ANÁLISE: A vitória do Brasil e a coragem de Neymar

A Seleção Brasileira está classificada para as quartas de final da Copa do Mundo após fazer uma partida tática muito consistente — e contar com uma grande atuação do seu maior craque

Arthur Menezes
Redação Beta
7 min readJul 2, 2018

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Neymar conduz a bola na vitória brasileira sobre o México, pelas oitavas de final da Copa do Mundo. (Foto: Lucas Figueiredo/CBF)

É claro que todos nós gostaríamos de uma partida mais fácil. Quem sabe controlar o jogo todo, como fazem Alemanha e Espanha, duas campeãs do mundo que são exemplos do futebol propositivo, como falei em meu texto anterior (que você pode ler clicando aqui). Aliás, será a grande derrocada dessa maneira de jogar?

Também no meu último texto expliquei como o tipo de jogo mexicano, de futebol reativo, pode ser perigoso para quem prefere ter a bola. Talvez, para vencê-lo, o melhor seja mesmo ser um time que consiga se adaptar. Talvez seja mesmo a Era da Adaptação (discussão que iniciei no texto que você pode ler clicando aqui).

Mas, voltando à partida entre Brasil e México, a nossa Seleção não é assim, do tipo que só sabe jogar com a bola no pé. Nossa equipe é a cara de Tite. O conjunto soube sofrer mais uma vez e chegou à vitória com uma impressionante capacidade de se adaptar durante a partida. Dentre as várias mudanças a que se propôs durante o jogo, chama a atenção a postura tática.

O começo no 4–1–4–1 e as pontas mexicanas

O Brasil começou em sua formação tradicional. E fiel ao seu estilo de jogo. Mas a marcação avançada e com pressão da equipe mexicana foi um elemento surpreendente. Técnico do México, o colombiano Osorio havia dito que jogaria com um time ofensivo e, no início do jogo, conseguiu de fato atacar. E não foi utilizando a bola longa e as transições rápidas desde a defesa como no jogo contra a Alemanha, mas roubando a bola já no campo de ataque.

Nos primeiros 20 minutos de jogo só o México conseguiu ocupar a área adversária: a essa altura, o time da América do Norte havia dado 19 toques na bola perto da baliza de Alisson, enquanto que o Brasil não havia encostado na bola nenhuma vez dentro das linhas próximas a Ochoa. Isso se deu, em partes, porque o Brasil perdia a bola com muitos jogadores seus já próximos — quase sempre sete, no mínimo (os quatro da linha de defesa e os três do miolo do meio).

Apesar de ser mais presente no ataque, o México não foi tão incisivo assim. E isso em muito se deve também à boa atuação dos laterais brasileiros. Apesar do que se pode pensar, quando se joga contra um time com pontas tão rápidos e abertos como os mexicanos, a postura do lateral ao defender muitas vezes não será de agressividade na marcação. Isso porque, no caso de uma marcação mais próxima, ele dá a possibilidade de uma diagonal em suas costas — ou, como se diz no popular do esporte, deixar o atacante fazer o facão. Então, Fagner e Filipe Luís foram muito eficientes na diminuição dos danos.

As linhas híbridas e o 4–4–2

Praticamente desde o início do jogo, mas mais intensamente na segunda metade do primeiro tempo, o Brasil teve uma alteração tática. Quando a bola saía do lateral esquerdo mexicano em seu campo ofensivo, Neymar se juntava a Gabriel Jesus na marcação da primeira linha de defesa adversária. Com isso, Coutinho fazia um movimento para a lateral do campo para acompanhar o lateral direito adversário, transformando frequentemente o Brasil num 4–4–2. Dessa forma, é possível identificar que o Brasil teve, como tem se convencionado chamar, as linhas híbridas.

O ritmo do jogo também mudou na metade do primeiro tempo. E outras nuances se somaram a essa geleia de causas e efeitos da mudança tática brasileira. Com a bola, o Brasil começou a acertar mais passes na sua saída de jogo, em função de e fazendo com que o México diminuísse seu ímpeto na marcação adiantada.

Com a movimentação constante de Coutinho e Neymar, o Brasil começou a criar chances e preocupar os adversários. Assim, a equipe mexicana também foi perdendo a confiança em adiantar suas primeiras linhas defensivas. Com mais espaço, o Brasil começou a criar as jogadas e entrar no jogo.

Nessa segunda metade do primeiro tempo, então, faltavam Willian e Paulinho no jogo. Com a variação no esquema, Paulinho ficou invariavelmente mais preso, mas ainda assim a equipe dependia de suas arrancadas que rompem as linhas. E Willian, que é capaz de fazer isso com a bola em condução, também esteve apagado.

4–4–2 rígido e intensidade no último setor

No começo do segundo tempo o 4–4–2 esteve mais rígido. Mas, o mais importante, o Brasil entrou mais intenso no jogo. O jogadores começaram a acertar mais passes, trocar mais de posição e conseguir mais vitórias pessoais. Essa mudança de postura pode ser personificada em Willian, que a essa altura não se limitava à ponta direita — como chamaram a atenção Tite e Silvinho — , e em Jesus, que começava a ter êxito como pivô. Essas duas melhoras abriram espaço para Neymar e Coutinho aparecerem muito mais soltos.

Essa confiança brasileira no ataque, tendo a presença de vários jogadores no setor ofensivo, só se fez possível graças à atuação excelente da defesa nesse momento do jogo. Thiago Silva faz uma Copa do Mundo que beira à perfeição. Miranda, ainda que tenha suas dificuldades durante a competição, foi muito seguro na segunda etapa.

Osorio disse, depois do jogo, que os times tiveram jogos iguais, mas que a partida se decidiu nas áreas, nas qualidades individuais dos jogadores. A fala do treinador pode ser compreendida em números. Segundo o Footstats, o Brasil chutou 18 vezes, enquanto o México concluiu 12, mas a equipe do Canarinho Pistola jogou na direção da baliza em 56% das vezes, enquanto a os tequileiros ficaram só nos 8%.

De qualquer forma, essa pressão brasileira deu o domínio do jogo ao Brasil — não de posse de bola, mas de jogo mesmo, em todas as suas tonalidades. Nessa superioridade dentro da partida é que o Brasil abriu o placar. Neymar, o craque, o gênio, fez a jogada, costurada com esmero pelo mais solto Willian, e foi para área concluir, aproveitando a função mais centralizada.

O sacrifício de Jesus e a maturidade do grupo

Ponta, meia que joga aberto, extremo, externo… são tantas as nomenclaturas, mas o fato é que o Brasil sempre joga com dois caras que estão perto das suas respectivas linhas laterais. São eles os responsáveis por acompanhar as subidas do lateral adversário. E isso desgasta (muito!), ou seja, requer daquele que cumprirá a função uma entrega tremenda.

Minutos depois de abrir o placar, o Brasil seguia melhor no jogo — cabe ressaltar, mais uma vez, que estar melhor não tem necessariamente relação direta com a posse de bola, até porque, nesse quesito os times foram muito parecidos até o final do jogo. Mas a intensidade não poderia cair. Foi então que Tite deslocou Jesus para a posição de externo (como chamou na coletiva pós-jogo) na esquerda. O religioso Tite sacrificou Jesus.

Assim, o que antes era um 4–4–2 agora também variava para ora um 4–4–1–1, ora um 4–2–3–1. A posição também já não era assim tão relevante (há técnicos que dizem que em breve elas vão acabar, e outros se riam dos toscos painéis táticos que a imprensa tanto gosta), mas importava a função.

Neymar, já cansado, era o último mais adiantado. Atrás dele (mas com a missão de se somar a ele com a bola), por um momento foi Coutinho, depois veio Firmino. Depois deles, duas linhas de 4, com os pontas tendo mais liberdade e os dois volantes mais fixos — sobretudo após a entrada de Fernandinho no lugar de Paulinho. E se as mudanças de Tite foram contestáveis contra a Suíça, agora não podiam ter sido melhores. E o segundo gol veio para coroar o treinador. Fernandinho roubou a bola e Firmino empurrou para as redes. Na última mexida, deu tempo de ver Marquinhos, que para muitos deveria ser o titular, fazendo a função de lateral, enquanto Fagner foi tirar uma onda na segunda linha.

Neymar

Neymar tem sido muito criticado pelos motivos errados. Ele, de fato, não faz uma Copa do Mundo perfeita. Pudera! Três meses parado e uma volta no torneio mais importante e de mais alto nível do esporte, esse é o cenário. O rapaz é humano, afinal.

Mas, apesar das dificuldades, Neymar não se exime de sua responsabilidade. E mais: tem indignação! São essas as características que fazem com que ele tente tanto resolver. E também o que põe ele como alvo dos míopes do futebol.

Desde que o Neymar subiu da base é a mesma coisa: “segura muito a bola”, “quer resolver sozinho”, “acha que pode fazer tudo” e por aí vai. Mas, o melhor de tudo, é que essas mesmas pessoas depois têm de bater palmas quando o craque resolve, e resolve porque tem essas exatas características.

Neymar não se esconde! Ele sabe do que é capaz e sabe de sua responsabilidade. Se vai ganhar a Copa do Mundo eu não sei. Se será melhor do mundo, também não. Mas de uma coisa eu tenho certeza: ele não verá o Brasil ser eliminado sem se arriscar, sem chamar para si toda a responsabilidade com a bola em seus pés.

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