Uma Análise da Política Externa de Haddad

Bruno Pedrosa
Friday Night Talks
Published in
5 min readOct 2, 2018

Nacional, marxista e “do Sul global”. É dessa maneira que eu vejo o plano de política externa do candidato à presidência Fernando Haddad.

Bebendo da tradicional política altiva e ativa dos anos de Celso Amorim, o plano de ação do ex-prefeito da cidade de São Paulo tenta buscar os anos perdidos de protagonismo internacional e a intensificação das relações com o Sul global. Desse modo, a diplomacia brasileira não tentaria se integrar à dinâmica global como a da Marina ou de seguir o diktat das potências democráticas igual ao Bolsonaro, mas iria à busca de um engajamento internacional que diminuísse tanto a sensibilidade quanto a vulnerabilidade do Brasil em relação aos centros mundiais de poder econômico, político e militar.

Depois dessa breve introdução, mergulhemos no plano Brasil Feliz de Novo (esse é o nome do documento) que se encontra aqui.

O plano começa mostrando o caráter marxista do partido. Com uma crítica ao sistema capitalista global afirmando que a crise que aconteceu (talvez seja a de 2008, há 10 anos atrás) impactou negativamente o Brasil e os nossos vizinhos, o PT diz que as potências centrais utilizam dessa situação para sabotar os países mais periféricos tanto internamente quanto externamente. Nessa crítica o partido mostra simpatia à Venezuela, quando afirma-se que essas ações, dos países poderosos, se dá em “especialmente os detentores de importantes reservas de petróleo”.

Em relação ao governo atual (apesar de no campo da política externa ser uma herança da confusa ação de Dilma), Haddad critica a passividade e submissão do país, afirmando que houve uma “desconstrução da integração regional; desinvestimento na vertente geoestratégica Sul-Sul; abandono da aposta em um mundo multipolar e da postura equilibrada e negociadora em conflitos regionais”.

Já no que tange o cenário internacional como um todo, o plano vê uma ambivalência. Por um lado ele que vê o ressurgimento do unilateralismo (exs: mudança da embaixada americana de Tel-Aviv para Jerusalém e o Brexit) e o esvaziamento das organizações internacionais (retirada do Brasil e Argentina da Unasul, e dos EUA do Conselho de Direitos Humanos da ONU) pode gerar “grandes riscos, como exacerbação de conflitos e ações militares unilaterais”, ao mesmo tempo, o partido vê que esse novo modus operandi apresenta uma janela de oportunidade para o Brasil tomar medidas mais autônomas. Isso se dá pelo processo de multipolarização (vários pólos de poder significativo), o qual mitiga a influência do Ocidente alargando a margem de ação de países menos poderosos, como o Brasil.

Depois dessa contextualização, o plano segue com suas propostas.

Primeiro de tudo, o partido vê a importância da diversificação das relações diplomáticas e a exploração de novos parceiros internacionais. Aumentar a integração latino-americana, foco na África (chamada de “continente-mão da Nação brasileira), aprofundar o multilateralismo (principalmente com os BRICS). Tudo isso mostra a preocupação de Haddad com a desvinculação cada vez maior dos centros tradicionais de poder (EUA e Europa) para uma configuração de um mundo pós-ocidental, sempre com o objetivo de aumentar a autonomia do Brasil.

Isso pode se confirmar também na proposta de “desenvolvimento de novos instrumentos de cooperação e reformas nos organismos multilaterais”. Assim como Marina, o PT vê que as relações e dinâmicas globais mudaram, e que as velhas estruturas de instituições globais (a maioria arranjadas no período de pós-Segunda Guerra Mundial) não representam mais o arranjo de poder internacional. O mundo mudou, então as estruturas devem acompanhar esse compasso. Por exemplo, uma das medidas é busca da transformação do G-8 ( as nações mais industrializadas) para o G-20 que compreende os 20 maiores PIBs do mundo, representando muito mais o caráter global.

Nessa busca de uma maior autonomia, o plano do partido relembra os tempos da política externa de Celso Amorim e sua abertura a mercados negligenciados pelo capitalismo global, como a América Latina, Oriente Médio e África. Ao buscar o aprofundamento com esses países, o Brasil, (provavelmente mais rico e industrializado que qualquer desses continentes individualmente) poderia projetar sua influência e poder, sendo o primeiro entre os últimos, e não o último entre os primeiros. Essa ideia pode ser uma plataforma para o Brasil se fortalecer mediante os grandes e, se não for acatado, pelo menos ser ouvido.

Além disso, o Brasil pretende ressuscitar a Unasul e seu Conselho de Defesa. Por que isso seria importante? Esse Conselho de Defesa representava a primeira vez que países sul-americanos criariam uma política de defesa sub-continental de maneira autônoma, sem a tradicional interferência americana ditando condições para os sul-americanos. Desse modo, o reingresso do Brasil nessa instituição legitimaria seu objetivo e sua existência para a América do Sul como um todo, se reafirmando como líder da região e aumentando sua autonomia. No entanto, Haddad vê que alcançar essa integração será difícil devido ao espírito anti-globalista da atualidade ao afirmar que “ Isso exigirá forte vontade política.”

Uma novidade do plano para a política externa brasileira é a construção da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos que teria ajuda da “histórica vitória de Lopez Obrador”. Esse fato é digno de de destaque pois o plano não cita a Argentina nenhuma vez, mas, sim, o México. Desse modo, a integração da América Latina seria facilitada pelo fator ideológico e não mais geográfico, já que as relações braso-mexicanas nunca foram estreitas, ainda mais para um projeto de construção institucional conjunta.

Entretanto, isso não quer dizer que o Cone Sul foi esquecido. Com planos melhorar a infraestrutura dos membros do MERCOSUL através do FOCEM (órgão que propõe uma melhor integração estrutural dos membros do bloco pela disparidade econômica entre os membros), o plano de Haddad prevê um aprofundamento com o bloco levando a cabo projetos parados e visando a superações de entraves no desenvolvimento dessa integração.

No entanto, eu fico pensando, com que dinheiro ele fará tudo isso ? Temos que lembrar que, pelo seu PIB e tamanho, o Brasil é esperado como paymaster (aquele que banca) dos processos de integração da América Latina. Além disso, o custo de bancar diplomatas, conferências, fóruns e cúpulas é muito alto para um país que não cresce nem 2% ao ano e que tem 14 milhões de desempregados.

Portanto, apesar de ver a política externa do Partido dos Trabalhadores como coerente com a dinâmica global atual e benéfica para a autonomia brasileira, aumentando seu protagonismo global mas eu gostaria de saber como bancaríamos isso tudo.

Termino esse texto com uma frase do duque de La Rochefoucauld que diz:

Nós prometemos segundos nossas esperanças; e nos retemos segundo nossos temores.

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