Errar sem pudor

Vinícius Nascimento
Galo de Kalsa
Published in
5 min readOct 17, 2019

O retorno de Vorm é a nova prova de que o elenco está se esgotando

Se faltava alguma prova de que o mercado do Tottenham na janela de transferências falhou, eis que o próprio clube chega de voadora para escancarar a porta da realidade: dispensado após o fim do contrato, e sem clube desde então, Michel Vorm está de volta a Londres — se é que saiu em algum momento.

A justificativa mais óbvia é que Lloris, titular do gol, só volta em 2020. O francês sofreu uma lesão bizarra em um dos vexames que o clube vem coleciona nesta temporada que nem começou direito e já é infernal. O reserva imediato é Paulo Gazzanigga e não há mais ninguém na posição.

…. (Foto: Divulgação/Tottenham Hotspur)

Não ter mais ninguém para ser reserva é primeiro de tudo um atestado de falha na composição de elenco. A situação não é nenhuma novidade em terras Lilywhite, já que na temporada passada houve jogos -importantes- em que tínhamos dificuldade para colocar 11 jogadores em campo por causa das lesões ou cartões. Basta lembrar que no 5x4 contra o City, Pochettino entrou em campo sem Kane e Son.

Além de um problema de planejamento, não ter um terceiro goleiro confiável no banco mostra uma carência na formação. Será que não há um goleiro mais confiável que VORM para SENTAR NO BANCO? Eu entendo que o momento está longe do ideal para se lançar jogadores, mas, ora, o time sequer está jogando mais a Copa da Liga, única competição que daria para rotacionar o elenco. E, bem, o time sub-21 conseguiu vencer o mesmo Colchester que deixou o time principal chupando dedo na primeira fase da copa supracitada. Risos.

O quesito experiência e conhecimento de causa pesam a favor do goleiro holandês. Cinco anos de paciência e conformismo no banco certamente proporcionaram a Vorm algum entendimento sobre o que é o clube. Ainda assim, confesso que não encontro nenhuma justificativa convincente — exceto que houve muitas falhas na montagem do escrete.

Números não dizem tudo, mas, caso queira considerá-los isoladamente, os de Vorm nem são tão ruins assim para um goleiro reserva. De 2014 pra cá foram 47 jogos, com 47 gols sofridos e 17 cleansheets. Média de pelo menos um gol sofrido por partida. Na Premier League a média é similar. Ele mantém a média de um gol sofrido por jogo com 13 em 13 jogos e tem 4 cleansheets.

O problema é que os números crus não são tudo. É verdade que a fase de Lloris está longe de ser a melhor. O capitão da França campeã do mundo e do Tottenham campeão de nada chega às vésperas de seus 33 anos em uma curva descendente na carreira que fica explícita nas falhas que o camisa 1 tem protagonizado. Coisas que você pode ver aqui, aqui e até no próprio lance de sua grave lesão no braço.

Ainda que em ritmo desacelerante, Lloris segue aparecendo em situações cruciais para salvar o time de vexames ou manter vivos em busca para glórias. Como esquecer do pênalti defendido logo no início do jogo nas quartas da última Liga dos Campeões, contra o City, quando o jogo ainda estava 0x0? Ou o milagre na cabeceada do próprio Agüero, contra o próprio City, naquelas mesmas quartas continental?

Lloris em baixa ainda é Hugo Lloris, o capitão do time e um dos responsáveis pelo degrau acima que o time tanto lutou para subir e, agora, insiste em descer com velocidade que torna essa tal escadaria um simulacro de rampa.

Pior que seja a fase de Hugo, é triste vê-lo em uma situação tão dolorosa. Igualmente penoso é lembrar da ausência do capitão do time (Foto: Reuters)

Entregar a responsabilidade de substituir alguém tão grande a Vorm ou Gazzaniga, que seja, é uma medida que flerta, ou, como se diz em minha terra, freta, com o trágico. Além ficar sem uma referência de liderança, o porto seguro técnico também cai por terra. Trazer Vorm como resposta à lesão de Lloris é um atestado de aceitação do erro na montagem do time. E na transição para o tal patamar superior.

É bom que fique claro que Vorm não é o culpado por isso. Mas é um sintoma do planejamento que funcionou até certo ponto, mas já vem dando sinais de desgaste.

As evidências-mor de minha tese serão explorada por Fernando Valverde aqui neste mesmo recinto nos próximos dias. Mas deixo o aperitivo: imagino que você, leitor, conheça o Liverpool de Jürgen Klopp. O primeiro jogo do alemão contra o Tottenham em sua trajetória na Premier League foi em 2015, um 0x0 em White Hart Lane.

Naquele 17 de outubro, Pochettino entrou em campo com Lloris, Walker, Vertonghen, Alderweireld e Rose; Dembelé, Eriksen e Dele Alli; Lamela, Chadli e Kane. Oito dos onze titulares ainda estão no elenco. Com exceção de Lamela, seguem titulares incontestáveis após quase meia década.

Do outro lado, Klopp conta com apenas quatro remanescentes (todos marcados em negrito) do time formado por Mignolet, Clyne, Skrtel, Sakho e Moreno; Lucas Leiva, Emre Can e Milner; Lallana, Coutinho e Origi. Tem dificuldade para saber quem ainda está nos Reds? Normal, já que, com exceção a James Milner, ninguém dessa formação passa perto de ser peça fundamental para os atuais campeões da Champions League.

O grande momento de Gazza no Tottenham foi contra o Bayern, na Audi Cup, durante a última pré-temporada

Queiramos ou não, está lançada a sorte. Paulo Gazzaniga será o goleiro titular até sabe Deus quando. No clube desde 2017/2018, o argentino de 27 anos disputou 15 partidas pelo clubes desde então. Sofreu 14 gols e acumula 6 clean sheets, ou jogos sem sofrer gols. Deixo de presente esse pequeno raio-x. De resto é torcer. E rezar.

Aguardemos. Ah, bem vindo de volta, Michel.

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