O melhor Tottenham da década

Qual é o time ideal dos Spurs de 2010 pra cá?

Pedro Reinert
Galo de Kalsa
8 min readOct 16, 2019

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Não sei se compartilhamos do mesmo espanto, mas é que 2020 realmente já está esmurrando a porta. Na memória, parece que nem faz tanto tempo assim que Gareth Bale trocou a 16 pela 3 (antes de vestir a 11) e Harry Redknapp reluzia como a face do futuro, mas muita água passou desde então.

Com a beirada da década se aproximando, demos uma escrafunchada nas equipes que foram à campo vestindo branco e azul de 2010 pra cá, a fim de definir os melhores e os piores jogadores do período. Depois de uma votação democrática realizada pela mais alta cúpula de integrantes deste portal, listamos os respectivos onze iniciais, técnicos e suplentes.

Leia, reflita e, é claro, dê seu pitaco:

Hugo Lloris

Sem escândalo, o homem que levantou a última Copa do Mundo não é simplesmente o melhor goleiro lilywhite da década com sobras, mas entra na briga pelo posto de melhor goleiro da história do clube junto com Pat Jennings, Ted Ditchburn, Bill Brown e Ray Clemence. Mesmo que sua fase atual não ajude, é indiscutível que Lloris fez a equipe subir um degrau desde sua chegada.

Kyle Walker

Quem o viu em 2013 nunca poderia imaginar que aquela alma perturbada estaria nessa lista. Quem o viu em 2012, porém, certamente botaria fé. Essa dualidade é a maior marca de Walker nos Spurs: amado por ter sido ícone da reinvenção da equipe, odiado por terminar sua história rastejando para fora da cerca. De qualquer forma, em sua posição, não houve atleta que superou sua fase de 2015 a 2017.

Toby Alderweireld

Sóbrio como a perfeição. Chegou desacreditado e com jeito de quem ia dar errado, mas destruiu os prognósticos com refinação inconfundível. Os desarmes são tão incríveis que nem as assistências beckhanianas disparadas a 50m da grande área oposta são capazes de ofuscá-los. Toby é implacável e pode contar nos dedos de uma mão quantas partidas fez abaixo do nível excelente. Sua cereja do bolo foi uma das grandes e doloridas desconstruções da nossa história recente: tirar Ledley King do seu trono.

Jan Vertonghen

Maior unanimidade entre os defensores, Super Jan sempre teve um holofote especial para si desde que desembarcou em Londres, em 2012. Não demorou para criar identidade e afeto, e cada janela de transferências resistindo aos sussurros de clubes mais poderosos fazia o sentimento se desdobrar em progressão geométrica. Tem o cérebro, o corpo, a mente, a habilidade e o sorriso de um ídolo que todos gostariam de ter em seu time, e faz o trabalho mais sujo do esporte com a elegância de um Rolls-Royce.

Danny Rose

Quase uma década depois de decidir um North London Derby em sua primeira partida oficial pelo clube, Danny ainda capitaliza o sentimento de ser incomparável. Caráter forte, identificação com a comunidade, autoconsciência singular e autenticidade indestrutível. Nada me convence de que Rose não era o melhor lateral do planeta em 2017 — costumo dizer que jogava como um quando ainda era careca -, mas mesmo que hoje ele não seja parte da mais alta prateleira do material humano do esporte. ainda não há força no mundo que contenha seu ímpeto — e, considerando a situação, é o que basta.

Mousa Dembélé

Dembélé não é um craque — nunca foi, e não há mais tempo de ser -, mas é o antídoto do craque. É a substância que faz do craque, por alguns instantes, um mero mortal. É a força que torna até quem pode ver o futuro incapaz de conter suas ações. É o autor da previsibilidade inviolável. E nenhum homem na Terra é mais corpulento, mais inteligente ou mais sagaz. Seu movimento é sublime e impenetrável. O raciocínio é soberano e inimitável. Mousa fluiu como azeite, ouro líquido, com o qual nem a mais cristalina água se mistura ou se transpõe.

Luka Modrić

O gênio mirrado de Zagreb derrubou tinta de aquarela num meio de campo monocromático. Numa equipe pouco engenhosa, Luka foi uma explosão de criatividade e entusiasmo, e convidou o clube a sentar num divã para requentar discussões estéticas propostas por Nicholson e Blanchflower na belle époque do século passado; não é só ganhar, é jogar bonito. Por tempo antes e tempo depois, não houve nada igual a ele na Premier League. Não à toa se tornou galáctico em 2013.

Christian Eriksen

Sublime e afiado, o dinamarquês acompanhou a subida de patamar do Tottenham com sua própria carreira, e talvez por isso seja o principal espelho da equipe desde sua chegada. Sempre é difícil dizer se Eriksen está bem porque o Tottenham está bem ou se o Tottenham está bem porque Eriksen está bem. Nesse delicado equilíbrio, o armador construiu absurdos. Como definiu o Vinícius, seu jogo cadenciado e sua capacidade ímpar de ditar o ritmo de qualquer jogo cairia como uma luva no estilo do Barcelona, assim como sua leitura, frieza e um potencial enorme para quebrar linhas em passes longos ou rasantes são armas com a cara do Real Madrid. Mesmo assim, Eriksen está em Londres até a próxima grande manchete, continuando a história que nos brilhou os olhos e lhe tirou o couro cabeludo.

Heung-Min Son

Rob Hawthorne, narrador da Sky Sports, uma vez comentou: “Desde Ronaldinho eu não via um atleta iluminar todo um estádio com sua aura alegre como Son faz”. Achei exagerado no momento. Deixei passar. Mas foi assim, misturando tenacidade, habilidade e carisma fora do padrão (pra não falar da extravagante ambidestria), o sul-coreano conquistou meu carinho e o de quem sequer apoia o time que ele defende — você sabe, o mundo todo comemorou sua epopeia particular nos Jogos Asiáticos. Com um estilo de jogo tão lúdico quanto ameaçador, Sonny contempla quem preza pelo futebol competitivo, pelo gol decisivo, pela tenacidade impetuosa, e quem assiste pela estética, pela diversão, pelo circo. Bem como Ronaldinho costumava fazer.

Gareth Bale

Poucos momentos da história recente do clube foram tão genuinamente expressivos quanto a volta pra casa depois daquela virada contra o West Ham no Upton Park (o foguete de canhota aos 49’ do segundo tempo, lembra?). Algumas centenas de cabeças tomando os túneis do metrô londrino ao gritar “we’ve got the best player in the world” em tom etílico. O melhor jogador do mundo, porra. Para nós era a mais saborosa verdade. O resto do mundo que coçasse a cabeça. Nosso galês miúdo se tornara um titã. Se até Cristiano Ronaldo se escorou em seu poder, imagine nós que o vimos crescer? É gostoso se gabar por tê-lo visto em nossas cores. Você também é viúva que eu sei.

Harry Kane

(por Henrique Letti)

Para quem tinha medo, ele foi a coragem. Para quem tinha dúvidas, ele foi a certeza. Para quem tinha Soldado e Adebayor, ele foi o alívio. Harry Kane foi capaz de subir uma dezena de degraus em um só passo, indo de jovem desengonçado para ídolo incontestável, com performances incansáveis e gols marcantes. Craque e artilheiro, vai ser por um bom tempo o grande motivo de orgulho dos torcedores do Tottenham. Afinal, não é sempre que se tem o melhor jogador do mundo na posição como a referência — de todas as formas possíveis — do seu time.

Técnico:

Mauricio Pochettino

O arquiteto da revolução é hors concours. Pode gerar contestações na conversa sobre o melhor treinador da história do clube, da qual participa há pelo menos três anos, mas não faz o menor esforço para ser posto como regente do esquadrão ideal da década. Poch foi um presente que agradou muito mais do que o imaginado e trouxe um sabor especial e distinto à experiência de viver o Tottenham. Por mais que esteja no olho do furacão desde a derrota em Madrid, ainda é o ícone máximo da equipe e do momento que ele próprio criou.

Banco de reservas:

Friedel, King, Ekotto, Wanyama, Van der Vaart, Dele, Defoe

Verdade seja dita: Ledley King passou a maior parte de seus expedientes nessa década dentro de uma banheira de gelo, não dentro do gramado. Dói deixar uma das maiores lendas do clube neste banco de reservas imaginário, mas é deixando-o sentado que podemos preservar seu legado. Rafa, a supernova que tomou Londres de assalto, só não entra no time pelo pouco tempo de casa, mas sabemos que seu auge em 2011 foi incomparável. Jermain Defoe, por sua vez, merece mais do que uma menção honrosa; empilhou gols em seu retorno e até hoje deixa claro que nunca deveria ter saído dos Spurs.

As surpresas da eleição ficam por conta de Brad Friedel e Benoït Assou-Ekotto: dois heróis cult em tempos de incerteza. Frequentemente criticados, eram suportes fiéis de um time que abriu alas para dias melhores. Quanto a ‘Big Vic’, pode-se dizer que enquanto Kanté viveu seu auge intocável, o queniano foi o único que alcançou sua sombra; por dois anos ditou com imponência quem entrava e quem saia pela intermediária lilywhite. E o ex-futuro-craque Dele Alli, bem, dá pra dizer que sua versão antiga seria titular dessa equipe ao mesmo tempo que sua versão atual poderia capitanear a escalação oposta, dos piores da década. O Tottenham é uma piada mal contada.

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