O papel da regulação nos Joint Labs

Lorenna F Leal
Bridge Ecosystem

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Em nossos textos anteriores no tema de Joint Lab [O que é um Joint Lab? ; Quais os desafios de definição de portfólio e escopo de um Joint Lab? e Bridgemaker: Fazendo a ponte entre Universidade e Empresa no Joint Lab], apresentamos a definição e algumas caraterísticas dos Joint Labs, bem como alguns dos seus desafios de gestão e o papel do Bridgemaker para o desenvolvimento e atuação do Joint Lab. Nesse sentido, um dos papéis realizados pelo Bridgemaker é de realizar a regulação do Joint Lab em nível de portfólio e de projetos. Nesse texto aprofundaremos o que é a regulação e qual seu papel no contexto dos Joint Labs.

Historicamente, ao lidar com a dificuldade de selecionar um portfólio de inovação, considerando os diferentes níveis de inovação possíveis, a estratégia da empresa e as limitações de tempo e recursos, as empresas têm recorrido a duas lógicas fundamentais distintas: o balanceamento e a separação. O balanceamento do portfólio consiste em estabelecer um mix diversificado e balanceado de projetos, considerando diferentes fatores, como risco, taxas de retorno, oportunidades de diversificação, grau de inovação (incremental, radical), horizonte e tempo e objetivos estratégicos.

A separação estrutural do portfólio consiste em separar os diferentes tipos de projetos para garantir o acesso a recursos. Geralmente se trata da separação de projetos de inovação radical dos demais projetos da empresa, e até mesmo da estrutura da empresa dado que esses possuem alta incerteza, dificultando análises de retorno do investimento. Com isso, a tendência é que projetos de inovação radical não sejam levados à frente, dado que os gestores são orientados à redução da incerteza e ainda porque a inovação radical pode até mesmo competir e/ou ameaçar o próprio core business. Essa separação pode ser realizada em diferentes departamentos da empresa ou até mesmo com a criação de instituições completamente separadas do core business.

A regulação, portanto, aparece como uma lógica alternativa ou ainda complementar às lógicas anteriormente apresentadas, podendo ser executada a nível de portfólio, em uma perspectiva de longo prazo, ou ainda a nível de projeto, em uma perspectiva mais de curto prazo. O conceito de regulação tem sido aplicado ao contexto de inovação, em situações na qual se apresenta uma tensão entre dois objetivos distintos. No caso dos joint labs, essa tensão se apresenta nos interesses contrastantes entre universidade e empresa na formação do portfólio. A universidade, por um lado, tem como foco o que chamamos de development, que está associado à criação de novas tecnologia, foco no longo prazo, e geração de conhecimento; a empresa, por outro lado, tem como foco o que chamamos de deployment, que está associado à esforços inovadores de aplicação de dadas tecnologias e conhecimentos para a solução de problemas concretos, que possam ser comercializados.

No contexto dos Joints Labs, a aplicação de uma lógica de balanceamento, mantendo um mix diversificado de projetos em termos de grau de inovação e horizonte de tempo pode não fazer sentido, dado que projetos mais aplicados, de curto prazo podem não ser atrativos para a universidade ou podem ser melhor executados internamente na empresa. Além disso, quando considerada uma perspectiva temporal, mesmo que exista um mix de projetos, pode ser interessante variar a proporção entre projetos de development e de deployment, de acordo com o contexto vigente. Portanto, a regulação pode representar uma lógica alternativa nesse caso.

Por outro lado, o próprio Joint Lab pode representar parte de uma estratégia de separação estrutural do portfólio da empresa, abarcando projetos de inovação radical da mesma. Ou seja, a regulação pode representar uma lógica complementar à de separação estrutural nesse caso. Outro ponto a se considerar seria que ambas as abordagens tradicionais (balanceamento e separação estrutural) consideram que inovação radical e incremental consistem em diferentes projetos, ou seja, que em geral não coexistem dentro de um mesmo projeto. Porém, projetos de P&D podem conter aspectos de inovação radical e incremental juntos, oferecendo oportunidades de geração de resultados intermediários, em adição ao resultado final do projeto. Com isso, a regulação a nível de projeto pode ser relevante ao permitir a coexistência de development (longo prazo) e deployment (curto prazo).

A Regulação no contexto de Joint Labs é a compreensão de que em alguns momentos a balança vai pesar mais para um lado, em outros momentos vai pesar mais para o outro lado. O essencial é o acompanhamento e controle para garantir que a balança nunca pese demais para um dos lado a ponto de perder sua integridade, ou seja, a ponto de romper a parceria ao adotar apenas um foco em development ou em deployment. A Regulação é a realização de concessões por cada um dos lados, de acordo com o contexto vigente, de forma a manter a saúde da parceria. Para tal, a flexibilidade de ambas as instituições (universidade e empresa) e o papel dos Bridgemakers são essenciais para a elaboração e execução de um portfólio de projetos que alcance todo seu potencial de development e deployment.

Em nossas pesquisas, observamos diferentes abordagens para a regulação e para o gerenciamento do conflito development vs deployment. Em alguns Joint Labs, havia a tentativa de adotar uma visão linear sequencial no portfólio, ou seja, os primeiros projetos a serem executados tinha como foco o development (desenvolvimento de tecnologias) e os projetos seguintes tinham como foco o deployment (aplicação da tecnologia). É claro que nem todos os projetos avançavam com a mesma velocidade, então, em um dado momento, haviam projetos de dado tema ainda em development, enquanto projetos de outros temas já haviam avançado para deployment. Uma segunda abordagem observada é a paralela, na qual atividades de deployment eram executadas ao mesmo tempo que a atividades de development para um mesmo projeto de certa temática e/ou no nível de portfólio, geralmente aproveitando resultados intermediários do development para geração de valor e/ou melhoria de processos. Já a última abordagem observada é a contextual, na qual o foco muda entre development e deployment de acordo com as necessidades do momento. Por exemplo, quando existe uma cobrança maior da empresa em relação a resultados mais rápidos (frutos baixos), ou quando existia uma oportunidade de pesquisa que demanda maior foco da universidade em development.

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Lorenna F Leal
Bridge Ecosystem

Eng. de Produção pela UERJ, mestre pela USP. Linkedin: lorennafleal