O que sonham os acordados
O luar acariciava os cabelos da jovem que dormia com tranquilidade dentro do carro. A noite estava quente a ponto de arrebatar qualquer sono de um olho fechado; e uma calma melodia tocava quando ela percebeu que estava sozinha e parada em alguma rua vazia da cidade.
Foram horas e mais horas de viagem e ela já não sabia há quanto tempo estava dormindo nessa fuga. Deixou para trás a família e um bilhete assinado por lágrimas e desculpas; um testamento de que eles jamais entenderiam essa migração desejada entre e lástimas e culpas.
Seus pensamentos eclodiram com a canção. Um violão amargurava notas lentas e embaladas pelo acaso tal como a lâmpada piscando na esquina. A tensão das cordas era refinada por uma mão que logo se revelaria tão hábil como a voz doce e delicada que dava vida à história de um pássaro que escolheu as montanhas ao invés da vida no ar.
A voz cortou subitamente como se o carro poupasse sua própria bateria e, ao mesmo tempo, algumas lágrimas da passageira. Foi quando a porta do carro abriu e deu passagem para a bela motorista que topou fazer essa jornada rumo ao incerto. Em suas mãos estava um punhado de notas, dois copos com café e a pressa de colocar a chave na ignição.
“Porque não liga o rádio? Estava passando uma música tão boa”.
Foi então que ela lhe contou que o carro não tinha nenhum rádio.