Continue a nadar

O Tottenham não vai ganhar nada de maneira fortuita. Mas, sem a sorte, qual caminho nos resta?

Vinícius Nascimento
Galo de Kalsa
5 min readJul 1, 2020

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A frustração de quem viveu a temporada 2012–2013 parecia ser o ápice. Na temporada que marcou a despedida de Gareth Bale, o Tottenham conseguiu a proeza de fazer 72 pontos — sua melhor campanha no torneio até então, e mesmo assim ficar fora da Champions League (UCL). É que o Arsenal fez 73. E tomamos 5x2 deles (o segundo consecutivo) no jogo de ida, em Emirates.

Todo o mundo sabia que a venda de Bale marcava o fim de boa parte da inspiração daquele elenco. Modric já tinha virado galático um ano antes e a venda de Bale sacramentaria a de vez a aberta de um período de renovação. A negociação fechada por valor recorde na história do futebol até então (101 milhões de euros) recheava os cofres, mas sem o atrativo da UCL ficava difícil atrair os melhores.

Pra piorar, veio um ciclo desastroso. O dinheiro foi mal empregado, o time foi mal treinado e o grande lucro daquele rio de dinheiro só apareceria anos à frente.

Obrigado a tapar a grande desgraça que se mostrou ser a contratação de Roberto Soldado, Tim Sherwood fez sua cartada final e deu minutos a um tal de Harry Kane. Um moleque da base que vivia emprestado e ainda não tinha ganho oportunidades consistentes no time profissional. No final das contas, podemos fazer esse malabarismo de afirmar que o dinheiro foi gasto corretamente, mas de maneira errada. A realidade é que foi muita grana jogada fora.

Daqueles quase 100 milhões de euros, só Eriksen se tornou um grande jogador. Lamela teve lampejos. Chadli hoje em dia curte nossas fotos no Instagram (isso é um elogio, você bem que poderia fazer o mesmo…) e prefiro me abster de comentários sobre Chiriches, Paulinho e companhia.

Mesmo afogado em um mar de merda, o Tottenham vestiu sua roupa de Dory e continuou a nadar. Até que veio Pochettino chegou e nos mostrou que P. Sherman, 42 Wallaby Way, Sydney, estava próximo. Os momentos de calor, agressividade, paixão e América do Sul em pleno Norte de Londres nos deram por alguns anos a sensação de que encontramos o Nemo que a gente procurava.

Com Pochettino, contrariamos a sensação descrita no primeiro parágrafo: vivemos frustrações ainda maiores. Mas que só foram maiores porque voamos muito mais alto. O vice-campeonato da Champions League foi só o ápice dos dissabores que experimentamos. Eu encontrei Nemo por encontrar o Tottenham no meio dessa epopeia que sob o olhar frio dos resultados finais foi frustrante. E que fique claro: não foi.

Nenhum campeonato se faz apenas com a final e nossas jornadas de emoção, tesão e Tottenham vividas desde 2014–2015 falam por si só. Vivemos muita coisa gostosa. 5x3 no Chelsea, goleadas acachapantes aqui e acolá, 3x0 no United, Kane maior artilheiro do NLD, a despedida do White Hart Lane, a sandice contra o City, o milagre de Lucas Moura contra o Ajax… teve muita coisa boa. E em alto nível.

Mas a história não é feita de um único ponto de vista e, convenhamos… jogar o tanto que jogamos sem ganhar um troféu sequer é broxante.

Quanto mais alto subia, maior era a ansiedade e expectativa em torno do clube, que quebrou a cara de um tantão de gente. Inclusive, e principalmente, a nossa. Vimos o Leicester ser campeão da PL, um Arsenal mequetrefe e um Chelsea com elenco em frangalhos -e explicitamente colocando Antonio Conte pra fora- ganhando edições da FA Cup. Tínhamos certeza de que teríamos um momentinho de alegria.

O problema é que concretude com a gente é só na hora de pagar as contas e planejar os gastos da casa. De resto, torcer pro Tottenham é um grande exercício de subjetividade. E aí, meu amigo, ou você aceita isso ou seu sofrimento será ainda pior.

Esperar que o clube empilhe taças é bem inocente. O que podemos fazer é competir. Provavelmente não tão bem quanto há poucos anos atrás. E não adianta espernear por não entrarmos na briga por Werner, fazer muxoxo por não ganhar sequer uma copa nacional ou criar teorias conspiratórias de que a direção do clube é quem não faz questão de ganhar. É balela.

Estar onde o Tottenham está hoje é acima de tudo uma grande ousadia. Os adversários possuem aportes financeiros que vão muito além da realidade do clube. Velho, o City é uma artimanha de soft power pra um dos projetos de publicidade mais caros da história da humanidade. O Chelsea foi inventado por um doido que queria limpar sua imagem a todo custo — e a todo custo vai querer mantê-la assim.

Sabe o que mais? Vai piorar caso o Newcastle de fato seja comprado e da noite pro dia vire *o clube com o maior orçamento para transferências do mundo*. E literalmente será gerido pelo próprio Estado Saudita, que ficou com inveja de seus amigos do mundo árabe e também quis entrar na brincadeira.

Pois é… Faturar as coisas da noite pro dia não está na realidade do Tottenham. E de coração, nem quero que seja. Isso não é por glamourização da derrota ou comodismo barato. Não, muito pelo contrário. Eu também sou obcecado por ganhar. Eu também tenho várias críticas às decisões sobre a gestão do elenco do clube. Mas eu preciso que o Tottenham exista, ousado e vivo, para outras gerações.

Eu quero que meu filho torça e possa ver Tottenham. E que o filho dele também. Não serão decisões apaixonadas que vão me garantir isso. E, com o coração apaixonado que tenho, saber disso me dilacera.

Me corta o coração ver que até o Leicester já faturou uma Premier League e que escretes bem mais frágeis do Arsenal já levaram pelo menos uma copa. Mas sem a garantia de que algum louco vai sair despejando dinheiro dentro do clube, o que resta é se organizar. Não para ganhar a qualquer custo, mas para continuar vivo dentro dessa máquina de triturar clube que é a Premier League. E que é o futebol moderno.

Um passo fora e sequer estaremos no páreo pra tentar vaga na Liga dos Campeões — como era até bem pouco tempo atrás. O caminho por hora é o de agora, por mais que me irrite e frustre. Aquela coisa de água mole e pedra dura que só quem é azarado na vida entende como o único caminho possível.

O Tottenham não vai ganhar nada de maneira fortuita. Esqueça isso. Sem a sorte, qual caminho nos resta? Resiliência, organização e uma dose de amargura para saber sofrer. Continue a nadar.

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