Narrando segundo as regras da Pixar — Parte II

Hades Oneiroi
Luis Storyteller
Published in
6 min readFeb 19, 2020

Bem vindos à parte dois de Narrando segundo as regras da Pixar. Se ainda não leu a primeira parte, clique aqui. Nele eu explico que os filmes deles costumam seguir uma série de regras de roteiro para criar seus incríveis filmes, que tanto nos emocionam. As primeiras regras estão abordadas lá, cm breves descrições de como eu interpreto essas dicas para serem usadas no rpg! Agora, sem mais enrolação, vamos à segunda parte:

#6: No que o teu personagem é bom, e o que está confortável em fazer? Jogue o extremo oposto nele. Desafie-o! Como ele lida com isso?

#6: What is your character good at, comfortable with? Throw the polar opposite at them. Challenge them. How do they deal?

Acho que essa é uma das minhas dicas favoritas. Na literatura, nada deixa mais claras as características de um personagem do que colocá-lo lado a lado com seu oposto perfeito. Ele sempre vai parecer mais confiante perto de alguém muito inseguro. E isso também funciona bem no RPG, tanto para aliados quanto para inimigos.

Como o grupo heroico vai responder a um aliado que não é tão moral quanto eles? Explore essa relação e as respostas que forem dadas, e inclua isso na sua história! Isso costuma dar uma carga emocional muito mais forte para os personagens dos jogadores, também. E por fim, essa dica pode ser aplicada como o extremo oposto, também. Como os personagens reagem com npcs extremamente parecidos com eles próprios? A ideia, claro, não é roubar o protagonismo do grupo. Mas colocar um espelho na frente deles, as vezes, também pode render histórias interessantes. Principalmente quando seu “vilão”, é, na verdade, alguém ainda mais humanitário do que seus protagonistas.

#7: Escreva o final antes mesmo de inventar o meio. Sério. Finais são difíceis, faça o seu funcionar logo de cara.

#7: Come up with your ending before you figure out your middle. Seriously. Endings are hard, get yours working up front.

Essa é uma que parece que foi feita com RPG em mente. Claro, como dito anteriormente, RPG não tem um roteiro, e gira exatamente em torno da exploração e do improviso. Se o narrador tem o meio da sua aventura muito bem desenhado e delimitado, o jogo acaba seguindo em um “trilho” pré-determinado. Mas algo totalmente improvisado também pode acabar simplesmente descarrilhando. O que fazer, então? Planeje muito bem seu começo, e aonde você espera que sua aventura vá terminar. O objetivo, o clímax final daquela aventura. Já o meio, deixe na mão dos seus jogadores.

Você deve apresentar o problema e os obstáculos. Claro, devem ser obstáculos possíveis de serem transpassados. Mas sua função como narrador não é ter todas as respostas para os desafios. Isso é onde entram os jogadores e suas mentes criativas. São eles que conduzem a investigação de um mistério, a preparação de uma grande batalha, as maquinações sociais e políticas que vão executar. Você deve, claro, conhecer o seu cenário e os recursos disponíveis. As pistas, os npcs, os reinos aliados e inimigos. Essas são apenas pecinhas de lego, que os jogadores vão decidir em que ordem vão montar. Buscando sempre o objetivo, no fim, de ter uma peça concluída.

Claro que o objetivo final pode, muitas vezes, não ser atingido. Seus jogadores sempre podem resolver fazer sopa com as peças de lego.

#8: Termine sua história, deixe-a ir mesmo que não esteja perfeita. Em um mundo ideal, você teria as duas coisas, mas siga em frente. Faça melhor da próxima vez.

#8: Finish your story, let go even if it’s not perfect. In an ideal world you have both, but move on. Do better next time.

Essa é bem simples e diz muito sobre o medo de começar a narrar. Todo mundo já passou, em algum momento, por essa ânsia de perfeição durante a criação de uma história ou projeto. Mas minha mãe sempre dizia que é melhor feito do que perfeito. Siga em frente, execute. Anote as falhas, aprimore-as da próxima vez. Lave e repita.

Este conselho também pode falar muito sobre a hora de encerrar uma campanha. Algumas campanhas se arrastam indefinidamente, até que eventualmente os personagens já nem lembram mais por que estão se aventurando pelo mundo. Em algum momento, até mesmo o mais bravo herói retorna para casa e pendura sua espada. Junte este conselho com o anterior, e trace sua meta para O Final da sua campanha. E a conclua.

#9: Quando você está empacado, faça uma lista de coisas que NÃO iriam acontecer. Muitas vezes a ideia para te desempacar vai aparecer daí.

#9: When you’re stuck, make a list of what WOULDN’T happen next. Lots of times the material to get you unstuck will show up.

Já se pegou planejando a próxima sessão e ficou completamente sem saber para onde ir? Bom, as chances dizem que você provavelmente sabia para onde não queria ir com a história. Fazer uma lista de negativos ajuda nossos cérebros a tomarem decisões, pois temos mais facilidade em saber do que não gostamos do que do que realmente gostamos.

Você provavelmente não quer que os PJ’s tentem matar o Rei durante aquele encontro do briefing da missão. Você provavelmente não quer que seus Runners tentem entrar pela porta da frente da Aztechnology. Dificilmente você vai querer que seu neófito tente diablerizar um ancião na sua cidade. Bom, a não ser que você queira. Neste caso, a minha lista de coisas que você não quer já te faz pensar no que você realmente quer fazer. O que me leva à segunda parte do conselho que eu tenho para esta regra: Peça a opinião de outra pessoa.

Nada me coloca mais na linha do que eu quero do que perguntar pra alguém de quem eu sei que vou discordar. Uma opinião de fora sempre vai balançar seu jogo, te trazer novas perguntas e novas ideias. E mesmo que você discorde veementemente delas, elas só vão te empurrar para mais perto do que você realmente quer fazer.

#10: Destrinche as histórias que você gosta. O que você gosta sobre elas é parte de você, e você deve reconhecer o que é antes de poder utilizar.

#10: Pull apart the stories you like. What you like in them is a part of you; you’ve got to recognize it before you can use it.

É comum ouvir que você precisa se preparar para improvisar no RPG. Mas como você faz isso? Ao menos de forma eficiente? Consuma muita mídia, basicamente. Ideias não surgem do nada, e o ditado já diria que nada se cria, tudo se copia. Só que copiar tudo de um único lugar é plágio. Então o que você faz? Pesquisa. Se você vai narrar uma mesa de medieval, consuma mídia daquele gênero. Veja quais são os tropes — padrão narrativo usado para contar histórias — mais comuns. Descubra do que você mais gosta, e do que menos gosta nessas histórias. E aí bote tudo num grande liquidificador de ideias, para que o resultado seja terreno fértil pra sua imaginação criar em cima.

Misturar características diferentes de inspirações diferentes é o caminho mais rápido de fazer algo original. Elfos, anões e trolls não são algo original. Futuros tecnológicos distópicos também não. Mas eu aposto que se eu falar que meu Elfo Hacker está prestes a invadir uma megacorporação maligna, você vai imediatamente pensar em Shadowrun. E esse é o espírito da coisa.

Bom, por hoje é isso. Estamos quase chegando na metade da lista, o que significa que semana que vem tem mais! Aproveite para dizer qual foi a sua dica favorita até agora, e se alguma delas te fez refletir sobre seu modo de narrar! ^~

Parte 3: https://medium.com/bibliotecadasancestrais/narrando-segundo-as-regras-da-pixar-parte-iii-77335943adf7

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