Narrando segundo as regras da Pixar — Parte III

Hades Oneiroi
Luis Storyteller
Published in
5 min readMar 4, 2020
Imagem: Estúdios Pixar; Filme: Divertidamente; Edição por: Hades.

Voltamos com a parte III do artigo sobre como adaptar as regras de criação de roteiro da Pixar para suas mesas de RPG! Se ainda não leu a parte um e a parte dois, fique à vontade para ir conferir. As regras não possuem exatamente uma ordem definida, então você pode ler depois de conferir essas aqui. As lista que estamos abordando trás uma série de dicas da Pixar para criar roteiros para os filmes do estúdio, e apesar de RPG e o cinema terem pontos de divergência muito grandes, vamos tentar descobrir como usar esses conselhos em nossos jogos.

#11: Colocar as coisas no papel te permite consertá-las. Se elas ficarem na sua cabeça, como uma ideia perfeita, você nunca vai compartilhá-la com ninguém.

#11: Putting it on paper lets you start fixing it. If it stays in your head, a perfect idea, you’ll never share it with anyone.

Essa dica conversa um pouco com outra dica que analisamos anteriormente. Nela, dissemos que um jogo imperfeito é melhor do que jogo nenhum. Mas além disso, você precisa colocar as coisas no papel. Existem estudos que comprovam que guardamos melhor as coisas quando as escrevemos, e isso pode te ajudar muito no processo de começar a narrar.

Anote todas as suas ideias, sem censura. Coloque-as no papel na ordem que preferir, ou sem qualquer ordem. Só depois que tiver tirado tudo da cabeça e colocado no papel, comece a circular aquelas de que gosta mais. Existem formas interessantes de organizar suas aventuras, como fluxogramas ou mindmaps. Mas o importante, e o primeiro passo é anotar.

#12: Ignore a primeira coisa que vier à sua cabeça. E a segunda, terceira, quarta, quinta — Tire o óbvio do caminho. Surpreenda a si mesmo.

#12: Discount the 1st thing that comes to mind. And the 2nd, 3rd, 4th, 5th — get the obvious out of the way. Surprise yourself.

Agora pegue a lista de ideias que você fez no item anterior e risque os clichês. Claro, clichês existem porque funcionam. Isso é um fato. E não existe problema em você usar o clichê se você e seus amigos estão começando agora. Mas sejamos honestos, depois de algum tempo jogando RPG, a gente cansa daquele velhinho aparentemente bondoso que contrata os personagens na taverna e depois se mostra ser o vilão. O Príncipe seco, de olhos gélidos e que destrata os neófitos da cidade é mesmo a única opção que temos? Necessariamente aquele Ventrue precisa ser um empresário com traços de “psicopatia” tão apurados?

Se você quer evitar cair na mesmice, anote os clichês. Anote a primeira, a segunda e a terceira ideia. Colocando-as no papel, elas vão abrir espaço para que seu cérebro pense em coisas menos óbvias, mas provavelmente tão ou mais interessantes e funcionais quanto o clichê. Claro, isso não é um passe livre para você abandonar toda a lógica e verossimilhança do seu plot. O improvável geralmente exige um pouco mais de preparação e justificativa. Mas pode ser bastante recompensador.

#13: Dê opiniões aos seus personagens. Passivo/maleável pode parecer bom enquanto você escreve, mas é um veneno para o público.

#13: Give your characters opinions. Passive/malleable might seem likable to you as you write, but it’s poison to the audience.

Existe coisa mais incômoda do que um personagem sem personalidade? Aquele NPC que parece que foi recortado em papel cartão e não tem um pingo de profundidade? Mesmo que seja um NPC aleatório que teus jogadores encontraram na beira da estrada e você sequer tenha um nome para ele, é importante dar uma “voz” a ele. Quem ele é, do que ele gosta, do que ele NÃO gosta? O que ele busca, quais seus sonhos e medos? Claro, você não precisa preencher uma lista enorme sobre figurantes. Mas o ideal é que pelo menos UMA característica interessante eles tenham.

Nessas horas uma tabela com características vai ser sua melhor amiga. Você pode encontrar várias em sites e blogs que escrevem sobre rpg, e elas ajudam bastante. Uma característica para personagens figurantes é o suficiente. Duas se for alguém com um peso maior na trama, e por aí vai. Sabe aquela taverna em que os personagens sempre se reúnem no final de suas missões? O taverneiro vai marcar muito mais seus jogadores se for um homem gentil, e seu maior desejo for reencontrar o filho desaparecido. Isso pode até vir a ser explorados pelos jogadores como um gancho de aventura. Faça seu mundo e seus NPCs parecerem sempre vivos.

#14: Por que você precisa contar essa história? Qual é o combustível que queima dentro dela, e do qual ela se alimenta? Esse é o coração da história.

#14: Why must you tell THIS story? What’s the belief burning within you that your story feeds off of? That’s the heart of it.

Aqui é uma boa hora pra entender o que te faz tão apaixonado não só pela sua história, mas pelo teu jogo como um todo. O que nesse plot mais te agrada? Por que ele mexe tanto contigo e com teus jogadores? Qual seu monstro favorito, teu sistema favorito? Como você pode encaixá-los de forma orgânica na história que quer contar?

Muitas campanhas acabam morrendo no caminho, não só pela falta de tempo dos envolvidos, mas porque em algum lugar o momentum da história se perdeu. Se conectar com aquilo que faz aquele jogo tão divertido, e inovar nas formas de explorar isso vai manter teu jogo vivo por muito mais tempo.

Errata: Cometemos o grandessíssimo vacilo de pular a regra número 5. Então aqui está ela. Acho que eu resolvi simplificar a lista e acabei me esquecendo dessa regra lol

#5: Simplifique. Tenha foco. Combine personagens. Não desvie do principal. Você sentirá como se estivesse perdendo material valioso, mas ficará mais livre.

#5: Simplify. Focus. Combine characters. Hop over detours. You’ll feel like you’re losing valuable stuff but it sets you free.

Quando for criar tuas aventuras, é normal que você queira colocar diversas complicações e obstáculos para os seus jogadores. E as vezes, só as vezes, a gente pesa a mão. Não porque o jogador não deva ser desafiado constantemente. Ele deve. Mas porque ter tudo planejado não te dá margem para adotar as sugestões dos jogadores.

Poucas coisas são mais criativas do que as sugestões que os jogadores dão pro narrador, mesmo que de forma involuntária, que possa complicar suas próprias vidas. Ouça e esteja atento, e insira aquilo que for útil no teu jogo. E não hesite em abrir mão de uma cena, npc ou situação apenas porque você a planejou de antemão. Se você sentir que ela não vai funcionar no teu jogo naquela sessão, apenar guarde-a para outro dia em sua maleta de ideias. Tudo sempre pode voltar para o jogo em outra sessão. Essa é a graça do RPG, ele não tem um roteiro, e as coisas podem ser mais maleáveis.

Por hora é isso. Já cobrimos 14 das 22 regras, e teremos mais duas partes para este artigo. Espero te ver aqui da próxima vez para mais dicas.

Parte 4: https://medium.com/bibliotecadasancestrais/narrando-segundo-as-regras-da-pixar-parte-iv-3a669969eb04

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