O Império da Pornografia Contra-Ataca

O Tabuleiro
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11 min readOct 28, 2015

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por Marcos Candido e Larissa Baltazar

A locadora de vídeos Zil Vídeo, um prédio de 3 andares na região central de Porto Alegre, ainda tenta resistir ao tempo. Hilton Zinbernko, um senhor de 51 anos, óculos aviador e icônicas costeletas, vivenciou o vasto e o mais escasso dos filmes pornográficos.

“Tinha a Butt Man, Sexxxy, outras produtoras locais…”, lamenta. “Todas fecharam”. Durante 27 anos, Hilton faz a manutenção de seus quase 30 mil DVDs pornográficos, e quase 10 mil VHS. O acervo relegou à Zil o status informal de ‘maior locadora pornô do mundo’. Apesar disso, Hilton, de sotaque gaúcho, hoje toca sozinho o negócio que começou com o irmão na juventude. Não há mais condição financeira de contratar outro funcionário além dele mesmo.

A principal derrocada na vida de Hilton está nas etiquetas de preço em cada título de sua produção. Embora tenha pacotes e um afeto pessoal com a clientela, cada filme custa R$ 9. O preço, mesmo que pouco mais caro do que um DVD pirata, não consegue competir com a internet e sua a circulação gratuita de sexo.

Hilton mostra seu acervo (Gif: YouTube)

Quando o império de vídeos pornô de Hilton começou a perder espaço para a internet, locadoras concorrentes da Zil se renderam à ‘cabines eróticas’ — espaço reservado dentro do estabelecimento para programas sexuais. A empreitada dos colegas permitiu a sobrevivência de seus negócios, mas Hilton não se rendeu ao modelo. “Aqui é só vídeo. Esse tipo de cabine dá muito trabalho, e não é o que quero para a Zil”.

Hoje, com a produção pornográfica nacional escasseando nos antigos formatos, o empresário busca produções estrangeiras para continuar ampliando sua coleção. O arremate de novos achados, porém, diminuiu nos últimos anos. Enquanto isso, a indústria pornográfica cria tentáculos cada vez mais rentáveis.
Segundo estimativas do próprio ramo, a pornografia, em suas mais variadas formas, gera 30 bilhões de dólares anuais. A maior parte do lucro vem da rede mundial de computadores. Cerca de 30% de todos os usuários de internet navega diariamente em alguma página pornográfica. “É uma concorrência desleal”, diz Hilton. Para o que ainda está por vir, ele usa o velho mantra: é “ver no que vai dar”.

Tentáculos

O ano é 2014. Em negrito, a manchete de um site de entretenimento alardeia: “YouPorn agora patrocina um time de jogadores de videogame”. Na foto, seis garotos uniformizados aparecem com o logo do site de pornografia inaugurado em 2007, como se fosse qualquer outro patrocinador convencional.

A grana envolvida não é relevada, mas a notícia sugere que o montante é o suficiente para bancar custos de uma equipe de seis atletas, técnicos, treinos diários, viagens internacionais e estadias de certo luxo. Com as negociações entravadas devido ao teor do patrono, o YouPorn encerrou as negociações e foi além: fundou a própria equipe de atletas de videogame.

Até desembolsar a grana e passar por cima do conflito, o YouPorn percorreu um longo caminho na rede. Sua criação, contudo, se inspira com um site que até os dias atuais não permite sexo explícito: o YouTube.

Em 2005, o YouTube fez sua estreia com um vídeo descompromissado, em que Jawed Karin, um dos fundadores da rede, passeia por um zoológico em San Diego, nos Estados Unidos. Em poucos meses, 100 mil visualizações depois e incontáveis novos vídeos, o Google arrematou a empresa de Jawed pela enorme valia de 1,6 bilhões de dólares.

A proeza de lançar uma plataforma de vídeo e faturar bilhões de dólares não passara desapercebido. Em 2007, também surgiu o RedTube, um ‘YouTube’ composto exclusivamente por vídeos pornográficos. Depois vieram o ‘YouPorn’ e o ‘PornHub’. A escalada de acessos jogou esse três sites ao posto de mais acessados do mundo em tempo recorde.

“YouPorn patrocina um time de jogadores de videogame”

Após uma divisão societária entre os fundadores originais desses três sites, as três marcas fora parar nas mãos da MindGeek, empresa liderada por David Marmostein Tassillo.

O empresário bolou a Pornhub NETWORK, uma união de sites pornográficos afiliados, tanto em conteúdo quanto em faturamento. Além do RedTube, YouPorn e Pornhub, a rede também conta ExtremeTube, Peeperz, GayTube, PornMD, XTube, KeezMovies, PornIQ e SpankWire. Apenas o Pornhub, que carrega o nome da rede, já extrapola 1 bilhão de visitantes únicos por mês.

Team YP, equipe de e-Sport do YouPorn (Foto: Divulgação)

Além de pagar por criações de pequenas produtoras pornô, a MindGeek é dona de estúdios próprios e tem parceria com empresas do ramo, como a Brazzers, que também é ligada ao tube XVideos.

Como de praxe, a MindGeek não revela publicamente seu faturamento. Boa parte de seu retorno financeiro é feito por meio de banners e comerciais em suas páginas. Isso significa ter grana o suficiente para colocar um anúncio da PornHub em plena Times Square, em Nova Iorque, no fim de outubro de 2014.

O monopólio fatura, mas também destrói o modelo de negócio anterior. Até 2007, a pornografia em DVD ainda suspirava com alguma facilidade em vendas. Com o descontrole da rede, que passou a piratear produções do mundo todo, produtoras norte-americanas, como a Vivid e Xbiz, viram seus faturamentos terem um decréscimo de quase 80% no faturamento em um período de cinco anos.

Freguês Nacional

No Brasil, a mudança de formato abalou de forma quase idêntica. A partir de 2007, a falecida atriz Leila Lopes, Matheus Carrieri, Rita Cadilac, Alexandre Frota, Gretchen e outros atores marginalmente conhecidos, se aventuraram como estrelas em filmes pornográficos.

A produtora hospedeira daquela vez? A ‘Brasileirinhas’, especializada em filmes pornôs que ainda permanece como a maior e quase única realizadora de pornô do Brasil.

“A gente vende água do lado do bebedouro”, diz ao O Tabuleiro o diretor de markting Fábio Dias, que desde 2002 trabalha na Brasileirinhas e é conhecido pela alcunha singela de Fabão Pornô (Leia entrevista completa). A fala resume bem o esquema adotado para a manter o caixa funcionando.

Em 2007, DVDs da Brasileirinhas eram vendidos por até R$ 70. A estratégia à época de colocar as produções à venda em bancas de jornais, estufou o faturamento da empresa, que chegava filmar até 100 filmes ao ano.

Com essa boa grana, o proprietários da marca, Clayton Nunes, adquiriu a Sexxy e a Butt Man Brasil, cujos títulos tinham grande destaque em cadeia nacional na década de 90 e início dos anos 2000.O tempo de bebedouro passou e a empresa teve que repensar a como vender água.

Para vencer a pirataria, a equipe destaca um força-tarefa especial para “derrubar”, termo utilizado para reivindicar direitos autorais, de filmes da Brasileirinhas que vazem nos novos bebedouros da praça.

A essa altura, venda de DVDs pornográficos minguou a níveis drásticos. Fábio e Nunes, então, traçaram em 2010 um plano de assinatura on-line em que pagantes podem ter acesso a um reality show 24 horas (“tipo Big Brother”) batizado como ‘A Casa das Brasileirinhas’. Além do serviço de streaming, há consulta a todo o acervo histórico da empresa desde 1998 e outros agrados aos quase 20 mil assinantes. Isso tudo por R$ 29 mensais — um valor bastante considerável, que enche abastece a empresa com cerca R$ 580 mil reais oriundos só da internet.

“A gente vende água do lado do bebedouro”

Para convencer o pagamento do boleto, a empresa apostou no qualitativo. Buscou profissionais e técnicas de produtoras gringas renomadas e mesclou ao “gosto do freguês” nacional. Uma vez por mês, um dos contribuintes da produtora é sorteado para gravar uma cena com uma atriz de sua escolha dentro do perímetro da Brasileirinhas. Segundo Fabão, a maioria broxa miseravelmente, apesar da tática também instigar a compra da assinatura.

Com os pagantes, rola bancar o aluguel de um casa fixa para as filmagens d’A Casa Das Brasileirinhas’ em Cotia, região metropolitana de São Paulo, comprar equipamentos, maquiadoras, atrizes e manter um escritório no bairro de Santa Cecília, no centro da capital paulista.

O modelo de pagantes por conteúdo exclusivo é um modelo importado. O ator e diretor Rocco Winfred, apontado pelo site Fullnet Worth como o ator pornô mais rico do mundo, adota um sistema semelhante e angaria um patrimônio de 275 milhões de dólares, o equivalente a R$ 1 bilhão de reais. Isso tudo com vídeos gravados em POV (primeira pessoa) e baixíssimo custo de produção.

No quesito atuação, Rocco é um ponto fora da curva com seu alto faturamento. A calçada da fama que existia no auge, agora tem uma pavimentação mais chinfrim.

Segundo atores e atrizes consultados pelo O Tabuleiro, a gravação de uma cena pornô, que geralmente dura um dia inteiro, sai atualmente na casa dos R$ 800 a R$ 1500 reais. Com um mercado enxugado, uma atriz ou ator bem relacionado pode conseguir, no máximo, 6 gravações mensais — o que dá uma renda mensal na casa dos R$ 5 mil reais mensais.

O valor não é completamente ruim quando comparado à renda per capita média brasileira, mas é pouco atrativo para tamanha exposição de sexo explícito frente às câmeras. Entre 2007 a 2010, com um maior número de trabalhos, era possível tirar até o dobro dos valores atuais em um único mês. Um cachê de uma personalidade famosa que se aventurasse no pornô, caso da ex-assistente de palco Rita Cadillac, poderia alcançar estratosféricos R$ 500 mil reais.

No documentário Hot Girls Wanted, lançado pelo Netflix no primeiro semestre deste ano, mostra que cachês norte-americanos para atrizes costumam ser mais generosos que os brasileiros. Por lá, o pagamento passa de 2 mil dólares, a depender da complexidade de cada relação. Em busca de um extra, muitas atrizes pegam cenas de sexo com alta brutalidade, o que tornando cada vez menos longeva suas carreiras pornográficas.

No Brasil, atrizes famosas que se tornaram famosas entre o público, como Monica Mattos e Vivi Fernandez, também se afastaram de suas antigas profissões para dar espaço para atrizes cada vez mais jovens e dispostas a ganharem menos. O ator Marcus Oliver, então gabaritado na indústria pornô brasileira, largou do emprego e hoje faz bicos como pintor de paredes.

Além da Brasileirinhas, apenas Panteras, XPlastic e meia dúzia de outras companhias batalham para se manter na ativa. A Xplastic, por exemplo, possui produção de conteúdo mais jornalístico em meio à putaria, além de um serviço de assinatura digital.

CamGirl (Imagem: concedida por Elástica)

Minha câmera, minhas regras

Exposição controlada. Uma câmera de baixa qualidade. Um público fiel com dinheiro no bolso. Se a pornografia dirigida, roteirizada e filmada degringola para se manter viva, uma simples webcam proporciona relações cada vez mais íntimas, mas sem qualquer contato físico.

Em uma terça-feira, 13 horas da tarde, Bruna Andrade se prepara para mais uma sessão em frente de webcam. Um dos motivos para ela ter iniciado sua carreira como cam girl é ter horários flexíveis para se apresentar. Nos próximos anos, ela pensa em comprar uma casa própria para morar ao lado de seu marido. Ele, por sua vez, foi uma das pessoas que mais a influenciaram a ser conhecida como “Branquinha Hot” no site de webcams CameraHot, ou só CamHot.

Criado há cinco anos, o CamHot é um site em que é possível se registrar e assistir à garotas se exibindo sensualmente na webcam. Dá para pagar por uma assinatura mensal, ou comprar até R$ 900 em crédito para ter acesso à diferentes interações com as garota, conhecidas como “modelo”.

No chat privado, o usuário pode conversar com a cam girl por R$ 2,40 o minuto. Já no chat simples, uma sala divida por várias pessoas, o minuto fica por R$ 1,35. Já no Gold Show, qualquer cam girl pode definir o valor que quer atingir para começar um show especial. A partir de R$ 10, é possível adicionar dinheiro à arrecadação e fazer com que a modelo inicie o show.

Assim como Bruna, as 400 modelos registradas no CamHot ficam com 65% de seus faturamentos, enquanto o restante fica com o site. O fluxo de “amantes”, termos utilizado pelas garotas, chega 500 mil usuários mensais.

Diferente dos longos processos contratuais de qualquer outro ramo pornográfico, a plataforma vende a ideia de uma “descoberta da sexualidade feminina”, deixando que elas — mulheres e trans — criem seus personagens e limites próprios de exposição.

Ainda que a ideia seja só ter uma renda mensal extra, muitas iniciam a prática como hobby, mas logo a atividade gera uma renda fixa a se apegar. Segundo Bruna, essa carreira cria uma relação íntima com os admiradores, que estão sempre dispostos a contribuir em troca das apresentações.

Em países como Inglaterra e Estados Unidos, muitas modelos sobrevivem por meio de “tips”, ou gorjetas, que sao dadas por fãs. Os pagamentos vão desde o pagamentos de fatura de cartão crédito exibidasà câmera, até abonos consideráveis quando comparados ao valor pago por cada sessão.

Uma porta-voz do CamHot, entretanto, faz questão de dizer que o termo “trabalho” é errado para classificar os desígnios do site. “Nós incentivamos as mulheres a descobrirem seu lado sensual, investirem na sexualidade e assumirem o posicionamento de que elas são donas do próprio corpo”, afirma.

Alyne atualmente faz sua pós-graduação, cujo curso que não quis revelar ao Tabuleiro. Há dois anos, quando estava no último de ano de faculdade, criou seu perfil no CamHot, ligou a webcam e percebeu que o dinheiro de sua conta fazia desnecessário manter um emprego formal. Pediu a conta.

“Essa atividade [como cam girl] me permite ter dedicação total aos estudos e horas de descanso. Posso realizar meu sonho, não apenas no sentido financeiro, mas também profissional”, constata. Enquanto as benesses de sua exposição on-line garantirem conforto, Alyne atesta: “Não tenho intenção de sair do mundo de cam girls tão cedo”.

Não à toa, a concorrência que o CamHot enfrenta é grande e o estímulo à pessoa comum é uma boa chave de escape para se diferenciar. Com uma simples busca por “garotas na webcam” no Google, outros 600 mil resultados são listados.

O mais famoso dos ‘camming’, o Live Jasmin lidera isolado desde 2001, batendo atuais 28 milhões de acessos mensais. György Gattyán, fundador da rede de webcams on-line, era construtor civil e sem experiência com internet quando tirou do papel sua ideia milionária.

Em entrevista a uma TV húngara em 2013, Gattyán afirmou que o Live Jasmin valia cerca de US$ 500 milhões de dólares. Com esse valor de mercado, o empresário levou seu negócio a ter sede da empresa no Leste Europeu, outra nos Estados Unidos, e investimentos em outras áreas do entretenimento adulto.

O que conecta o CamHot à Brasileirinhas é o noção de que podem se tornar obsoletas com um simples descuido. Ambas irão investir de forma mais pesada em aparelhos móveis em 2016. 70% do acervo da Brasileirinhas é via dispositivos móveis. O CamHot também aderiu a plataforma, já que em ambos os casos o conteúdo é consumido na surdina, durante o horário do trabalho, na palma da mão. O vilão, dessa vez, pode ser o WhatsApp.

Em outubro, a versão americana da Playboy anunciou que deixará de publicar fotos de mulheres nuas na capa no próximo ano. “Nesse momento, mulher pelada passè”, afirmou o presidente da revista, Scott Flanders, ao The New York Times.

Em novembro de 2015, a revista Playboy Brasil foi extinta pela Editora Abril. Entre agosto de 2014 e esse ano, a publicação teve uma queda de 36% em suas vendas. Em seu auge, atingiu 1,4 milhões de unidades vendidas no País. Analistas atestam que o fechamento se deu ao modelo insustentável de pagar cachês espetaculares às famosas que estamparam suas capas ao longo de 40 anos.

Flanders, sem querer, lançou um diagnóstico mais palatável ao modelo editorial em que a revista se propôs. “Agora você está um clique de qualquer ato sexual possível”, lamentou, triste, em frente ao império inesgotável de putaria online.

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Shopping dos Desejos

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