vai comprá-lo? Não é portátil, é estranho de usar, é 100% antissocial (diferentemente dos jogos multiplayer do SNES/Genesis), é muito caro e — o mais importante — a realidade virtual (efeito 3D) na verdade não adiciona nada aos jogos: é só uma novidade.”

Ao mesmo tempo em que algumas críticas elogiavam o efeito 3D do Virtual Boy, especialistas criticavam o potencial do console para imersão e citavam que a maioria dos jogos eram bi ou até mesmo unidimensionais, em vez de tridimensionais para fazer bom uso da tecnologia VR proposta. Isso quando as reclamações não estavam relacionadas a outro fator.

Virtual Boy Wario Land era uma das aproximações mais próximas do uso satisfatório do efeito 3D

Diversas críticas destacaram sintomas de dor e frustração fisiológica enquanto utilizavam o videogame. Dor de cabeça, tontura e náusea eram sintomas comuns durante o uso do Virtual Boy. A mídia atribuiu o problema à ergonomia ruim e à tela monocromática, enquanto alguns cientistas até mesmo concluíram que o uso extensivo do sistema podia resultar em danos maiores, como até mesmo danos cerebrais permanentes.

Atualmente, o Virtual Boy é severamente criticado por desenvolvedores de tecnologias de realidade virtual como uma “mancha permanente ao cenário”. Segundo eles, o sistema criou/intensificou uma concepção errônea da realidade virtual, que continua a ocorrer na atualidade mesmo com tecnologias muito mais avançadas e confiáveis.

Querendo ou não, o VB deixou sua marca no mercado de games e se tornou uma espécie de ícone da realidade virtual. Dentro das particularidades que levaram o videogame ao fracasso, podemos expor:

→ Abandono da Nintendo (lançamento antecipado) para focar no desenvolvimento do Nintendo 64;
→ Muitas adaptações e downgrades ao longo do desenvolvimento do sistema para diminuir custos ao consumidor e aderir ao lançamento antecipado;
→ Falta de um objetivo principal;
→ Mal aproveitamento do efeito 3D;
→ Biblioteca de títulos desinteressante;
Display e ergonomia distantes do ideal, inviabilizando longas sessões de jogo e acarretando efeitos colaterais.

Essa é provavelmente a posição mais confortável para utilizar o Virtual Boy e digamos que “confortável” não deve ser bem a palavra | Photo by Wikimedia Commons

A próxima edição do Cemitério de Consoles abriga a história do Genesis Nomad, sucessor do Game Gear que infelizmente teria o mesmo destino que ele. Acompanhe a série e não perca nosso próximo texto!

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Rafael Smeers
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