Do consumidor ao penal: Quando uma lata amassada pode se tornar um problema criminal.

Vinícius Assumpção
Contrarrazões
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3 min readAug 1, 2018
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Seria apenas uma lata amassada, um produto que não estava em plenas condições de consumo (apesar de estar dentro da validade), um item que ficou na prateleira mais tempo do que deveria… Nada disso foi intencional, mas, por descuido de algum dos tantos funcionários, o fato aconteceu. E, como um consumidor atento reparou, resolveu ir ao órgão de defesa do consumidor para reclamar, o que, aliás, era um justo direito seu. Acontece que a Delegacia do Consumidor era no mesmo prédio e ele aproveitou para registrar também uma ocorrência policial por crime contra as relações de consumo. Não tendo identificado prontamente um responsável direito, a autoridade convocou para a semana seguinte os três sócios do supermercado para depor. Não, os sócios não tinham qualquer conhecimento ou participação no ocorrido, porém eram sócios e foram notificados para uma audiência com o Delegado.

A atividade empresarial que envolve o contato direto com o consumidor é uma zona bastante sensível. As pessoas estão ciosas dos seus direitos e isso é um avanço, todavia excessos e abusos também podem ocorrer, o que faz da situação descrita neste texto tão hipotética quanto comum. A Lei nº 8.137/90, mais conhecida por tratar dos delitos contra a ordem tributária, criminaliza a exposição de produto impróprio para consumo (art. 7º, IX). São considerados impróprios produtos fora da validade, deteriorados, avariados, em desacordo com as normas regulamentares (um rótulo que não contenha a descrição exigida, por exemplo), dentre outros. Pois bem. Como sabemos, pessoas jurídicas não respondem por crime, exceto em casos de dano ambiental, de forma que, não raro, a Delegacia investiga os sócios da empresa para descobrir de quem é a responsabilidade pelo fato. Se pensarmos em supermercados de médio ou grande porte, estamos falando no erro de um repositor, um promotor de vendas ou um gerente de operações resultando em consequências para a alta gestão. É preocupante.

Crimes como esses têm pena de 2 a 5 anos, podendo ser aumentada em 1/3 em algumas situações definidas em lei. Apesar da sanção relativamente alta, são infrações que admitem acordos com a Justiça, portanto o mais preocupante não é exatamente o risco de prisão — muito reduzido, na prática -, mas a exposição negativa para a empresa e seus diretores. É preciso ter bastante sensibilidade ao conduzir casos assim, sob pena de prejudicar a posição que a empresa tem no setor. Exemplo concreto disso é a resistência dos diretores em comparecer à Delegacia por achar que é um absurdo prestar esclarecimentos quando a conduta foi praticada por outra(s) pessoa(s). Essa postura, embora seja compreensível, pode agigantar o problema, gerar desgastes e indisposição com quem investiga. O crime pode ser (indevidamente) atribuído a eles pelo simples fato de não terem se apresentado para dar maiores explicações, gerando até mesmo um “efeito cascata” negativo — o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público.

Há diversas formas de contornar incidentes como esses. É possível se antecipar em relação a algumas medidas que costumam ser tomadas pelas autoridades públicas, colaborando com o que está sendo apurado e, simultaneamente, preservando a alta gestão. Atitudes como essa tendem a blindar a imagem da empresa, protegendo da divulgação dos fatos em canais de comunicação e nas redes sociais. Verificar se as mercadorias que são ditas impróprias foram objeto de perícia e de que modo ela foi realizada também é um passo relevante, mas há um modo e momento certos para abordar esse aspecto, bem como para acompanhar diligências e indicar provas a serem produzidas. O que não se pode é aguardar passivamente o deslinde de apurações como essas por achar que são irrelevantes, afinal uma lata amassada na prateleira do mercado pode gerar muito mais problemas do que se imagina…

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Vinícius Assumpção
Contrarrazões

Advogado Especializado em Advocacia Penal Empresarial. Professor de Processo Penal.