Ano novo, vida nova?

2020 começou tão igual que a esperança já começa a esmorecer

Fernando Valverde
Galo de Kalsa
6 min readJan 10, 2020

--

2020 mal começou e já trouxe maus augúrios no seu encalço

A esperança é um sentimento engraçado. Mesmo que os sinais apontem para o declínio absoluto ou para a completa estagnação, sempre existe aquela pontinha de fé que nos leva a crer que ir além é possível e na virada dos anos, e dos séculos, a confiança se renova.

Doze horas depois ela é abalada.

Se já fomos felizes em outras oportunidades, o primeiro dia de um ano que já se desenhava repleto de incertezas tratou de nos mostrar que existe um longo caminho entre o que se almeja e o que realmente existe para o Tottenham.

A derrota para o Southampton até poderia ser tratada como um acidente fortuito, mas no grande esquema das coisas, mais parece uma repetição de ciclos que infelizmente parecem nos acompanhar pelos séculos dos séculos, amém. Retroceder quando a chance de progressão se aproxima é algo que já estamos habituados, mas o sabor após ter chegado tão perto da glória é mais azedo do que de costume.

Se o ápice prometido não foi alcançado por plebeus, talvez César seja capaz de levar o esquadrão às glórias. O Veni, vidi, vici ( Vim, vi, venci) proferido no Senado Romano para exultar seu feito na Batalha de Zela pode ser perfeitamente adequado para a história de José Mourinho em terras inglesas.

No seu passado ninguém toca. Mas e do futuro? O que há para esperar do Tottenham do português?

Dizem que a humildade é uma virtude. Não discordo, mas sei que nela nunca encontraremos a confiança que a arrogância permite transpirar. Ao chegar ao clube, Mourinho guardou os brados e com voz mansa pareceu engolir o ego com que construiu persona e foi personagem. “Estou mais humilde” disse o português. Estranho, mas estranho mesmo seria se fosse o contrário.

Assumir um Tottenham que caminha incessantemente em busca da própria desgraça tende a desestimular bravatas e provocações. Não seria inteligente alçar-se a um patamar apenas pela garganta quando os pés insistem em derrubar-nos.

Mourinho chegou e o estado anímico pareceu inverter-se apenas pela força da mudança. Alguns resultados vieram e com eles a clara (ou nem tanto) noção de que a filosofia dos últimos anos seria sobreposta por um modelo que priorizasse apenas o que se revelar como objetivo. Mas precisava exagerar?

Acordar numa manhã de sábado (e não só nela) para ver o Tottenham jogar se tornou um suplício. É certo que as apresentações do time já viessem em visível declínio desde o começo de 2019, mas se a mudança de ares se tornou real com a demissão de Maurício, porque continuamos a penar?

Sim, é inegável que a posição na classificação melhorou e permitiu que voltasse a se sondar uma classificação direta pra a próxima UCL. Mas fora o triunfo contra o Burnley, um alento solitário, o Tottenham se revela uma equipe cada vez mais sem brio e desorganizada a cada jogo, uma antítese do seu novo comandante, que oscila entre conseguir resultados na marra (Wolves), complicar jogos fáceis (West Ham, Bournemouth, Brighton e Norwich) e parecer completamente ausente do campo como foi contra Manchester United e Chelsea.

Oscilações são normais, ainda mais em um elenco enxuto e com problemas drásticos de montagem como o nosso. Mas nem isso consegue explicar como declinamos tanto em questão de padrão de jogo. Fomos de melhor futebol da Inglaterra para algo que tranquilamente pode ser definido como um dos piores times do Tottenham que eu já vi. Sim, houveram aqueles que só tomavam cacete, mas, ao menos tentavam. Esse, tem vezes que nem isso.

Mourinho sendo o Mourinho que não precisamos (Foto: Getty Images)

Ainda que tenha sua parcela de culpa, afinal sua fé em Eric Dier em pleno 2019 é algo inexplicável, Mourinho acabou por herdar o rojão que explodiu nas mãos do seu antecessor (e que foi mascarado pela epopeia das noites europeias) e que, a priori, não lhe promete um bom futuro na equipe londrina.

Em meus últimos textos neste espaço, previ aquilo que não queria ter previsto. A “Era Pochettino” encontrou seu fim em uma nota amarga e se a intenção do rompimento foi a de indicar uma nova rota, tudo que a mordida acaba encontrando é nossa própria cauda. Sim, o argentino cometeu erros crassos mas o seu breve tempo de ausência já deixou explícito o que sempre foi claro: Jamais deveria ter perdido a queda de braço com ESTE elenco.

Um exemplo próximo parece ter sido tomado como referência do caminho a se tomar. Algo que Vinícius e eu já discutimos por aqui, fazer o exercício da comparação entre a reconstrução de Tottenham e Liverpool nos últimos anos é um forte indicativo do problema. Enquanto o Tottenham achou que já era um case de sucesso no seu primeiro acerto, o Liverpool não parou de se aprimorar até que de fato atingisse a glória (e contra nós!) e Mourinho sabe disso:

“Todos no clube querem dar ao time as melhores condições, mas ao mesmo tempo o mundo não acaba no fim da temporada. Estava assistindo ao último jogo do Liverpool, e fui confirmar no Google: o Jurgen (Klopp) chegou em outubro de 2015. Na primeira temporada acho que foi oitavo. Teve oito janelas de transferências, muitos jogadores entrando e saindo, tempo para impor a filosofia, os métodos de treino, a impressão dele. Quatro anos depois são não só campeões do mundo como a melhor equipe neste momento. Não quero nos comparar ao Liverpool, digo apenas que é preciso ter calma e não entrar em pânico”

Se uma reformulação completa parece ser a saída necessária, o Tottenham parece rumar na direção oposta. Eriksen parece estar de malas prontas para sabe-se lá onde e uma reposição não aparenta estar sendo planejada (teoricamente seria o Lo Celso, mas como acreditar nisso se o argentino nem joga?). Aurier, mesmo sem condições técnicas de ser dono da lateral, continua sendo escalado todo santo jogo e sequer tem um reserva (já passou da hora de aceitar que Kyle Walker no Tottenham só houve um).

Vertonghen foi de melhor zagueiro do nosso elenco para um dos pontos fracos de um setor defensivo cada vez mais claudicante. Se não vinha correspondendo de zagueiro, o belga tampouco tem feito a diferença como lateral-esquerdo (ainda que feche a linha durante o apoio como o Letti deve explicar em um texto futuro) e com seu contrato se encerrando em junho, sua continuidade poderia estar em dúvida e o encerramento do seu ciclo até poderia ser benéfico. Mas a tendência é de que siga o caminho do seu parceiro de clube e seleção.

Após uma exaustiva novela na direção de deixar o clube, Toby Alderweireld mudou de discurso com a saída do antigo treinador e foi recompensado sabe-se lá pelo que com mais três anos de clube. Se foi prometido um final feliz, o que explica esse gosto agridoce?

Enfrentamos problemas de consistência, o DM vive cheio e os reforços não têm reforçado muita coisa (ESTOU FALANDO CONTIGO NDOMBELE). Para piorar, seja arauto da desgraça ou engenheiro de obra-pronta, Kane lesionou mais uma vez e a pergunta de meu amigo Pedro agora ecoa no vazio: Quem vai fazer o que Llorente fazia?.

Ironia ou sadismo do destino, a melhor equipe do momento será justamente o adversário deste próximo sábado (11) às 14h30. Dado o momento de ambas as equipes, uma com suas fragilidades terrivelmente expostas e a outra praticamente imbatível, qualquer resultado diferente de um revés será uma grata surpresa para qualquer um.

Ou melhor, quase qualquer um:

Nós sabemos da situação, sabemos como ele são bons. Podemos imaginar que nesta sala, provavelmente só duas pessoas pensam que podemos vencer. Talvez sejamos apenas dois (eu e João Sacramento), mas nós acreditamos. Temos que acreditar. E se você não acredita, vai embora, cara!

Ok Mourinho, pelo menos não precisarei acordar de manhã.

--

--