O tour pelos sebos de São Paulo que rendeu 4 livros e me custou só R$ 12

Entre trocas e vendas, até CD do Padre Marcelo Rossi teve papel importante para que eu conseguisse adquirir alguns bons livros

Bruno Rodrigues
Futebol Café
7 min readJan 9, 2018

--

*Quatro livros e apenas R$ 12 gastos: um bom saldo (Crédito: Futebol Café)

Fazia tempo que eu não recorria os sebos de São Paulo como fiz há poucas semanas. Durante um dia inteiro de dezembro passado, devo ter entrado em uns 10 lugares só no centro da cidade, fora outros nas Zonas Oeste e Sul, garantindo que, ao menos nessas regiões, consegui aproveitar o que tinha disponível. Um banho diário foi pouco para tirar todo o pó dessas andanças, sem contar o cheiro de naftalina de um dos livros que comprei, ainda forte enquanto escrevo estas linhas — eu, pelo menos, fiquei cheiroso mais rápido.

Me ajudaram nessa aventura minha namorada, dona de uma paciência tibetana, e uma pilha de livros e CDs, a maioria descartados pelos meus pais, que deixaram minha casa rumo aos sebos e, futuramente, irão às casas de seus futuros donos. Pelo menos é isso o que espero daquele CD do Belchior, que conservava intacto o selo do Mappin, e de um antigo guia de primeiros socorros da Drogaria São Paulo. Bravos guerreiros negociados em prol do aumento de títulos futebolísticos na estante.

O tour paulistano atrás de boa literatura de futebol rendeu um saldo de quatro livros que me custaram, no total, apenas R$ 12,00. Valor irrisório que só atingi por meio das trocas e vendas feitas com o acervo que partiu de casa.

Curiosos para saber o que trouxe dessa missão futebolística? Fiquem à vontade, e espero que não se importem com o pó.

Almanaque do Timão

(Crédito: Futebol Café)

Sabem os mais próximos que não sou corintiano. E quem não é tão próximo e está lendo isso, sabe a partir de agora. Perguntará, então, o leitor surpreso: “Por que raios você foi comprar esse livro?”. O Almanaque do Timão é referência no levantamento de dados históricos dos grandes clubes do Brasil. Descobri isso no papo com o Ademir Takara, bibliotecário do Centro de Referência do Futebol Brasileiro, que me explicou a importância do trabalho do Celso Unzelte, autor do Almanaque, para a sequência da literatura de futebol dedicada aos dados estatísticos e à histórias dos próprios clubes.

Esse livro foi o primeiro dos quatro que comprei. Aliás, não comprei. Ofereci uma porrada de CDs em troca dele, que custava R$ 20,00 em um sebo próximo à Praça da Sé. Lá se foram o Belchior, o Padre Marcelo Rossi, o Abba… E alguns do Chico Buarque. Papai ficou bravo com o Chico e decidiu se desfazer de todos os CDs dele. Questões políticas, acho eu. O dono do sebo me ofereceu R$ 40,00 mais o livro. Aceitei de bate-pronto, como Basílio em 77. Saí de lá achando que poderia ter conseguido um negócio melhor, mas depois me convenci de que fiz o que podia. Afinal, quem é que dá um CD do Abba e ainda recebe em troca o que quer?

Pelé - A autobiografia

(Crédito: Futebol Café)

Confesso: não conhecia esse livro do Pelé. Me deparei com ele em vários sebos durante a andança por São Paulo. No sebo em que comprei, também próximo da Praça da Sé, fiquei em dúvida entre a biografia do Rei e “Futebol: The Brazilian way of life”, de Alex Bellos, escrito em inglês. Este segundo, porém, estava mais caro e um pouco judiado. Em um primeiro momento, decidi andar mais um pouco antes de fechar qualquer negócio. Enquanto andava, pensava, pensava, pensava… Cheguei à conclusão de que valeria a pena se eu conseguisse trocar por alguns livros meus, sem colocar dinheiro.

Voltei ao sebo e troquei uma ideia com o dono que, a propósito, é uma grande figura. Disse que ainda vai ser político e sua única promessa será “não prometer nada”. Mas quanto aos meus livros, foi taxativo: “Não faço trocas. Olha tudo o que eu tenho para vender!”. Disse a ele que estava disposto a deixar uma boa quantidade de livros em troca do Rei do Futebol e coloquei a pilha na mesa. “Se você deixar todos esses, o Pelé é seu”. Bati o pênalti. E saí de lá com Edson Arantes do Nascimento, fruto do sacrifício de um guia de primeiros socorros, um livro da Gloria Kalil e mais alguns outros. Certamente terão melhor uso com outras pessoas.

O único problema é o cheiro desgraçado de naftalina que ficou impregnado na obra, feita a partir de depoimentos do Rei ao jornalista Orlando Duarte, inclusive sobre suas frustrações, polêmicas e mágoas. Se é bom o livro, vou descobrir depois de ler. O que sei é que nenhum zagueiro foi capaz de marcação tão cerrada em Pelé como essa naftalina em sua autobiografia. Assim como ele, ela deve ser a melhor do mundo.

Tino Asprilla - El nuevo Pelé

(Crédito: Futebol Café)

Depois de Pelé, o “novo Pelé”. Primeiramente, não estava nos planos iniciais andar pelos sebos de Pinheiros. Mas no dia seguinte à busca pelos sebos do Centro, fui almoçar na Zona Oeste e não resisti. Foi ali, na Avenida Pedroso de Morais, que comprei no ano passado um bom livro escrito a seis mãos por Jô Soares, Roberto Muylaert e Armando Nogueira, sobre as Copas de 50 e 54. O que era para ser uma caça ao tesouro na região central acabou se transformando em um pequeno tour. E valeu a pena.

Fuçando na estante de futebol, localizada exatamente no mesmo lugar da outra vez, encontrei um livro do ex-jogador colombiano Faustino Asprilla. Aqui abro um parêntesis: Faustino Asprilla é um cara bem particular. Em 2017 li uma reportagem com ele na revista The Blizzard, em que o repórter passa alguns dias na casa do ex-jogador colombiano e descreve todas as suas peripécias, especialmente com as mulheres, que ele (o repórter) pôde presenciar. O relato é bizarro e ao mesmo tempo incrível. Fecha parêntesis.

Quando é que eu ia topar novamente, em São Paulo, com um livro desses? E o mais importante, que fale fundamentalmente de futebol, do cara que conquistou torcedores no Parma, da Itália, e no Newcastle, da Inglaterra. Que brilhou no Atlético Nacional, da Colômbia, mas decepcionou no Palmeiras. Me pareceu uma grande oportunidade de ter um trabalho diferente sobre um personagem, como já dissemos, também diferente. E vale mencionar a contra-capa, com uma foto grande de Asprilla e um texto que diz: “Todo Tino — El nuevo Pelé”. Como não comprar?

Hand of God - The life of Diego Maradona

(Crédito: Futebol Café)

Já entrou em uma livraria ou até mesmo num sebo e perguntou pelos livros de futebol? No Centro, durante a peregrinação literária, fui perguntar pela seção de esportes em um dos sebos e desci uma escada que pensei ser a última escada que eu desceria na vida. Em algum momento da história aqueles degraus esconderam um porão no qual coisa boa certamente não acontecia. Exageros da imaginação à parte, com o livro de Diego Armando Maradona foi mais ou menos assim.

Num sebo próximo à Avenida Paulista, perguntei por futebol e andei até a última parede da casa para descobrir, entre outros títulos e espremido entre outros temas, o Hand of God — The Life of Diego Maradona, escrito em inglês por Jimmy Burns e publicado pela primeira vez em 1996. A obra conta a vida, o auge e a decadência do ídolo argentino, considerado o jogador mais controverso da história do futebol.

No dia, porém, não levei. Mas pensei nele durante todos os outros enquanto não o tive. Comprei os livros que descrevi acima, virei e revirei prateleiras atrás de boas obras e aquele Maradona não saía da minha cabeça. Mas pera aí, me veio à mente uma ideia após percorrer os sebos da Praça da Sé: de metrô, não é difícil ir dali até a Paulista. Vi na internet que o sebo fechava somente 19h. Eram 18h30 e eu estava a caminho, confiante. Desce do metrô, acelera o passo, pensa no sebo, pensa em Maradona. 18h55: cheguei a tempo e vou levar o livro. O sebo está fechado. “Mas porra, não fechava às 19h?!”. Passada a raiva momentânea, esperei pacientemente alguns dias para saber se abririam na semana entre o Natal e o Ano Novo, porém já não confiava mais nos horários. Minha namorada chegou até a ligar no sebo para reservar o livro. Estava confiante de que ninguém compraria, mas era melhor garantir.

No dia 2 de janeiro, isto é, só no ano seguinte (olha o drama! toca o tango!), fui até lá e finalmente comprei. Depois de um bom papo com o são-paulino Fábio, funcionário do sebo e fã de futebol francês, enfim pus as mãos no livro, como Maradona pôs as mãos na taça em 1986 — e o punho na bola que encobriu Peter Shilton diante da Inglaterra. O livro de Dios, também chamado de Bíblia para os argentinos, custou R$ 40. Lembra daqueles R$ 40 que ganhei com os CDs no primeiro sebo, quando levei o Almanaque do Corinthians? Só não abati tudo neste livro porque gastei R$ 12 no do Asprilla. Ou seja, R$ 12 foi o que precisei desembolsar na aventura toda.

Levei para casa um Pelé, um Maradona, o “novo Pelé” e mais um bando de loucas e fieis estatísticas. Acho que fiz bons negócios. E se por acaso mudar de ideia, já tenho o que levar para uma nova epopeia futebolístico-literária pelos sebos de São Paulo.

--

--