O futebol que se lê em Madri

Com três livrarias separadas por menos de 130 metros, fica difícil escolher os livros que o (limitado) dinheiro permite comprar

Bruno Rodrigues
Futebol Café
10 min readMar 14, 2019

--

Futebol, futebol e mais futebol nas estantes de uma livraria em Madri (Crédito: Bruno Rodrigues/Futebol Café)

Há duas semanas, tive a oportunidade de realizar um sonho pessoal: assistir ao clássico Real Madrid x Barcelona, no Santiago Bernabéu. Um convite de LaLiga ao jornal me levou a Madri para a cobertura do jogo, que terminou com vitória catalã por 1 a 0, gol de Rakitic. Quando soube da viagem, o calendário ainda não havia definido o outro clássico, pela Copa do Rei. Ou seja, em um intervalo de sete dias, vivi diretamente da capital espanhola o ambiente de um Real x Barça em dose dupla. Voltei realizado pessoalmente.

A semana que antecedeu a partida foi ocupada quase que inteiramente pela programação definida por LaLiga. Visitamos (eu e os outros jornalistas convidados) todos os clubes de Madri e da região metropolitana: Rayo Vallecano, Getafe, Leganés, Atlético de Madri e, claro, o Real.

Sobrou pouco tempo livre. E nesse pouco tempo livre, menos tempo ainda para poder caminhar pela cidade e conferir o que há de futebol escrito nas livrarias do centro madrileno. Mais ou menos como no ano passado, em outra viagem a trabalho, numa passagem quase relâmpago por Montevidéu.

Sorte a minha que em uma dessas brechas da programação de LaLiga, entre um treino do Atlético de Simeone e o clássico na noite de sábado (2), havia três livrarias separadas por menos de 130 metros entre elas. Todas situadas a alguns passos da estação Callao do vasto metrô de Madri.

Fnac e La Central foram onde encontrei as opções mais interessantes. Mas havia também o Corte Inglés, última uma enorme loja de departamentos ao estilo da finada Mappin, com um dos andares dedicados exclusivamente ao setor de papelaria, música e livros. E com uma seção esportiva bastante decente para quem está acostumado ao padrão brasileiro sobre o tema nas livrarias daqui.

Abaixo, o Futebol Café lista o que de mais legal (e diferente) encontramos nas estantes de cada uma delas. Fiquem à vontade.

Fnac

  • “Brasil 50 — Retratos del Mundial del Maracanazo”, de Toni Padilla: Jornalista e historiador, Toni Padilla reconstrói a Copa do Mundo de 1950 a partir dos perfis de 40 protagonistas daquele Mundial, desde Obdulio Varela e Barbosa até o haitiano Joe Gaetjens, que defendeu a seleção norte-americana e foi o autor do gol da histórica vitória dos Estados Unidos sobre a Inglaterra. Com um trabalho de pesquisa e entrevistas exclusivas, Padilla dá uma roupagem moderna e fresca ao relato do torneio marcado pelo Maracanazo.
    (18,90 euros — R$ 85,00*)
  • “Cómo leer el fútbol”, de Ruud Gullit: O cabeludo Gullit foi um dos representantes de toda uma geração do futebol holandês que marcou história nas principais ligas e torneios da Europa, incluindo os enfrentamentos entre seleções. Um livro para os amantes do jogo, o qual Gullit, ex-jogador, técnico e comentarista, tenta explicar através de padrões e de sua experiência de dentro do ambiente futeboleiro como observar e analisar os 90 minutos de um jogo de futebol.
    (17,90 euros — R$ 80,55)
  • “Di Stéfano — La Historia Completa”, de Ian Hawkey: Tive há algumas semanas a oportunidade de conversar com Ian Hawkey por telefone e de perguntá-lo sobre algumas passagens do livro. Entre as mais interessantes, há o relato, extraído das memórias de Alberto Granado, do encontro entre Di Stéfano e Ernesto Che Guevara na Colômbia. Che fazia sua viagem pela América do Sul enquanto o jogador atuava pela liga pirata colombiana após uma greve de futebolistas na Argentina. Di Stéfano queria falar e saber sobre a Argentina, pois sentia saudades de casa, e Che queria falar sobre futebol, objeto de seu interesse. Ali, antes de que se tornassem figuras históricas, eram apenas um Ernesto e um Alfredo, ambos argentinos, jogando conversa fora. Essa e outras passagens estão na biografia de Hawkey, jornalista inglês que foi correspondente por 11 anos do Sunday Times em Madri.
    (17,90 euros — R$ 80,55)
  • “Una vida demasiado corta”, de Ronald Reng: Publicado pela Editorial Contra, este livro conta a história da morte do goleiro alemão Robert Enke, que se suicidou em 2009 aos 32 anos. Enke jogava no Hannover 96 e havia chegado inclusive à seleção nacional. Mas por trás dos contratos vantajosos e da sonhada vida de jogador profissional, ele enfrentava nas sombras seu adversário mais duro: a depressão. Ronaldo Reng era amigo de Enke e conta a história de como o goleiro chegou à elite e, de repente, viu sua vida desmoronar no duelo contra a doença. A obra foi vencedora do prêmio William Hill Sports Book Award de 2011.
    (19,90 euros — R$ 89,55)
  • “Kaiser!”, de Rob Smyth: Carlos Henrique Raposo entrou para a história do futebol tupiniquim como o “Forrest Gump brasileiro”. Mas com roteiro de filme de Sessão da Tarde, em que frases ditas nos comerciais como “Malandro, aprontou poucas e boas com muita curtição e pouco futebol” poderiam resumir perfeitamente o que foi a carreira de Carlos Kaiser. O livro de Rob Smyth, publicado pela prestigiada editora Penguin, é provavelmente o relato mais completo da surreal trajetória do rei do chinelinho entre os boleiros.
    (14,25 euros — R$ 64,00)
  • “Catenaccio — El arte de defender”, de Álex Couto: Na capa, uma linda foto da Inter de Milão de Helenio Herrera, bicampeã europeia nos anos 60. No conteúdo, porém, a Inter de Herrera é só a ponta da evolução do Catenaccio, esse modo tão italiano de encarar o jogo a partir de um pragmatismo coletivo que vê na defesa a estratégia para competir, para tornar suas maiores debilidades em fortalezas contra qualquer adversário. Com inspiração italiana, mas em língua espanhola, Álex Couto investiga os processos, as origens, os modelos dessa filosofia que moldou — e ainda molda — o futebol.
    (17 euros — R$ 76,50)

Calle de Preciados, 28 — Callao

La Central

  • “Hooligans Ilustrados”: Essa série, publicada pela editora Libros del K.O., tem volumes sobre vários clubes espanhóis, desde os maiores como Barcelona, Real Madrid e Athletic Bilbao, até os pequeninos como Rayo Vallecano, Real Oviedo e Real Murcia. Cada volume é escrito por um torcedor do clube, geralmente jornalista ou escritor, que relata sua paixão pelo time de coração e também um pouco da identidade de cada uma dessas instituições históricas do futebol espanhol. Os da foto, de Oviedo e Rayo, agora fazem parte da biblioteca do Futebol Café.
    (8 euros — R$ 36,00)
  • “Barraca y Tangana”, de Enrique Ballester: Também da Libros del K.O., “Barraca y Tangana” é uma coleção das crônicas de Enrique Ballester no diário Levante, de Valencia. Para quem gosta de cronistas que usam o futebol como pano de fundo para abordar outros temas da sociedade, a obra de Ballester pode ser interessante.
    (15,90 euros — R$ 71,55)
  • “Puskas”, de Daniel Entrialgo: Lançado no ano passado, o livro de Daniel Entrialgo conta a história do craque húngaro Ferenc Puskas no formato de novela. “Ao escrever o livro, descobri que se pode contar a história do século 20 por ele”, disse o autor em entrevista ao diário As. Entra tantas passagens, Puskas viveu a Segunda Guerra, o auge do nazismo e também do comunismo na Hungria e ainda foi técnico em cinco continentes diferentes. Detalhes e histórias de uma carreira bastante conhecida do atleta, mas não do homem por trás do jogador de futebol.
    (19,90 euros — R$ 89,55)
  • “Fútbol Contra el Enemigo”, de Simon Kuper: Arrumo qualquer desculpa para falar sobre este livro porque simplesmente acho que é o livro a ser citado como referência de reportagem no futebol. Só no blog ele já entrou em duas listas: a de 10 livros que todo fã de futebol deve ler e, infelizmente, também na de 5 livros de futebol que deveriam ser traduzidos para o português. O desejo do Futebol Café é que ele saia o mais rápido possível dessa segunda lista e que mais gente possa ter acesso à obra do Simon Kuper, que é um ponto de inflexão na produção de livros-reportagem sobre futebol.
    (18,50 euros — R$ 83,25)
  • “St. Pauli — Otro fútbol es posible”, de Carles Viñas e Natxo Parra: Não há clube de resultados esportivos tão ruins que tenha a projeção mundial do St. Pauli, o segundo time de Hamburgo, reduto de jovens de esquerda, de punks, de gays e lésbicas… O clube de toda a comunidade alternativa da cidade alemã, adotado por diferentes cantos do globo terrestre como a equipe dos ideais (não a ideal porque, convenhamos, disputar a segunda divisão alemã não é lá muito animador). “O St. Pauli é a constatação de que outra forma de entender o mundo e o futebol é possível”, diz o material de divulgação da editora Capitan Swing. Com um clube com esse, seria pedir demais que o nome da editora fosse normal.
    (18,50 euros — R$ 83,25)
  • “Fear and Loathing in LaLiga”, de Sid Lowe: Houve um tempo em que Juventus e Milan faziam o clássico mais badalado do mundo. Essa época, porém, já ficou para trás e não tem previsão de retorno enquanto Barcelona e Real Madrid não deixarem. O duelo tomou proporções estratosféricas desde o fim da década passada, quando Pep Guardiola assumiu o Barça e, posteriormente, com Mourinho no banco merengue, protagonizavam o jogo mais aguardado do futebol mundial. Foi o clássico de Messi x Cristiano Ronaldo e também o enfrentamento entre visões de nação e estado, uma discussão não tão acesa nos dias de hoje como já esteve há alguns anos. É sobre toda a cultura do clássico que escreve o jornalista inglês Sid Lowe, analista de futebol espanhol para o Guardian e correspondente de outros veículos na Espanha. “Fear and Loathing in LaLiga” é referência para o leitor que queira entender Real x Barça.
    PS: Bateu um grande arrependimento de não ter trazido este livro.
    (14,50 euros — R$ 65,25)

Calle Postigo de San Martín, 8 — Callao

El Corte Inglés

  • “Leganés es de Primera”, de Daniel Abanda e David Aguilera: O livro conta os segredos e a trajetória do Leganés, simpático clube da região metropolitana de Madri, no acesso à primeira divisão espanhola, em 2016. Há três temporadas na elite do país, o time tem um dos lemas mais curiosos do futebol: “Sentimiento Pepinero”, cuja tradução é exatamente o que parece, o sentimento pepineiro. No passado, a região era estritamente agrícola e abastecia Madri de vegetais, principalmente de pepinos. Por isso, o Leganés adotou o pepino como símbolo e, inclusive, como mascote.
    (17,50 euros — R$ 78,75)
  • “Cuaderno de Mánchester”, de Luis Martín e Pol Ballús: Nesta obra, os autores fazem um retrato do trabalho e da vida de Pep Guardiola em Manchester. Mais ou menos como Martí Perarnau fez em “Guardiola Confidencial”, retratando a chegada e a adaptação do treinador ao Bayern e também à vida em Munique. O livro tem prólogo de Noel Gallagher, ex-Oasis, torcedor fanático do Manchester City.
    (17,10 euros — R$ 77,00)
  • “Fútbol — Una religión en busca de un Dios”, de Manuel Vázquez Montalbán: Nascido em Barcelona e torcedor do Barça, Montalbán foi dos mais renomados escritores espanhóis. E o futebol escrito deve muito a ele, já que não deixou a aura de intelectual afetar a sua paixão e a forma como se envolveu com o futebol ao longo da vida. Este livro é uma compilação póstuma de textos que estavam guardados em seu computador, reunidos pelo filho Daniel e publicados também como forma de homenagem à obra de Montalbán, que morreu em 2003. O leitor agradece.
    (20 euros — R$ 90,00)
  • “Hasta siempre Vicente Calderón”, de Patricia Cazón: Repórter do diário As na cobertura do Atlético de Madrid, a jornalista Patricia Cazón viu de perto as grandes proezas recentes do clube no Calderón, assim como a emocionada despedida dos colchoneros de sua eterna casa em 2017. No livro, Cazón faz um amplo trabalho de pesquisa e reportagem para contar a história da construção, os feitos esportivos de times inesquecíveis do Atleti e os depoimentos daqueles que, diretamente ou indiretamente, ajudam a contar a história não só do estádio, mas de toda uma comunidade e uma região da capital espanhola.
    (21,90 euros — R$ 98,50)
  • “Un mundo nuevo — Diario íntimo de Pochettino en Londres”, de Guillem Balagué: O argentino Mauricio Pochettino é hoje uma das coqueluches do futebol europeu quando o assunto é treinadores. Artífice de um trabalho muito bom no Tottenham, Pochettino abre as portas do clube e de seu dia a dia em Londres para o jornalista Guillem Balagué, que relata com a ajuda do técnico a intimidade, as dificuldades e os momentos de sucesso do argentino à frente do Tottenham na temporada 2016/2017. Uma obra para quem tem particular interesse em mergulhar no universo dos treinadores, com a vantagem de que, neste caso, o próprio ator principal é quem guia o leitor pelos meandros do trabalho de um técnico.
    (19,90 euros — R$ 89,50)

Plaza de Callao, 2 (Edifício 2) — Callao

*Os preços foram fixados de acordo com a cotação média de câmbio no período de 25/2 a 3/3: 1 euro p/ R$ 4,50

--

--