Autonomia e direitos de decisão na inovação.

Ximena Alejandra Flechas
Bridge Ecosystem
Published in
4 min readJun 7, 2021

Em textos anteriores, apresentamos vários exemplos práticos de empresas que desenvolveram suas inovações aplicando a lógica de ecossistema (por exemplo o caso da Michelin, do iFood e da Tesla). Do ponto de vista macro-organizacional, a forma como estes casos evoluíram pode parecer fluido e bastante orgânico, porém, muitas mudanças internas e estruturais tiveram que acontecer para atingir os resultados esperados. Neste texto vamos explicar uma dessas mudanças que as empresas inovadoras têm aplicado e que apesar de aparência óbvia e simples, acaba sendo muito complexa e determinante no comportamento inovador das organizações: a autonomia e os direitos de decisão.

A autonomia, no âmbito organizacional, se refere à capacidade dos indivíduos de terem a liberdade e critério para planejar e executar suas tarefas como acharem melhor. Já os direitos de decisão se referem ao componente da governança organizacional no qual é definido quem decide o quê e sob quais condições. Mas o que tem a ver estes conceitos com os processos de inovação das empresas? Bom, bastante se fala que para as empresas serem consideradas competitivas no contexto atual devem aderir a um comportamento ‘mais empreendedor’, que está relacionado com ser mais inovador (i.e., criar e capturar valor de formas inéditas) e mais ágil. Para isto, as empresas devem adotar um conjunto de valores e orientações que modifiquem vários processos, incluindo a tomada de decisões. Para ser mais ágil, a empresa deve adotar um desenho organizacional mais horizontal onde mais indivíduos tomem decisões e consigam avançar sem mais delongas nas suas atividades.

Por exemplo, em uma multinacional de engenharia que estudamos, desenvolviam-se vários projetos de inovação radical, porém, como já foi explicado em textos anteriores (a falha nos processos de inovação), muitos destes projetos fracassam e não podem ser levados à frente. Mas para decidir quais projetos continuavam ou não, eram feitos comitês de decisão que envolviam diretores e gestores, que aconteciam poucas vezes por mês. Esta dinâmica de tomada de decisão tinha dois efeitos negativos. Primeiro, prolongava o tempo da decisão, fazendo com que recursos ficassem presos a iniciativas de pouco valor por um certo tempo. E segundo, passava a impressão de que as lideranças não confiavam no critério das pessoas envolvidas diretamente nos projetos, e reafirmava a imagem de estrutura centralizada e vertical que não corresponde com uma organização inovadora. Após implementar uma série de medidas, a empresa reconfigurou alguns processos entre os quais estava a tomada de decisão em projetos de inovação radical. Na nova dinâmica, os participantes dos projetos estavam habilitados para tomar a decisão de go/no-go dos projetos nas fases iniciais. Eles tinham métricas e regras que ajudavam a avaliar o progresso das iniciativas. Desta forma, os projetos avançaram mais rapidamente e os participantes sentiam que a empresa estava tomando ações para se tornar numa empresa mais inovadora. Quando uma das respondentes foi perguntada sobre como ela percebia que a empresa de fato se tornava mais inovadora e ágil, ela respondeu: “por conta da maior autonomia”. Ela explicou que quanto mais autonomia e capacidade de decisão era dada aos empregados, maior o seu comportamento empreendedor. Para ela, dar autonomia era a evidência de que mudanças estavam acontecendo, e que sem dúvida os projetos fluíam mais rapidamente e promovia nos empregados um comportamento mais proativo.

Contudo, implementar maior autonomia envolve mudanças significativas no modelo de governança da organização, o que torna esta implementação complexa. Mudar o modelo de governança organizacional necessariamente envolve mudar regras que muito provavelmente foram institucionalizadas e amplamente difundidas. Mais ainda, uma particularidade que tem as mudanças nos direitos de decisão, é que outorgar direitos de decisão a uma parte que anteriormente não tinha, envolve tirar de outra parte esses direitos. Ou seja, se uma empresa dá direitos de decisão sobre go/no-go de projetos aos engenheiros de produto, os diretores que outrora tomavam esta decisão, devem prescindir destes direitos. Pode parecer simples, mas ‘tirar’ direitos das lideranças nem sempre é fácil, principalmente em empresas e indústrias muito tradicionais onde se valoriza muito o status e a hierarquia. Dar direitos de decisão (e em geral qualquer direito) também envolve que a outra parte — no nosso exemplo, a diretoria — é obrigada a respeitar as decisões feitas pelos responsáveis do projeto.

Certamente existem muitas decisões que requerem uma visão mais estratégica do negócio e devem continuar sendo tomadas pelos líderes da organização. O objetivo é alcançar um equilíbrio entre a centralização e descentralização na tomada de decisão, assegurando o controle estratégico da firma sem detrimento do senso de autonomia individual que é muito importante para manter um alto nível de comportamento inovador na organização.

Esperamos que este texto tenha sido do seu interesse. No final deste artigo, poderá encontrar algumas referências acadêmicas, caso você queira se aprofundar no tema! Até uma próxima.

Referências.

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Klein, P. G., Mahoney, J. T., McGahan, A. M., & Pitelis, C. N. (2019). Organizational governance adaptation: Who is in, who is out, and who gets what. Academy of Management Review, 44(1), 6–27. https://doi.org/10.5465/amr.2014.0459

Puranam, P., Singh, H., & Zollo, M. (2006). Organizing for innovation: Managing the coordination-autonomy dilemma in technology acquisitions. Academy of Management Journal, 49(2), 263–280. https://doi.org/10.5465/AMJ.2006.20786062

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