Sol Alegria (2019)

Calebe Lopes
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3 min readJul 18, 2019

A balbúrdia na época da barbárie

Sol Alegria é um dos filmes mais impressionantes que o cinema brasileiro pariu nos últimos tempos. O restante deste texto será uma grande redundância a esta primeira afirmação.

Em tempos de cinema político e social brasileiro, de cartas-filme devidamente endereçadas, é gostoso acompanhar uma obra que é política por existir, é subversiva por ser, que é “cinema brasileiro” como há um tempo não se via no Cinema Brasileiro.

Aliás, primeira e forte impressão que o novo filme escrito e co-dirigido por Tavinho Teixeira traz é isso, é de um cinema brasileiro esquecido e renegado ao cafona, ao marginal. Não se fazem mais filmes como Sol Alegria no nosso cinema, e somos mais pobres por isso. O filme co-realizado por Mariah e Tavinho Teixeira parte do passado, do cinema inventivo de Joaquim Pedro de Andrade e Rogério Sganzerla, por exemplo, para refletir um Brasil de lá mas também de cá.

No centro do palco, uma família muito doida que segue à risca o que o Bandido da Luz Vermelha já dizia no filme sessentista: Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha. Avacalha e se esculhamba. É a esculhambação quem rege a trupe de personagens, num filme onde o mais dionisíaco caos é a maior prova de controle (de si). São personagens que, em meio à barbárie, preferem a balbúrdia, e retomam para si o direito e o dever de viver e morrer.

Ao mesmo tempo que conversa com essa tradição tropicalista e inventiva do cinema brasileiro do passado, a obra jamais soa um mero pastiche. Não apenas esteticamente Sol Alegria é uma clara continuação de uma visão artística lindamente apresentada em Batguano (2014), como também uma espécie de homenagem a esse tipo de cinema que se perdeu após a Retomada. É impressionante como tudo, da montagem à mise-en-scène, da atuação à fotografia, do figurino aos excepcionais desenho e mixagem de som, absolutamente tudo converge em unidade no tipo de cinema que se busca resgatar. Todas as partes entenderam o objetivo, e quando o todo acerta o alvo é bonito de ver.

As imagens têm irreverência mas exalam bom humor, construindo um tom interessantíssimo de apreensão diante do farsesco. É na intenção da espetacularidade que os Teixeira colocam seus personagens em cena, e é através da cena que os fazem viver e sobreviver. O cinema é um artifício que eles dominam, e é através dele que continuam. O frescor é tamanho, que a impressão de estar vendo algo novo é recorrente, mesmo com tantos e evidentes ecos do passado. Para mim o sabor é ainda maior pelos Teixeira trabalharem tão bem com artifícios tão outrora frágeis para um cinema de subdesenvolvimento, como a projeção e o chroma-key, e conseguirem extrair potências imagéticas do que seria brega e cafona, como já escrevi aqui antes.

Os adjetivos são fartos porém incompletos. O que se encontra aqui é um cinema que celebra a liberdade e sonha enquanto não a alcança. É um filme que celebra o descontrole e a imperfeição, onde tudo é tão preciso que nada parece ser realmente ensaiado. É a alegria, acima de tudo, o gozo acima de todos. Uma pequena jóia do cinema brasileiro.

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