Crimes imaginários: abandonar (Parte 5)

Míriam Medeiros Strack
Published in
4 min readFeb 21, 2019

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(Este é a quinta parte de uma série de textos sobre crimes imaginários. Se você não leu os textos anteriores, leia aqui: parte 1, parte 2 e parte 3 e parte 4).

Nos últimos textos, falamos sobre a culpa do sobrevivente, que envolve os crimes imaginários de suplantar, sobrecarregar e roubar amor. No texto de hoje, e no próximo, falaremos da culpa da separação, caracterizada pelos crimes imaginários de abandono e deslealdade.

“Culpa de separação… é a crença infantil, inferida através da experiência, de que, se a criança se torna mais independente, estará magoando os pais” (1).

De um modo geral, todas as pessoas, no momento em que crescem e tornam-se adultas, desejam sair da casa dos pais e adquirir sua independência. Antigamente, isso acontecia principalmente em razão do casamento. Porém, hoje em dia é muito comum as pessoas saírem de casa para estudar, trabalhar em outra cidade, ou mesmo para morarem sozinhas e viverem sua vida de forma independente. E isso não deveria ser um problema.

Porém, como já venho falando, o problema todo advém da forma como nossos pais reagem ou da forma como interpretamos as reações deles. Caso sintamos que nossos pais ficam magoados com a nossa aquisição de independência, ou caso percebamos que eles dependem da nossa presença para serem felizes, podemos nos sentir culpados por “abandonar” eles, seja física ou emocionalmente.

Também há aqueles pais que reagem de forma negativa a qualquer tipo de amadurecimento apresentado pelos filhos, como se crescer, encontrar sua própria identidade, ou ter uma vida própria fossem atitudes cruéis e injustas. Esses pais são aqueles que se apresentam muito controladores, ou muito autoritários. Uma vez que o filho se torne independente, esse controle ou autoritarismo dos pais se vê ameaçado.

Quando um dos pais é muito vulnerável, se mostrando uma pessoa frágil e, por vezes, com problemas psicológicos, a criança, ou o adolescente, sente, inconscientemente, que precisa assumir o papel de pai ou mãe da casa. Nesses casos, pode sentir-se extremamente culpado e pensando que está abandonando os pais a própria sorte quando resolve deixá-los.

Mesmo pais que são aparentemente felizes podem ser percebidos pelos filhos de alguma forma que os deixem culpados pelo afastamento. Se os pais superprotegiam os filhos, esses podem achar que se afastar dos pais pode deixá-los preocupados e então, preferem estar sempre por perto.

Os pais também podem ser percebidos pelos filhos como tendo medo de perder o amor desses. Assim, quando sentimos que estamos amando outra pessoa, nosso cônjuge, por exemplo, podemos sentir culpa por abandonar o amor de nossos pais, como se um não pudesse existir sem o outro e precisássemos abandonar o amor que sentimos por nossos pais para amar outra pessoa.

As consequências pelo crime imaginário de abandono costumam ser uma culpa intensa, muitas vezes acompanhada de autopunição. Em casos mais graves, onde a culpa é muito grande, pode ser que a pessoa nem consiga deixar a casa dos pais e continue a viver com eles.

Nesses casos, é comum a pessoa não conseguir envolver-se em relacionamentos amorosos profundos, pois geralmente esse tipo de relacionamento leva ao desejo de ir morar junto com a pessoa (em forma de casamento ou união estável), e isso obrigaria a pessoa a “abandonar” os pais. Fora o risco infundado, já comentado acima, de vir a amar mais o parceiro do que aos pais, o que o faria sentir culpa por abandono emocional.

No caso das pessoas que conseguem sair de casa, a culpa pode levar à autopunição, que geralmente vem em forma de pensamentos punitivos. Esses pensamentos são ideias, geralmente infundadas, de que iremos perder o emprego, desenvolver uma doença ou perder alguém querido e surgem como uma forma de nos punir, de nos fazer sofrer pelo crime (imaginário) que estamos cometendo por ter abandonado nossos pais.

É possível também que, pela culpa sentida, possamos ter dificuldade em criar nossa própria identidade, em assumir nossos posicionamentos ou a conseguir dinheiro suficiente para sermos independentes, pois dessa forma sentimos que ainda estamos de alguma forma vinculados e dependentes dos pais.

Sobre isso, falaremos mais na próxima semana, ao trazer o crime imaginário de deslealdade, que também se caracteriza como culpa de separação.

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1 WEISS, Joseph apud LEWIS, Engel. Crimes imaginários. Por que nos punirmos e como interromper esse processo. São Paulo: Nobel, 1992. p. 75.

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Míriam Medeiros Strack
Introverso

Escritora, professora, bailarina, artista. Falo sobre consciência emocional, consciência corporal e autenticidade. Insta: @miriam.mest