O Dezoito Brumário de Jair Bolsonaro

Leonardo Coreicha
Revista Marginália
4 min readJun 13, 2019

“Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.”

Karl Marx

Quando se aproximavam as eleições de 2018, surge um debate e o medo de que, se eleito, o candidato de extrema direita, Jair Bolsonaro, pudesse reproduzir o terror imposto pela Ditadura Civil-Militar instituída em 1964.

Toda ideologia que fez sua campanha crescer e vencer as eleições se basearam no discurso e nos símbolos que remetiam à Ditadura. Desde a perseguição a uma suposta ameaça comunista, como o apelo ao jargão “Pátria, família e propriedade”, que fora levado às ruas pela pequena burguesia favorável ao golpe de 1964.

Entretanto, Bolsonaro sobe ao poder não através de um golpe, mas sim através de eleições diretas, com sufrágio universal e toda a lisura das democracias modernas. Assim, ergue-se um governo cujo principal ideal era a antidemocracia. Com um governante que dizia que ira perseguir as minorias e impor um regime duro contra os movimentos sociais, os direitos humanos e a intelectualidade (vide meu artigo anterior [I]).

Mas, como um país que estava começando a galgar os caminhos do “Estado Democrático de Direito”, após superar uma vergonhosa ditadura, escolhe o retrocesso?

Daí a referência ao 18 Brumário de Luís Bonaparte. Cujo golpe de Estado em 1851, após ser democraticamente eleito em 1848, o promoveu em 1852 ao cargo de Imperador e encerra a democracia na França até 1870. Assim, como Luís Bonaparte, Bolsonaro se ergue movendo o lumpemproletariado contra as lutas históricas dos trabalhadores. Apesar do Brasil não ter passado pelo período revolucionário, como em 1848 na França, as condições de ascensão dos trabalhadores (restritas ao consumo) eram destaque das políticas dos governos do PT.

Assim como a social-democracia francesa (La Montagne), o Partido dos Trabalhadores, abandonou o proletariado e partiu para um governo de conciliação de classe com a burguesia liberal. Entretanto, como é de praxe, uma parcela desta burguesia, descontente com a pequena ascensão do proletariado, inicia um processo reacionário. Logo, todas as reformas sociais-liberais, começaram a ser travestidas como socialistas pelos ideólogos desta nova extrema direita (como também foi feito na Ditadura [II]).

Mesmo o governo do PT tendo apoiado o projeto antipopular dos grandes eventos (Copa e Olimpíadas), que vieram com todos os ônus a serem descontados aos trabalhadores e movimentos sociais (remoções, perseguições, prisões políticas), a burguesia encampou o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. O processo, que foi marcado pelo discurso de extrema direita, já abria espaço para o que viria depois. O governo de Michel Temer foi o ícone da impopularidade, desagradava a esquerda, que o acusava de golpista e não agradava a extrema direita, que o via no espectro da política anterior. Temer, ainda, era um Luís Bonaparte republicano, que ainda estava filiado ao “Partido da Ordem” [III].

Assim, no primeiro turno das eleições de 2018, o “Partido da Ordem” se divide e lançam as candidaturas de Geraldo Alckmin(PSDB/PTB/PP/PR/DEM/SOLIDARIEDADE/PPS/PRB/PSD) e de Henrique Meirelles (MDB/PHS), que juntas não alcançaram 6% dos votos. “La Montagne” também se dividiu e lançou três candidaturas “liberais-desenvolvimentistas”: Fernando Haddad (PT/PCdoB/PROS), Ciro Gomes (PDT / AVANTE) e Marina Silva (REDE / PV), que somados obtiveram quase 42% dos votos. A esquerda, com algum viés revolucionário, lançou dois candidatos Guilherme Boulos (PSOL/PCB) e Vera Lúcia (PSTU), que não alcançaram 1% dos votos. Entretanto, o grande vencedor foi Jair Bolsonaro (PSL/PRTB), que a partir de uma pequena legenda de aluguel, não ficou apenas com 46% dos votos, mas elegeu uma grande bancada reacionária a reboque da campanha presidencial.

Mas se a grande burguesia e seus representantes se reuniam, no Partido da Ordem, que fracassou na eleição, quem elegeu Jair Bolsonaro?

A burguesia, que já havia se institucionalizado no poder, não poderia, sem ônus, apoiar o projeto bolsonarista. Entretanto, não mais se coadunava em manter as concessões aos trabalhadores que os social-desenvolvimentistas fomentavam com intuito de aumentar a consumo interno. Por isso, apesar de manter suas candidaturas no primeiro turno, apoiaram Jair Bolsonaro no segundo turno da eleição.

No primeiro turno, Jair Bolsonaro se apoiou unicamente no lumpemproletariado e em uma lumpemburguesia (varejistas, banqueiros e especuladores). Pois eram os únicos grupos que poderiam apoiá-lo, pois não havia impedimento moral. Estes setores se apoiam unicamente nos preconceitos e ganhos pessoais, promovendo um culto a Tânatos, em nome de Deus e das “pessoas de bem”. Assim, com a horda lumpesina, Bolsonaro avança sobre os votos do proletariado e da pequena-burguesia decepcionada com o governo do PT, prometendo o Éden, mas somente para os escolhidos. Com o pomo engasgado na garganta, até agora, só uma parcela do povo consegue gritar contra a onda reacionária que se forma no horizonte.

O próximo artigo será uma análise pormenorizada do novo lumpemproletariado.

I — Coreicha, Leonardo. A Ignorância versus Paulo Freire. Revista Marginália

II — Moreno, Marina. Golpe de 64 e a primordialidade de novas construções históricas. Revista Marginália

III — Referência ao principal partido da Burguesia Francesa, pelo qual se elegeu Luís Bonaparte.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. In: MARX. Karl. A Revolução antes da Revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2008

Folha de São Paulo. Resultado das Eleições 2018. In: https://politica.estadao.com.br/eleicoes/2018/cobertura-votacao-apuracao/primeiro-turno

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Leonardo Coreicha
Revista Marginália

Educador, historiador, advogado e, principalmente, um proletário lutando contra a opressão capitalista.