OMBUDSWOMAN: Prenda-me à leitura, se for capaz!

Conselho do Leitor mostra-se exigente sobre as publicações da Beta Geral

Thanise Melo
Redação Beta
8 min readOct 4, 2022

--

Como é o seu preparo na hora de escrever sobre o outro? (Foto: Freepick/Banco de imagens)

A cada semestre, uma Ombudswoman ou Ombudsman tem uma tarefa intrigante e de autoreflexão, que perdura o tempo todo. Para ser crítica ao trabalho dos colegas e defender a leitura dos que acompanham a Beta Redação, é preciso ter atenção aos textos, às técnicas, aos temas e em todas as possibilidades de levar informações e entrevistas que possam ilustrar a realidade.

Há alguns dias ouvi alguém indagar sobre o que teria a criação a ver com o jornalismo? Então, digo que é preciso evidenciar: para cada jornalista com criatividade, há muitas possibilidades de pautas. Não há facilidade em se debruçar sobre a história do outro, é preciso ser criativo para escrever boas narrativas e transportar pessoas para mundos desconhecidos. Seja para aproximar pessoas ou causas específicas, a criatividade também é uma ótima ferramenta para os profissionais do jornalismo.

Nas publicações do último mês, nossos repórteres trouxeram diversas histórias de pessoas com deficiências, usaram diferentes formas para contar quem são elas e como têm sido suas vidas em cidades de Farroupilha, Porto Alegre e Salvador do Sul, onde as regiões têm problemas de acessibilidade parecidos e, ao mesmo tempo, tão distintos.

Falar sobre a falta de urbanização para que PCDs tenham acesso à cidade, da ausência de instituições para tratamentos específicos ou de diagnósticos que surgem apenas na vida adulta das pessoas é evidenciar a falta de compromisso com cerca de 8,4% da população brasileira, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), de 2019. Ao mesmo tempo, as reportagens preparadas para o Dia Nacional da Luta pelos Direitos das Pessoas com Deficiência, marcado em 21 de setembro, buscam não cair nas armadilhas do capacitismo e contribuem para evitar mais julgamentos, segregações e opressões em suas localidades.

Comunicar é representar

O autismo tem ganhado destaque em diferentes meios de comunicação e, consequentemente, tem conquistado mais contribuições para desmistificar preconceitos. Na reportagem Autistas diagnosticados na vida adulta buscam autoconhecimento de Milla Lima, nossos leitores e leitoras disseram que a pauta serviu como uma grande fonte de informações e de prestação de serviços.

A leitora Neiva Alves aponta que é preciso “reparar apenas nos dados estatísticos que não se referem a data em que foram publicados” e complementa “destaco também a permissão que se dá ao leitor de entender que não é mais um tabu e que podemos encarar com o devido respeito às dificuldades vivenciadas por adultos e também pelas crianças.”

Outra recomendação feita por leitoras vem da Daniele Souza, demonstrando preocupação com a repetição de palavras e pela busca por sinônimos para melhorar o texto. A crítica de Larissa Custódio chega em forma de elogio para Milla, principalmente pela construção de narrativas e por usar o Tiktok como uma ferramenta interativa para finalizar o texto.

Seguindo os elogios, a reportagem do repórter Henrique Kirch sobre a APAE, apesar de alguns a considerarem extensa, manteve um detalhamento de informações maior e trouxe à tona uma problemática de uma cidade do interior, pouco representada nos meios tradicionais de comunicação no Rio Grande do Sul. Thiago Corrêa comenta que em Salvador do Sul projeta implementação de APAE para 2023, sentiu dificuldade ao ler a reportagem. Segundo o leitor, inicia bem com o entrevistado Pedro, mas logo a história foge, falta harmonizar mais com a construção da APAE, “ela acaba de repente e vai direto para a doação”, comentou.

E por fim, em Tem muita coisa fora do lugar, o repórter João Teixeira irá precisar rever alguns pontos sobre suas construções de texto. Para André Félix é preciso maior atenção ao tema. “Tem que tomar muito cuidado quando for falar sobre esse assunto, principalmente com termos. Faltou manter a fórmula, inicia bem e a história vai ficando confusa”, afirma. Para a leitora Larissa o texto começa interessante, mas ao longo da leitura ela afirma: “falta a sugestão de alguma ação, um fechamento para essa história”.

Neiva Alves nota que existem vácuos na escrita que, por isso, passa a ser “mais do mesmo”. Ela também questiona: “ tem alguma comissão (legislativa) ou pedido de providências para tratar do tema? E o Executivo sabe informar quem retirou os sinais sonoros das sinaleiras? Quando vão repor?”

Construções nem tão diversas assim

Mais de 1 bilhão de pessoas no mundo convivem com algum tipo de deficiência, foi o que apontou o Relatório Mundial sobre a Deficiência, lançado apenas em 2011. Assim como o Poder Público nega a importância de produzir pesquisas sobre o tema, o jornalismo esconde a relevância do debate diante da sociedade, principalmente quando limita quais deficiências estão em pauta.

Nós já lemos, ouvimos, assistimos a construção de narrativas jornalísticas das mais variadas, com milhares de pessoas, e as mesmas deficiências: homens e mulheres cegos, surdos, com dificuldade motoras e ou de fala. Em aula, por exemplo, conversamos com a escritora Lelei Teixeira, que há anos convive com o nanismo e a falta de representatividade não somente no jornalismo, mas na maioria dos lugares por onde passa. Há muitas vidas por aí sendo compartilhadas com doenças raras que também poderiam estar sendo mencionadas aqui.

É dever dos profissionais construir uma comunicação mais igualitária e livre de estereótipos. (Imagem: Freepick/Banco de imagens)

Cabe aos jornalistas, incluindo os da Beta Redação, pensar na diversidade humana para mudar paradigmas, para a comunicação evoluir diariamente e para que a inclusão saia dos papéis, entre nas legislações e siga incluindo as pessoas com deficiência nas agendas sociais. Mesmo nos meios mais tradicionais há possibilidade de desenvolver novos pensamentos e ideias de pauta.

Do início ao fim: as narrativas

Começar algo é sempre difícil, pode ser algo cotidiano ou levar anos, mas iniciar exige estudo, diálogo e boas doses de preparo para alcançar um objetivo. E qual é o seu na hora do pontapé inicial da escrita?

O leitor André Félix apontou que as reportagens têm seus estilos, são boas, mas que vê em todas, inclusive na publicação Ombudswoman, há uma dificuldade em iniciar os textos e mantê-los atrativos. Ele comentou que “a leitura pode até ser mais difícil, mas é preciso que comece bem!” para instigar a permanência do leitor nas matérias. Além deste, outros leitores comentaram sobre essas construções de entrevistas.

Mas, antes de seguir, penso que o texto é como uma agulha de costurar: primeiro temos um ponto de partida, em seguida vamos costurando informações, pessoas, dados, imagens e relatos até chegar ao outro ponto. Entre uma linha para lá e outra para cá, é necessário complementar e manter em ordem a estrutura; assim, ao vestir narrativas, não deixaremos nenhum fio de fora ou mal entrelaçado.

Ficou para trás e pensamos estar à frente

O jornalismo está preparado para abordar os inúmeros temas que permeiam a vida de pessoas com deficiência? Essa pergunta tem passado pela minha cabeça nos últimos dias, e imagino que igualmente meus colegas e professores tenham questionado — ou estão se questionado, ainda.

Mais do que apenas comunicar, jornalistas precisam estar conscientes da sua participação na inclusão para que pessoas se sintam representadas não só na superação dos problemas, mas em vidas que são muito maiores que tudo isso. Eis aqui um grande ponto para a reportagem de Henrique Kirch, pois foi para o lado contrário e nos trouxe uma conquista coletiva no interior do RS. Mesmo acompanhando seus entrevistados por Farroupilha, João Teixeira precisa se concentrar mais nos seus cases e buscar novas formas ou formatos para construir melhores finalizações em suas reportagens.

Mudamos a forma como encaramos os preconceitos ou seguimos reproduzindo? (Foto: Freepick/Banco de imagens)

Com depoimentos potentes, Milla Lima fez boas escolhas não só nas perguntas, mas na forma como construiu suas narrativas. Seu texto evidenciou um grave problema: o uso dos termos corretos. Para pessoas com autismo, a forma correta é utilizar primeiro o termo “espectro” para abranger todos os níveis de comprometimento. Outro cuidado importante em todas as produções é a transformação de uma deficiência em currículo, esquecendo que ela não vive apenas isso, mas uma vida como qualquer outra pessoa.

A representatividade é identidade.
Representatividade é ser ver no outro. É buscar semelhanças e encontrar a diferença em si.

No jornalismo, esse espelho aparentemente é a imagem fotográfica que, quando registra o momento certo, guarda o impacto do instantâneo e as lembranças daquilo que somos ou fomos. Nessa primeira publicação de matérias, a Beta Geral não deixa em foco os principais personagens dessas histórias: os entrevistados e entrevistadas. Onde estão as fotos dos entrevistados? Estamos mudando como encaramos nossos preconceitos ou apenas seguimos reproduzindo a invisibilização dessas pessoas?

Conheça as pessoas que compõem o Conselho do Leitor da Editoria Geral, da Beta Redação, em 2022/2:

André Félix, nasceu e mora em Novo Hamburgo. Tem 35 anos, é solteiro e não possui filhos. Atua como analista de CRM de forma híbrida em uma empresa localizada em Porto Alegre. Curioso, tem o hábito de pesquisar e ler sobre diferentes áreas: tecnologia, história do mundo, fatos místicos e políticos. Ainda, está sempre de olho no universo da comunicação e na sua saúde por meio da reeducação alimentar e de exercícios físicos, como lutas e musculação.

Neiva Alves, nasceu em Canguçu, morou em Sapucaia do Sul e, atualmente, reside no centro de Porto Alegre. Aos 63 anos está aposentada, é jornalista com formação pela UFRGS e trabalhou por mais de duas décadas na Rádio da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. O grande amor da vida de Neiva é a filha Niege Borges, artista visual que reside no Brooklyn, Nova York. Mas é na companhia dos gatos e das plantas, ao som do centro da cidade, que ela lê seus livros, escuta MPB, lê as notícias sobre o Brasil e o mundo.

Daniele Souza, funcionária pública na Câmara de Vereadores de Novo Hamburgo, aos 42 anos é casada, mãe do Vicente e residente de Dois Irmãos. Nascida em Porto Alegre, a jornalista se formou pela PUC/RS e, desde essa época, as atividades culturais já tinham relevância na sua vida. Fã de Marisa Monte e Gilberto Gil, apaixonada por poemas, pelas magias do circo e pelas artes circenses, a jornalista acredita na comunicação como uma ferramenta de cidadania e transformação social, e sempre repassa o pensamento para estagiários e estagiárias que passam pela TV Câmara NH.

Thiago Corrêa, natural de Canoas, aos 33 anos de idade, o fotógrafo reside atualmente em Porto Alegre. É casado, não possui filhos, mas é pai do Caroço. Atua de forma autônoma pela região metropolitana e no interior do estado através da fotografia. Nas horas vagas tem como hobby o ciclismo e, quando é possível, vai até os eventos de bicicleta e acessórios. Há pouco tempo passou a refletir sobre questões sociais e isso fez com que a curiosidade sobre diferentes perspectivas da vida o tornasse um consumidor de diferentes conteúdos noticiosos, como o podcast. Apesar de ter estudado na Ulbra Canoas e quase se formar em design gráfico, é na loja de revelação de imagens, uma herança familiar, que ele aprendeu a ver o mundo não de outra forma, mas, sim, de múltiplas perspectivas.

Larissa Custódio, nascida em Viamão, cidade da Região Metropolitana de Porto Alegre, aos 28 anos de idade é solteira e não possui filhos. Atualmente reside na capital dos gaúchos, estuda Políticas Públicas na UFRGS e atua como assistente de credenciamento no SEBRAE/RS. Já estudou direito na Uniritter POA, trabalhou em eventos sociais e em outros trabalhos administrativos. Ativista por direitos raciais, sonha com dias melhores através de projetos sociais que deem retornos à periferia das cidades. Antenada nas notícias, umbandista, poetisa, Larissa se diz uma pessoa sempre disposta a aprender.

--

--