Desenvolvendo um chatbot do zero

Suzana Mesquita Demétrio
Bots Brasil
Published in
10 min readDec 20, 2019

Como processos de UX ajudaram a criar um assistente virtual que auxilia a parar de fumar

Imagem de mohamed Hassan, Pixabay

Há pouco mais de três meses recebi um convite para participar da Tribots, projeto de desenvolvimento de chatbots para organizações que apoiam a Agenda 2030 da ONU (para entender melhor sobre a Agenda 2030, sugiro acessar o site do programa. Em resumo, trata-se de um plano de ação para o desenvolvimento sustentável do planeta).

Eu, como jornalista/redatora e migrando para UX writing, vi essa oportunidade como uma forma de aprender novas habilidades na área e ainda contribuir para um mundo melhor.

Por isso, vou compartilhar aqui as etapas do desenvolvimento da Vitória, primeiro chatbot do projeto, e os desafios e aprendizados que eu e o Leandro Souza, idealizador da Tribots, tivemos até agora nessa empreitada.

Objetivo 3.9A: como nasceu a Vitória

Para iniciarmos o projeto, escolhemos trabalhar o objetivo 3.9A da Agenda 2030, que é o de fortalecer a implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, tratado internacional para a prevenção e controle do uso de produtos do tabaco.

Agenda 2030, Organização das Nações Unidas

Chegamos a entrar em contato com ONGs que apoiam a causa e verificar o interesse em terem chatbots entre seus canais de comunicação, mas não tivemos retorno positivo, mesmo oferecendo o trabalho de forma voluntária.

Apesar disso, não desistimos. Resolvemos criar a solução sem que ela estivesse vinculada à alguma instituição. Até porque, com ela pronta, seria mais fácil despertar o interesse de stakeholders.

Bem, depois de realizarmos diversas pesquisas sobre tabagismo e entrevistas com fumantes (que iremos detalhar a seguir), percebemos a oportunidade de criar um chatbot que ajuda fumantes a pararem de fumar, compartilhando dicas sobre o processo de parada e abordando questões como benefícios de abandonar o cigarro, malefícios do fumo à saúde e opções de tratamentos.

O nome que demos ao bot é Vitória e, por se tratar de um produto digital, utilizamos algumas práticas de UX design em seu processo de desenvolvimento. Confira o passo a passo que seguimos:

Passo 1: análise do problema

Para entendermos a situação do tabagismo no Brasil e no mundo, analisamos diversos relatórios da Organização Mundial da Saúde, Ministério da Saúde, Instituto Nacional do Câncer, entre outras instituições e também conversamos com profissionais da saúde e fumantes.

Nesses levantamentos, observamos que apesar de nos últimos anos o Brasil ter reduzido significativamente o número de fumantes em razão da implementação de políticas públicas específicas, o tabagismo ainda afeta quase 10% dos brasileiros e é considerado um dos mais graves problemas de saúde pública no país e no mundo.

Para se ter uma ideia, o cigarro é o principal responsável pelos casos de câncer de pulmão, neoplasia mais comum e letal do planeta, e está relacionado ao desenvolvimento de outros 50 tipos de doenças, como as que afetam o coração e a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) — condições com altos índices de óbitos.

E os impactos do fumo não se restringem só à saúde. Os gastos anuais com o tabagismo no Brasil giram em torno de R$ 56 bilhões e estão relacionados a despesas com saúde e perda de produtividade causada por incapacitação de trabalhadores ou morte prematura. No mundo, os prejuízos correspondem a mais de 1 trilhão de dólares.

Oferecer ajuda aos fumantes pode mudar esse cenário

O tabagismo é classificado como uma doença por gerar dependência química, psicológica e comportamental. Portanto, quem fuma enfrenta inúmeras dificuldades para cessar com o cigarro e, na maior parte dos casos, a única saída é por meio de tratamento clínico, que envolve uso de medicamentos e acompanhamento psicológico.

Mas de acordo com a OMS, quase todos os fumantes que querem parar de fumar tentam abandonar o fumo por conta própria, sem contar com assistência profissional. E de todas as tentativas, apenas 4% são bem sucedidas.

Por esse motivo, o relatório Offer Help to Quit Tobacco Use, elaborado pela OMS e divulgado esse ano, reforça a importância de investimentos em programas que oferecem ajuda aos fumantes. Estima-se que cerca 60% dos que fumam desejam parar de fumar. E muitos não sabem que o tabagismo é uma doença ou que existe tratamento gratuito, por exemplo.

Segundo o documento, iniciativas como aconselhamento em consultas médicas, canal telefônico gratuito de orientações (já existente no Brasil) e intervenções por mensagens de texto podem dobrar as chances de uma pessoa parar de fumar, além de serem medidas fundamentais para as nações atingirem as metas da Agenda 2030 no que diz respeito ao controle do tabagismo. Essa última informação nos deu a certeza de que estávamos no caminho certo. 😊

Passo 2: benchmarking

O nosso próximo passo foi realizar uma pesquisa para saber se já existiam soluções conversacionais de apoio a fumantes. No Brasil, não encontramos nenhuma. Já, fora do país, achamos dois chatbots de Facebook com propostas semelhantes à nossa.

O primeiro deles, Stopsmoking, não divulga informações do projeto e, por isso, não conseguimos identificar o país de origem. Em princípio, parece ser norte-americano e não possui site e nem muitos seguidores.

Já o segundo, Stoptober/ NHS Smoke Free, é uma iniciativa bem bacana do governo britânico, que encoraja o usuário a permanecer 28 dias sem cigarro. A ferramenta serviu como referência para algumas das ações da Vitória.

Passo 3: pesquisas com usuários

Para entendermos as necessidades do público-alvo, desenharmos a persona do chatbot e atestarmos algumas das informações que obtivemos nas pesquisas anteriores e até mesmo algumas hipóteses que levantamos, fizemos um questionário online e o compartilhamos nas redes sociais e entre fumantes conhecidos.

Abaixo, colocamos algumas das perguntas do nosso questionário, mas se quiser visualizar todas, clique aqui.

● Qual sua profissão?

● Qual seu grau de instrução?

● Há quanto tempo fuma?

● O que sabe sobre os malefícios do cigarro?

● Já tentou parar de fumar? Se sim, quantas vezes?

● Quais foram as dificuldades encontradas nas tentativas?

● Deseja parar de fumar?

● Quais alternativas você procuraria para abandonar o cigarro?

● Hoje, o que te impede de parar de fumar?

● Você usaria um serviço para celular que te ajudasse a parar de fumar?

● Você sabe que existe tratamento gratuito contra tabagismo no SUS?

● Quais redes sociais mais utiliza e com qual frequência?

Resultados da pesquisa

No total, obtivemos 35 respostas que nos deram uma breve noção de como os fumantes pensam e, principalmente, se usariam uma ferramenta digital que ajudasse a parar de fumar. Sabemos que a amostra de respostas é baixa e, por isso, pretendemos realizar novas pesquisas, conforme aprimoramos a solução.

Veja algumas das principais informações que coletamos a partir da pesquisa:

Passo 4: definição da persona

Com os resultados da pesquisa em mãos, traçamos a persona (que corresponde ao perfil de usuário do chatbot). Veja o resultado:

Nome: César Barcelos

Sexo: masculino

Idade: 31 anos

Atividade: subgerente

Estado civil: solteiro

Grau de instrução: pós-graduado

Onde mora: São Paulo

Mídias sociais que consome: Facebook, WhatsApp, Instagram. Acessa todas elas várias vezes ao dia.

Objetivo: parar de fumar

Influência: amigos e família

Frustrações: não consegue parar de fumar; se sente muito estressado em não conseguir controlar a vontade; não tem força de vontade

Citação: “Fumar é muito bom” / “Fumo em situações e horários específicos”

Passo 5: desenvolvimento do chatbot

Essa etapa está dividida em seis ações. São elas:

  • Preenchimento do canvas de negócios

Depois de finalizados os processos anteriores, estruturamos as principais informações do chatbot em um canvas, ferramenta de planejamento estratégico que facilita a visualização e organização das etapas necessárias para a criação do chatbot.

De forma sucinta e clara, classificamos objetivos, público-alvo, personalidade do bot, ciclos de conversa, contexto, intenções do usuário, entre outros dados. O modelo do canvas foi disponibilizado pela Zenvia em um roadshow da empresa, que aconteceu em Porto Alegre, nos dias 20 e 21 de março deste ano.

  • Definição da personalidade do chatbot

Apesar de o chatbot não estar vinculado à uma organização com identidade e objetivos próprios, nós realizamos um brainstorm e definimos a persona da Vitória, de acordo com o perfil e necessidades do público-alvo da solução.

Essa etapa é importante para manter a consistência do tom de voz do robô nas interações. Veja as características que definimos:

Mulher, 30 anos, solteira e sem filhos. É confiável, tranquila, otimista, acessível, divertida, casual, compreensiva e respeitosa. Trabalhou no auxílio dos grupos de apoio a ex-fumantes. Possui amplo conhecimento sobre o assunto e pode auxiliar fumantes com informações e conselhos.

  • Escolha do canal

Na pesquisa com os usuários observamos que o canal digital preferido dos entrevistados é o messenger do Facebook. Acreditamos que esse dado esteja ligado ao grande alcance da rede social no Brasil (o país é o terceiro com o maior número de usuários da rede social no mundo — 130 milhões -, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e Índia, segundo levantamento da Cuponation).

Portanto, escolhemos essa rede social para desenvolver o chatbot. Além disso, criamos uma fanpage para o projeto com postagens que incentivam interações com o robô.

  • Criação das interações

A Vitória foi estruturada em fluxos previstos de diálogos, com sugestões de respostas para o usuário escolher. Assim, deixamos claras as informações que desejamos passar e situamos o usuário sobre o que se espera dele como resposta para as perguntas.

Com relação aos textos, buscamos seguir as premissas de UX writing ao criar diálogos claros, objetivos e em formato de blocos. Também diversificamos algumas das mensagens de erro e tentamos dar um tom otimista e encorajador a algumas partes (correspondente à persona da Vitória) para deixar o chatbot mais humanizado.

Vale ressaltar que as informações e dicas fornecidas pelo chatbot ao usuário têm como referência dados de órgãos oficiais de saúde, como Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde e entrevistas que realizamos com profissionais da área.

  • Organização dos fluxos de interações

Existem várias formas de executar essa atividade. A que escolhemos permitiu organizar os diálogos de maneira rápida e visual, facilitando a etapa seguinte, que é a da programação.

Em um arquivo de excel, criamos uma aba com a lista de todas as intenções/ assuntos que o chatbot vai abordar e, na sequência, uma aba para cada intenção, onde incluímos os fluxos das conversas e alguns parâmetros de organização, como etapas e status das ações.

Classificar os fluxos de conversa e adicionar parâmetros de organização facilita o trabalho em equipe e a programação do chatbot
  • Automação dos diálogos com o Chatfuel

Para automatizar os diálogos, buscamos uma ferramenta de fácil integração com o Facebook e que fosse apropriada para o desenvolvimento de chatbots de fluxos previstos.

Por isso, optamos pelo Chatfuel, que além de ser uma plataforma intuitiva e de fácil manuseio, oferece muitas funcionalidades na versão gratuita, sendo uma ótima opção para quem está iniciando no mundo dos chatbots.

Passo 6: testes e validação com usuários

Depois de finalizado o chatbot, começamos a fase dos testes com usuários para sabermos se a ferramenta realmente atende às necessidades do público-alvo; se as informações são úteis; se a linguagem é clara e acessível; e quais mudanças seriam necessárias para aperfeiçoarmos a ferramenta.

Para isso, a divulgamos entre amigos, colegas e pessoas que responderam às nossas pesquisas anteriormente.

A aceitação da Vitória tem sido positiva, mas sabemos que ainda é preciso realizar mais testes com usuários e definir a identidade visual do produto.

Nos próximos artigos, mostraremos os resultados das avaliações e as melhorias.

Converse com a Vitória!

Acesse: http://bit.ly/VitoriaContraTabaco

Conhecer a sua opinião é muito importante para o aperfeiçoamento da ferramenta! :)

O que a Vitória nos ensinou até agora?

Ao contrário do que muitos imaginam, criar um chatbot é uma atividade complexa, porque não envolve apenas pensar na ferramenta em si e sair criando conversas. É preciso, antes de mais nada, realizar muitas pesquisas, entender o contexto dos usuários, o que pensam e o problema que se quer resolver. Afinal, é a solução do problema e a experiência das pessoas com o assistente virtual que vai ditar o sucesso do projeto.

Por isso, as etapas anteriores à criação dos fluxos de conversa e programação do chatbot foram as que mais demandaram nosso tempo. Mas ainda estamos aprendendo. Sabemos que há muitos testes pela frente e que talvez precisemos refazer os passos e até mesmo incluir alguns outros no meio do caminho.

Se você gostou do artigo, deixe uma palminha para sabermos que o conteúdo foi útil! Se tiver algum comentário ou dúvida sobre o processo de criação do chatbot, é só compartilhar aqui embaixo! Adoraremos saber a sua opinião. 😊

Quer saber mais sobre a Tribots? Acesse o site do projeto.

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