Por um breve instante, o céu é logo ali

Não há turbulência que resista a momentos como este

Fernando Valverde
Galo de Kalsa
3 min readJul 13, 2020

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Ciclos.

Do latim cyclus e do grego κύκλος (Galo é cultura!). Qualquer série de ocorrências que se repete. Ou, em uma outra definição ameaçadora, a transformação de um sistema que o leva de volta a seu estado inicial.

Ciclos são imperfeitos. É o curso da vida, é o curso do tempo.

Ainda que quiséssemos que as euforias fossem eternas, somos levados à terra da forma mais abrupta e turbulenta que poderíamos esperar. E de lá alçamos o céu, e de lá voltamos ao chão, e de lá alcançamos a glória, e de lá a queda é mais longa e daí vivemos nesse eterno descompasso em busca daquele momento que, preso em si, amenize todo o resto.

Ser Tottenham em 2020, pra não dizer sempre, tem sido difícil. Eu sei, vocês sabem. Mas ser Tottenham constantemente se revela muito fácil.

Fui dormir às 7h da manhã de plano pensado. “Talvez dormindo assim tarde eu não consiga acordar para ver o jogo”. Quem eu engano? A ilusão do desinteresse é apenas um artifício para que mais uma vez eu não precise lidar com o quanto eu me importo. Adiantou de algo? De nada! 12h15 já estava roendo os dedos em frente à tela.

E cês sabem. Dessa vez é diferente. Não importa o Sheffield, tô nem aí pro Bournemouth, esquece o United. Esse é o momento. Este. Você sabe. Eu sei.

Quando o grito ecoa, o momento se eterniza e tudo é bonito outra vez. A gente esquece do Michael Oliver, do VAR, do 8º lugar, de José Mourinho e de que não chutamos contra os Cherries.

O juiz apita. Ganhamos o clássico. Temos o domingo todo pela frente.

E aí a gente vê, revê, vê outra vez, dá like em tudo que aparece, mandamos mensagens, publicamos freneticamente no Twitter, damos uma provocada no amigo rival e o sorriso não sai do rosto. A realidade até tenta gritar “Não seja soberbo!”, mas eu ligo?

Vencemos eles. Isso é importante. Isso é importante para caralho! E talvez, por neste maldito ciclo, vermos tanto de nós neles e tanto deles em nós, a euforia seja inevitável. Cadeia alimentar, sabe? Não estamos no topo, mas deles é imprescindível que estejamos acima.

Claro que uma hora isso passa, mas pra que ser agora? Não estamos tapando o sol com a peneira. Nem tudo se resume a isso, mas muito se resume a isto. E é aqui, nesse espaço marcado no tempo, que as lembranças botam a gente comovido como o diabo.

Quarta-feira tudo pode mudar. Uma derrota frente ao Newcastle pode parecer apenas uma derrota, mas no grande esquema das coisas, mais parecerá uma repetição de ciclos que infelizmente parecem nos acompanhar pelos séculos dos séculos, amém (eu já não escrevi isso antes?).

Mas como em todo ciclo, o fim não anula as partes do caminho. Perdemos a Champions? Perdemos. Mas nossa, como fomos felizes!

Llorente, de quadril.

Lucas, hat-trick.

“Meu Deus! Estamos na final”.

O céu é logo ali.

A glória máxima ao alcance dos dedos.

E de lá voltamos pro chão. Mas, tudo isso vem junto.

Ser Tottenham constantemente é uma coleção de pequenos ápices em meio a grandes turbulências. Às vezes cansa, às vezes queremos mais. Um ciclo vicioso. Esperamos romper, mas até lá não tem porque não aproveitar o que nos é ofertado.

Obrigado pelos sorrisos.

Não posso sorrir sem você!

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