Crimes imaginários: maldade básica (Parte 7)

Míriam Medeiros Strack
Published in
4 min readMar 6, 2019

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(Este é a sétima parte de uma série de textos sobre crimes imaginários. Se você não leu os textos anteriores, leia aqui: parte 1, parte 2 e parte 3, parte 4, parte 5 e parte 6).

O último dos crimes imaginários é a maldade básica, ou a crença infantil de que se é uma pessoa ruim por natureza. Ela tem uma diferença fundamental dos outros tipos de culpa. Enquanto na culpa do sobrevivente e na culpa da separação a pessoa acredita que fez algo de ruim, na maldade básica a pessoa se sente culpada por ser quem se é.

Isso acontece quando, na infância, a pessoa ouviu muito de seus familiares que ela é uma criança egoísta, descuidada, ignorante, repulsiva, carente, preguiçosa, inconveniente ou qualquer outra forma de “imperfeição”. Por ela ouvir isso de seus pais, que são superiores a ela, pode acreditar nisso e passar a vida achando que é intrinsecamente má.

Além disso, quando uma criança é negligenciada pelos pais ou maltratada, física, sexual ou psicologicamente, ela pode acreditar que está sendo tratada daquela forma porque merece, porque deve ter algo de essencialmente ruim nela que justifique a falta de cuidado ou o maltrato dos pais. Quanto pior o tratamento que a criança recebeu, mais culpada e inferior se sentirá.

A culpa pela maldade básica pode se desencadear de diversas formas. Obviamente a forma mais simples são as mensagens negativas diretas, quando os pais falam diretamente aos filhos coisas como “Você é uma praga!”, “Será que você não consegue fazer nada direito?”, entre outras. Porém, alguns comportamentos mais sutis dos pais também podem desencadear a culpa: ignorar a criança ou suas vontades e preferencias, o que a faz pensar que ela é irrelevante; “pisar em ovos” quando está perto da criança pode fazer com que ela pense ser perversa; obrigar a criança a andar sempre arrumada e “bonita” faz com que ela acredite que só sua aparência tem valor; criticar demais os filhos, fazendo com que nunca sintam que fizeram algo bom e digno de valor; ter expectativas muito elevadas da criança e a tratar como prodígio, pois faz com que ela sinta que nunca alcançará o que seus pais desejam, sentindo-se sempre um fracasso; entre outros.

De um modo geral, “a criança que é explorada, agredida ou criada sem carinho acaba sentindo que não merece ser amada ou bem tratada” (1). Esse sentimento de não-merecimento faz com que essas crianças cresçam e se tornem adultos que se consideram sem valor e indignos de amor. Com isso, podem ter dificuldade com relacionamentos, ou não se permitindo serem amados por ninguém, ou se envolvendo em relacionamentos abusivos e tóxicos, que repitam aquilo que seus pais lhe diziam e faziam. Porém, podem evitar os relacionamentos de um modo geral, não apenas os íntimos, pois, além de não se sentirem merecedores de amor e atenção, tem dificuldade em confiar nas pessoas, já que seus pais, as pessoas que deveriam lhe proteger, o fizeram sofrer tanto.

Outra forma de auto punição é a falta de auto cuidado. As pessoas que sentem que são intrinsecamente más, podem vir a pensar que não merecem amor nem delas próprias, o que as leva a serem negligentes consigo mesmas, com sua saúde e seus pertences. Ela estará, assim, apenas repetindo a forma pela qual era tratada pelos pais.

A principal consequência da culpa pela maldade básica é a baixa auto estima, já que a pessoa se julga imperfeita de alguma forma. O isolamento também é comum, mesmo que apenas em algumas áreas da vida.

É importante ressaltar para os pais, que essas mensagens negativas, para fazerem esse efeito nos filhos, precisam ser constantes. Caso essas mensagem sejam esporádicas, é mais improvável que causem problemas, principalmente se os pais se desculparem depois. É importante, também, falar para os filhos quais são os motivos de suas tristezas e frustrações, para que eles não pensem que a culpa é deles.

Com esse texto, finalizo a análise dos seis crimes imaginários: suplantar, sobrecarregar, roubar amor, abandonar, deslealdade e maldade básica. Na semana que vem falarei sobre o capítulo do livro que trata especificamente sobre os pensamentos punitivos, uma das formas mais comum e mais sutis de punição e auto sabotagem a que podemos nos submeter como forma de expiação de nossa culpa.

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1 LEWIS, Engel. Crimes imaginários. Por que nos punimos e como interromper esse processo. São Paulo: Nobel, 1992. p. 98.

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Míriam Medeiros Strack
Introverso

Escritora, professora, bailarina, artista. Falo sobre consciência emocional, consciência corporal e autenticidade. Insta: @miriam.mest