Vivendo num pequeno grande país

Quando cheguei ao Uruguai, não estava nos meus planos fazer desse país um lar permanente. Mas aqui estou!

Regiane Folter
Histórias que queria ter contado
12 min readDec 17, 2017

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Em julho de 2014 minha expectativa era somente viver um ano aqui e voltar pro Brasil — ou até mesmo terminar indo pra outro lado. Quando esse tempo acabou, decidi que ficaria um ano mais, totalizando dois e já estava mais que bem. Mas fui ficando, ficando, e fiquei até hoje. Um trabalho, uma pequenina família de dois humanos e um gato, amigos, conta de luz no meu nome. Sim, o Uruguai é minha casa.

Cheguei no Uruguai graças a uma experiência mais na AIESEC, como comecei a contar no post anterior sobre a Argentina. Fui parte da organização aqui no Uruguai por dois anos e por esse tempo meu propósito de permanecer no país tinha muito a ver com meu compromisso com essa organização. No primeiro ano fui parte de uma equipe (três argentinos e eu, com quem aprendi a tomar mate e falar “Che, boluda”), e no ano seguinte estive em outra (com um mexicano e duas brasileiras).

Em maio de 2016, a um mês de terminar minha experiência AIESECa, refleti muito e decidi que as raízes que me ligavam ao país eram mais profundas do que eu imaginava. Eu sentia falta da minha família, sim. Do arroz com feijão, dos abraços apertados, de escutar música sertaneja com as amigas, de tudo. Mas também sentia que deveria ficar. Acredito que as duas principais razões se chamam oportunidades e Jachu.

Oportunidades porque novas portas já se estavam abrindo para mim aqui e queria aproveitar! E Jachu, porque esse é o nome do senhor meu namorado, um grande companheiro de vida, outro estrangeiro perdido que encontrou um lar nesse pequeno país entre nossas duas casas.

De tempo em tempo sinto meu propósito no Uruguai mudar. Hoje sigo aqui porque o estilo de vida que temos me faz bem. A tranquilidade da cidade, a abertura das pessoas, as amizades, o mate quentinho na beira da praia… São uma infinidade de pequenos prazeres que me fazem sentir plena. O Uruguai foi o palco de muitas mudanças em mim; a cultura do país e muitas pessoas especiais daqui tiveram grande influência na minha transformação. Para resumir, hoje o Uruguai é o lugar onde me sinto mais eu mesma, uma versão feliz e melhorada graças a tudo que pude viver aqui. Então, por enquanto, tem sentido continuar ficando.

Amanhã, quem sabe?

Vivendo em Montevidéu

Eu poderia falar de Montevidéu em mil e uma histórias (e até comecei a fazer isso, com uma série de crônicas chamadas “Um Montevidéu”). Sempre vivi na capital do país, embora tenha mudado de casa quatro vezes desde que cheguei. Já vivi na frente do importante edifício sede da Intendência municipal, no icônico Palácio Salvo e agora moro pertinho do tranquilo Parque Rodó.

Montevidéu está rodeado por um calçadão (rambla em espanhol, soa mais lindo) e, embora não tenha praias paradisíacas, é lindo caminhar por aí nos fins de tarde tomando mate e falando da vida. O mais curioso é que a imensidão de água que nos rodeia é mais doce que salgada: estamos onde o rio de La Plata se encontra com o Oceano Atlântico, uma mistura que quanto mais pro leste, mais mar se torna.

Basicamente, Monte combina tudo que eu mais gosto em uma cidade: por um lado a tranquilidade de ver o horizonte e sentir a brisa do oceano, por outro todas as facilidades de uma cidade grande (mesmo que o Starbucks ainda não tenha chegado ao país, snif). Além disso, toda a cidade parece ir num ritmo diferente, mais desacelerado. Não se enganem: também há trânsito e correria em Montevidéu! Mas há mais momentos de tranquilidade que agitação, e muitas paisagens lindas e verdes, com vários corredores de árvores ladeando as ruas principais da cidade.

Eu sigo descobrindo novos cantinhos pra visitar, mas listei algumas coisas que valem a pena conhecer na capital uruguaia:

Caminhar pela Ciudad Vieja

Almoçar no Mercado do Porto

Descobrir a mistura do novo e velho na arquitetura do Centro percorrendo a avenida 18 de Julio

Palácio Legislativo

Mercado Agrícola

Torre Antel

Trajeto Prado: Museu Blanes, Rosedal & Jardim Botânico, Parque Prado

Fortaleza do Cerro

Parque Rodó

Estádio Centenário (dá pra ver a taça do mundo de perto!)

Feira de Tristán Narvaja

Cartel de Montevidéu

Cassino Carrasco

Cenas da capital uruguaia

Segunda cidade mais visitada: Colônia

Acredito que Colônia del Sacramento seja a segunda cidade onde mais estive depois de Montevidéu. É uma cidadezinha pitoresca às margens do Rio de la Plata: do outro lado da imensidão de água está a Argentina.

Por isso, Colônia é parada obrigatória de quem viaja até a Argentina pela linha de transporte que normalmente escolhemos: de Montevidéu a Colônia de ônibus, e de aí a Buenos Aires em um buquebus (espécie de balsa). Além disso, Colonia é linda. Estive lá com minha mãe, meu irmão, com Jachu e outros amigos, então todo o trajeto mais turístico já sei de cor! Inclusive é possível recorrê-lo caminhando.

Sair da terminal de ônibus, andar pela rua que ladeia o rio até chegar em um muro de pedra histórico é como experimentar um flashback e conhecer um pouco mais do Uruguai colonial. As ruas, casas e construções em geral ainda se conservam como eram quando Colônia era um ponto militar estratégico nos conflitos entre Portugal e Espanha. Há vários museus e outros lugares interessantes para conhecer (como o Farol ou a Plaza de Toros), e todos estão a uma distância de alguns passos ou ao menos de fácil acesso de ônibus. Ou, se preferir, é possível alugar um mini jipe e percorrer a cidade com estilo :D

Cabo Polônio, o lugar mais lindo do mundo

Somente estive uma vez no Cabo, mas a experiência foi tão maravilhosa que já comecei a pregar que qualquer pessoa deveria passar ao menos uma noite nesse povoado/reserva ecológica. No Cabo, tudo é mais simples. A regra é viver com menos.

Isso se reflete nas ruas abertas diretamente na areia (sem asfalto, semáforo, calçada ou qualquer tipo de ordem), nas casas improvisadas (todas minúsculas, feitas com pedaços de madeira e outros materiais reciclados), nas redes penduradas em cada canto, no som constante do mar que está sempre a alguns passos de qualquer lugar. Energia elétrica é exceção à regra, por isso as casas normalmente não contam com mais de algumas fontes de luz simples e improvisadas. Para tomar um banho quentinho, fervemos a água no fogão, por exemplo.

Para chegar até o Cabo tomamos um ônibus em Montevidéu que nos levou até às portas da reserva. Daí, tivemos que subir em uma espécie de caminhão para seguir o trajeto. É proibido entrar no Cabo com qualquer outro tipo de meio de transporte. Aquele lugar é lindo de dia, repleto de sorridentes turistas ou nativos, todos jogados na areia da praia ou arriscando-se na água gelada do mar. Além disso, dá pra passear por algumas das feirinhas de artesanato, ver a vista preciosa do Farol ou dar oi para os leões marinhos curiosos que às vezes se aproximam. Mas na realidade o importante mesmo é gostar de praia, de tomar sol, jogar conversa fora, caminhar pela beira do mar e tomar mate enquanto lê um livro sem pensar em nada. Muito relax.

Já de noite, você conhece o verdadeiro encanto do Cabo. A escuridão vai tomando conta conforme o sol vai dando tchau e logo não há mais luz. Ou ao menos não do tipo que estamos acostumados! Dizemos adeus às lâmpadas e seu branco fajuto, e acostumamos os olhos a enxergar com a ajuda de velas, fogueiras ou do feixe de luz do farol que a cada 12 segundos dá uma volta completa em seu eixo. E tem o céu.

O céu de Cabo Polônio é sem dúvidas uma das coisas mais impressionantes que eu já vi. Todas as estrelas do mundo (todas mesmo!) estão nesse céu! Dá pra olhar pra cima e ficar horas descobrindo constelações e desenhos inventados naquele céu brilhante, invisível nas cidades grandes (e poluídas). Me lembro de caminhar pela areia, sem nenhum senso de direção naquela escuridão latente, mas também sem nenhum medo. Me sentia plena, feliz, completa. Como se tudo que eu precisasse estivesse ali, com aqueles amigos de fim de semana, aquele céu e a diminuta casinha onde nos tínhamos hospedado. Pura paz!

Punta del Diablo

O verão no Uruguai é a estação mais esperada e nessa época os montevideanos fogem da cidade pra passar os dias de sol em balneários frente ao mar. Buscando praias lindas e tranquilidade, no último Carnaval fomos até Punta del Diablo. Embora não tivesse o mesmo ar ecológico e rústico do Cabo, Punta del Diablo é uma adorável ex-aldeia de pescadores que foi crescendo e hoje é ponto de encontro de muitos jovens e turistas.

Em Punta del Diablo há duas praias principais, separadas por uns 20 minutos de caminhada. A região onde ficamos era muito mais rústica: pra chegar até a praia caminhávamos literalmente por uma pequena mata. Mais árvores e menos casas, era um lugar muito sereno e a vista era linda. Já na outra praia, vimos muito mais movimento. Além da praia, há vários restaurantes, lojinhas e mercados. Nessa parte de Punta fomos principalmente à noite, para comer e ver os desfiles de Carnaval.

Piriapólis

Outra cidade de praia muito linda para passar o dia é Piriapólis. É divertido percorrer o calçadão, tomar sol nas suas praias pequeninas, visitar o porto e andar de teleférico. Tudo em Piriápolis é delicado e reduzido, e por isso mesmo dá pra fazer muito em pouco tempo. Além dessa parte mais praieira, perto do centro da cidade está também uma reserva de fauna e flora tipicamente uruguaios que vale a pena visitar. Ver os bichinhos e respirar o ar puro da mata é refrescante, além de que também dá para subir um morro (se tiver feeling de atleta) e admirar a vista.

Punta del Este

Punta é provavelmente o destino mais conhecido do Uruguai, no exterior. A cidade badalada abriga mansões de muitos famosos, além de restaurantes e lojas exclusivas e um porto que no verão se enche de iates, um mais grande que o outro. Mas talvez essas sejam as razões menos interessantes para ir a Punta del Este.

Eu estive lá três vezes nesses três anos e aos pouquinhos fui conhecendo a suavidade que a cidade tem, assim como todos os balneários no Uruguai. Mesmo sem haver estado por lá no auge do verão, meus passeios em baixa temporada me permitiram ver uma Punta del Este mais serena, ventosa e encantadora. O trajeto turístico que começa nos Dedos, escultura de um chileno que representa o contato do homem com a natureza, e percorre toda a costa de Punta del Este me mostrou uma cidade minúscula e pacífica. Quase não há grades e muros em Punta del Este, nem mesmo nos casarões mais imponentes.

Além de uma série de museus, passeios e praias lindas (não fique só com a versão baladeira, há muito pra ver!), a minha parte preferida da cidade com certeza é La Barra. Para chegar a esse bairro, é preciso passar por uma ponte curva que te faz sentir numa montanha-russa! Esse pedacinho de Punta del Este é muito colorido, cheio de vida e excelente para passar o dia tomando sol e relaxando.

Perto de Punta está também um dos edifícios mais icônicos do país, a Casapueblo. Esta mansão pitoresca foi construída sem nenhuma linha reta pelo artista expoente do país, Carlos Paez Vilaró. Hoje é um museu que abriga suas obras, sua história e que todos os dias, ao por do sol, realiza um espetáculo no terraço principal. Enquanto todos olham a vista esplêndida e acompanham a descida do sol, alto-falantes ecoam por todo o lugar a poesia “Ceremonia del Sol”, escrita pelo artista.

Quem levei na mala (e no core)

Na minha trajetória até o Uruguai, eu não imaginava que as duas pessoas que me esperavam no aeroporto em Ezeiza, Buenos Aires, seriam tão significativas em todo o processo de mudança e adaptação ao país que hoje é meu lar. Esses dois rostos sorridentes que me receberam quando aterrissei foram meus companheiros durante as seis semanas argentinas e os três anos em Montevidéu: um é meu namorado hoje e a outra é uma das minhas maiores amigas. Curiosamente, embora sejam as pessoas mais importantes dessa experiência uruguaia, ambos são argentinos haha!

Por aqui conheci muitas pessoas especiais também. O uruguaio tem esse jeitão tranquilo à primeira vista, mas é um dos perfis mais divertidos e festeiros que já conheci! Vários amigos e colegas de trabalho estão presentes no meu dia a dia, e fazem meu cotidiano mais feliz. Acho que o mais importante é que com os amigos uruguaios (e mesmo os que não eram tão amigos assim), eu sinto que aprendi sempre. Eles me mudaram, me receberam na sua cultura e me mostraram comportamentos e maneiras de pensar que eu não conhecia, e sou imensamente grata por isso.

5 coisas random que nunca vou esquecer…

  • O Carnaval mais longo do mundo
    Não disse que eles eram festeiros? Durante todo o mês de fevereiro o país organiza diferentes atividades para celebrar o Carnaval, desde desfiles de rua, até apresentações de murga nos teatros ao ar livre. Tudo isso ao som dos tambores do candombe!
  • Verde EVERYWHERE
    As árvores estão em todos os lados em Montevidéu, assim como os parques que se enchem de pessoas fazendo picnic ou descansando nos dias de sol. Adoro caminhar pelas ruas e avenidas da cidade onde arcos de árvores enchem as calçadas e deixam tudo mais fresco e suave.
  • Chivito, dulce de leche, gramajo…
    As comidas típicas do Uruguai são deliciosas e, bom, nem tão saudáveis assim haha! Mas de vez em quando, não há mal nenhum em jantar um delicioso chivito ou gramajo e comer de sobremesa um alfajor repleto de doce de leite, né não?
  • Tomar mate
    No Uruguai aprendi a tomar mate (o famoso chimarrão dos gaúchos brasileiros), e aprendi principalmente que tomar a bebida é um ritual. Com os amigos no calçadão ou com os companheiros no trabalho, preparar o mate e compartilhar enquanto trocamos ideias é uma atividade comunitária que me fascina. Além disso, o mate é um grande aliado no frio invernal!
  • A feira
    Ganhei novos hábitos vivendo aqui e um deles é o de ir a feira nos finais de semana. Por ser um país com alto custo de vida, comecei a fazer a compra de alimentos na feira mais para economizar que qualquer coisa. Mas hoje sei que também vou a feira pela qualidade das frutas e legumes, e pela experiência de percorrer a avenida Salto, onde está a feira que eu frequento.

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Regiane Folter
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