Aborto: Ilegal para quem?

Jéssica Moraes
Cyberfam Matutina
Published in
4 min readApr 8, 2015

Jéssica Moraes — 08/04/2015

Marcha das Vadias em Brasília

Milhões de mulheres decidem interromper a gravidez todos os anos no Brasil. Muitas delas morrem, outras não. O assunto é tabu, gera polêmica. Politica e religião se misturam . Algumas pessoas acham que cabe a elas decidir o que a mulher pode ou não fazer com seu próprio corpo. A realidade é que mesmo sendo crime, ele acontece. Muitos se perguntam: quanto vale uma vida?

A mulher pobre, muitas vezes negra, sem escolaridade, marginalizada pela sociedade é quem mais sofre as consequências da falta de amparo por parte da lei. E essa mulher, sem recursos, que ao descobrir uma gravidez inesperada, recorre aos famosos “açougueiros” para realizar um aborto. Muitas dessas mulheres têm complicações terríveis, e outras morrem.

Também existem mulheres que marcam hora, vão a clinicas de bairros nobres com cirurgiões diplomados. Os equipamentos são esterilizados, e elas bem atendidas. Essas mulheres pagam, e não é pouco. E tem sua vida preservada. E é essa realidade que difere a ilegalidade do aborto para a mulher brasileira. O aborto só é ilegal para a mulher pobre.

Passeata da Marcha Mundial das Mulheres — 2013

Mesmo se todas as mulheres do mundo usassem os dois métodos anticontraceptivo: pílula e camisa, haveria gravidez indesejada. A política não da suporte, nem atenção para que a mulher possa decidir o que fazer com seu corpo, e findar uma gravidez que não tem condições de seguir em frente. Muitos dizem frases como “na hora de fazer gostou”, e “para fazer foi mulher”, mas se esquecem de ver que o aborto do pai da criança se dá quando ele abandona a namorada, quando ele insistiu em uma relação sexual em que ela não estava preparada. Muitos não veem a realidade da mulher de mais idade, que já tem filhos e chegou a um consenso com o marido decidindo pela interrupção.

A descriminalização do aborto não fará com que uma mulher acorde um dia pensando “que belo dia, vou abortar”, ou que decida correr riscos nas relações sexuais só porque há uma saída. A descriminalização não incentiva o aborto. O Uruguai legalizou a prática, e com isso nenhuma mulher morreu nos procedimentos, inclusive o número de abortos diminuiu. A legislação brasileira prevê o aborto em alguns casos. Mas fica a dúvida: Devemos sempre seguir a lei?

Grande parte das médicas e juízas, e esposas de médicos e juízes já abortou. Essa é uma realidade presente no Brasil. De cada cinco mulheres, uma já fez aborto. A descriminalização é necessária para que outras “Elisângelas” não morram em uma cama fria, ou tenham o útero perfurado por uma agulha de crochê. Os que se dizem contra a prática afirmam que é assassinato, mas a ciência afirma que até a décima segunda semana de gestação o feto não tem sistema nervoso formado, ou seja, não tem aquilo que faz de nós humanos.

Marcha das Vadias do Rio de Janeiro -2013

Aborto não é religião. Até porque 60% das mulher que abortam se dizem católicas. Aborto é questão de saúde publica. O necessário seria cada um olhar para si: não é a favor do aborto? Não aborte. Mas não levante bandeiras condenando mulheres que recorreram a prática. Ninguém conhece a realidade por trás de cada uma. No fundo nenhuma mulher é a favor do aborto, pois ninguém quer passar por isso. Ninguém quer sua privacidade invadida, seu corpo violado, sua intimidade exposta. Ninguém quer fazer parte de estatísticas, pois é isso que a mulher que aborta é: estatística. As mulheres só querem o direito de escolher. Escolher o que fazer com seu corpo.

Lares adotivos estão com suas lotações máximas. Muitas mães matam, abandonam, jogam os filhos de sacadas, em rios. E tem gente que acha que abortar é pior. Nem toda mulher nasceu para ser mãe. Nem toda mulher quer ter filhos. E a saída para isso seria qual? Nunca fazer sexo? Talvez seja a opinião de muitos sexistas, machistas, misóginos que não entendem que a mulher tem os mesmos direitos dos homens e pode fazer sexo casual, pode ter vários companheiros e não ser taxada de expressões maldosas e de baixo calão. E quando essa mulher, sexualmente ativa, engravida sem querer, usando os métodos anticontracepitivos, ou não, e nunca desejou ser mãe, o que ela deve fazer? Pôr um filho no mundo e não amá-lo? Não respeitá-lo? Achar que ele atrapalhou sua vida? O aborto não é nem de longe a pior saída. É uma opção que existe em vários países desenvolvidos, mas essa realidade parece o Brasil? E ao contrario do que pensam, a descriminalização não é banalização. É uma luz no fim do túnel para muitas mulheres clandestinas.

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