Instituições da Liberdade: Escola Austríaca e Ordoliberalismo

Mateus Bernardino
Economia e Filosofia
28 min readJan 13, 2022

Qual a origem das instituições? Qual a diferença entre instituições de origem ‘pragmática’ e ‘orgânica’? O que é a catalaxia, a kosmos, a taxis, as regras de justa conduta, a nomos e a thesis? O que significaria ‘absolutismo das instituições naturais’? Qual a abordagem institucional desenvolvida pela corrente ordoliberalista? Qual a contribuição de alguns dos principais autores da escola austríaca para o estudo das instituições sociais?

Estas são algumas das questões que este artigo procura abordar, em uma investigação e apresentação das contribuições dessas duas escolas de pensamento para o entendimento dos fenómenos institucionais e papel e importância da economia de mercado.

julho 19, 2013 por mateusbernardino

David Hume (1711–1716)

Introdução

Para a ciência econômica a noção instituição define o conjunto de regras formais (de jure) e informais (de facto) que restringem ou governam o comportamento humano e regem as interações interindividuais na sociedade. Uma constituição federal e um código jurídico fazem parte das regras formais regendo a conduta individual em determinada sociedade. Da mesma forma acontece com um contrato escrito e assinado entre duas (ou mais) partes, mesmo que essas regras digam respeito unicamente a um pequeno número de indivíduos.

Por outro lado, as normas sociais e as convenções são exemplos de regras informais pois elas não induzem forçosamente uma legislação ou contrato formal que acompanhe uma sanção explicitamente codificada e aceita pelos indivíduos de uma sociedade. Elas podem refletir crenças individuais, valores morais, costumes ou tradições como, por exemplo, o hábito de respeitar as promessas ou ceder o lugar aos mais velhos em um ônibus lotado.

Se conseguimos razoavelmente bem descrever o que são as instituições, nos resta buscar apresentar suas origens se quisermos estudar melhor as influências que elas exercem e analisar comparativamente os impactos que diferentes instituições induzem em matéria de incentivos, desenvolvimento social e econômico. Uma incursão em contribuições de dois autores pertencendo ao período iluminista europeu pode ser pertinente para esse propósito.

O filósofo David Hume (1711–1776) acreditava que as leis de uma boa sociedade se inscrevem primeiramente no coração dos homens, antes de serem efetivamente escritas e formalizadas por um corpo de legisladores. Da convenção estabelecendo a abstinência de participação ou intrusão nas posses alheias nascem as instituições, os direitos de propriedade, a justiça, as regras e as obrigações.

Essa convenção social deriva do sentimento humano que estabelece o que é virtude ou imoralidade.

A idéia de justiça, segundo David Hume (Hume 1739, p. 33), não nasce da natureza, da benevolência coletiva e ou da benevolência individual: ela nasce das convenções humanas, dos artifícios humanos e da capacidade inventiva dos seres-humanos. Hume não concebe um caráter natural que explicaria a origem das instituições [0].

John Locke (1632–1704)

Para John Locke (1632–1704) a mais importante instituição tem origem natural. Na medida que engaja e constitui uma condição para a sobrevivência do homem, os direitos de propriedade decorreriam de um fato natural que é a apropriação privada das coisas e do fato natural que é a propriedade privada da pessoa sobre ela mesma. Cada indivíduo goza de um direito natural de propriedade sobre si e sobre tudo o que anexa através de seu trabalho.

A propriedade antecede desta forma qualquer convenção, legislação ou sentimento de justiça. Antes do estabelecimento do Estado (que Locke chama indiferentemente “sociedade civil”, “sociedade política” ou “Commonwealth”), a propriedade existe naturalmente como uma necessidade da vida humana e consequência da propriedade privada da própria pessoa e de seu trabalho.

Os direitos individuais definidos por Locke são absolutos. Eles resumem-se na propriedade e decorrem da propriedade privada da pessoa sobre ela mesma.

A natureza da propriedade privada consiste em possuir qualquer coisa que ninguém possa legitimamente tomar sem o consentimento do proprietário. Desta forma os bens pessoais tem um caráter praticamente inviolável. A propriedade é um direito e uma prática natural, antecedendo e não dependendo de qualquer artifício e formalismo, como um pacto social que tenha fundado a sociedade política. A experiência e a razão são suficientes para que os homens saibam que não se deve tocar o que os outros adquiriram legitimamente.

Mesmo que não reine nenhuma autoridade humana (estado natural) os homens respeitam uma espécie de código moral natural que é inscrito na razão. Visto que neste estado todos os homens são iguais e independentes, nenhum deve atentar à liberdade ou às posses dos outros. Locke coloca a instituição do direito de propriedade em pé de igualdade com o direito à vida e o direito à liberdade.

Mas a origem das instituições e das regras circunscrevendo o comportamento humano em sociedade não interessa somente os filósofos. Muitos economistas se interessaram ao tema ao longo da história, pois o estudo da origem e das características das instituições ajuda na compreensão das consequências que estas instituições podem implicar sobre variáveis relativas à produção, aos mecanismos de incentivos e ao desenvolvimento económico das sociedades.

É possível compreender diferenças sociais a partir de uma ferramenta de estudo institucional. Apresentaremos brevemente a perspectiva de alguns dos principais autores da dita Escola Austríaca de Economia (Carl Menger, F. A. Hayek e L. V. Mises, M. Rothbard) e do Ordoliberalismo (Walter Eucken e Wilhelm Röpke) para o entendimento das questões institucionais.

Carl Menger (1840–1921)

Carl Menger (1840–1921): Instituições de Origem Orgânica e Pragmática

Carl Menger introduziu uma distinção particularmente importante para a compreensão das vias de formação e a origem das instituições. Para Menger (1883, p. 133) diferentes fenômenos sociais culminam na formação de tipos distintos de normas sociais.

As normas podem encontrar origem na intenção de grupos, volição comunitária ou interesse comum orientados na direção de seu estabelecimento, tais como a legislação positivada, contratos ou os acórdãos. Outras instituições no entanto podem nascer de forma desinteressada e se consolidar alheias a qualquer interesse comum organizado, coordenado e orientado para sua realização, elas têm origem em fenômenos de espécie diferente e tendo em vista a busca por objetivos e interesses essencialmente individuais e independentes.

As instituições sociais podem emergir e se consolidar a partir desses dois fenômenos sociais distintos. Os primeiros fenômenos têm origem pragmática, os segundos têm origem orgânica [1].

A compreensão da origem orgânica de algumas instituições é essencial para o estudo da economia, notadamente porque os fenômenos mercadológicos tem forte assimilação aos dispositivos contratuais e regras do jogo. Para Menger a moeda apresenta esta característica de instituição orgânica na medida que ela tem origem na ação de indivíduos que buscam satisfazer um objetivo pessoal ou melhorar simplesmente sua situação em um determinado período. A moeda — naquele caso o Ouro — é a conclusão de um processo social, ela constitui um resultado espontâneo e uma consequência não premeditada de esforços individuais de alguns membros da sociedade. Para Menger, outras instituições como o direito, a linguagem, os mercados, a organização em comunidade — e o próprio Estado — teriam esta mesma característica.

Da mesma maneira que a moeda surgiu a partir de tentativas em uma busca para encontrar meios de satisfazer as trocas de mercado e ultrapassar as restrições materiais dos indivíduos, as novas localidades, vilarejos e comunidades se constituíram pois indivíduos independentes tendo profissões e ambições diferentes — ou complementares — se estabeleceram em novos lugares onde eles acreditavam poder melhor desenvolver seus talentos, exercer suas profissões ou satisfazer uma demanda por seus bens e serviços. Os Estados e administrações locais formaram-se inicialmente pois, progressivamente, as famílias vivendo sob a mesma vizinhança julgaram que era vantajoso se unir para decidir questões essenciais para sua sobrevivência.

Trata-se do desenvolvimento orgânico da sociedade, onde as instituições sociais se formam como consequência não antecipada de ações humanas orientadas à satisfação de interesses e objetivos individuais.

A questão primordial que merece então ser levantada pelas ciências sociais segundo o autor (1883, p. 146) é aquela procurando entender como instituições que promovem tanto o bem-estar comum e que são particularmente importantes para seu desenvolvimento podem existir na ausência de uma vontade comum prévia e pré-definida que procurasse estabelecê-las.

Importante sublinhar que essa distinção entre instituições de origem pragmática e orgânica não chega a ser uma dicotomia. Para a compreensão dos fenômenos sociais em sua globalidade e integralidade a interpretação pragmática é tão indispensável quanto a interpretação orgânica (1883, p. 135). O exemplo clássico da importância das duas abordagens para o estudo das instituições continua sendo sua ilustração monetária.

O dinheiro não foi engendrado pela lei. Ele é uma instituição social que surgiu de forma alheia ao Estado, no entanto, segundo Menger, é através do reconhecimento e regulamentação estatal que esta instituição social que é a moeda (naquela altura o ouro, é importante ressaltar) foi aperfeiçoada e ajustada às necessidades de múltiplos agentes, ela pôde melhor responder às expectativas de um comércio mundial em plena evolução [2].

“Money has not been generated by law. In its origin it is a social, and not a state institution. Sanction by the authority of the state is a notion alien to it. On the other hand, however, by state recognition and state regulation, this social institution of money has been perfected and adjusted to the manifold and varying needs of an evolving commerce, just as customary rights have been perfected and adjusted by statute law.” (Menger 1892, p. 255)

Da mesma forma acontece com o direito originado dos costumes. Os direitos costumeiros foram neste sentido aperfeiçoados pela legislação e pelo direito legislado. De forma sumária, instituições emergem inicialmente de maneira orgânica e ulteriormente são consolidadas — ou deformadas — pela intervenção pragmática dos legisladores. O direito e o próprio Estado moderno seriam exemplos de instituições que se apresentaram como resultado de potências individualmente ou socialmente teleológicas, ou seja, foram criados para satisfazer determinado fim.

A origem institucional segundo Menger se explica em dois níveis distintos. Em primeiro lugar ações individuais e teleológicas, visando o interesse pessoal, engendram de maneira imprevista instituições de origem orgânica que são favoráveis à comunidade, notadamente, por intermediário de um comportamentos de imitação. Em segundo lugar ações sociais teleológicas, visando o bem-comum, produzem de maneira deliberada instituições de origem pragmática. Os dois níveis não são portanto independentes, as ações pragmáticas podem melhorar as instituições formadas pelas vias orgânicas, que podem ser anteriores do ponto de vista histórico.

Walter Eucken (1891–1950)

Walter Eucken (1891–1950): Teoria da Ordem

O ordoliberalismo se distingue do liberalismo pela importância que é acordada ao papel do Estado enquanto guardião da ordem de mercado. Ao mesmo tempo em que privilegia a liberdade individual, a análise ordoliberalista ressalta a importância do papel das regras constitucionais que engendrariam e permitiriam o funcionamento saudável da economia de mercado.

Segundo a teoria ordoliberal, o Estado tem por responsabilidade a criação de um quadro legal e institucional permitindo o bom funcionamento da economia, notadamente, pela supervisão e garantia do mantimento da concorrência. Ao invés de considerar que as regras de justa conduta sejam o resultado de uma seleção cultural natural, como fará F. A. Hayek, Walter Eucken (1940) insiste que o estabelecimento destas regras é, e deve ser, deliberado pela constituição de um Estado. Deve haver uma garantia prévia permitindo a existência e mantimento de uma ordem de concorrência livre. A concorrência não poderia se desenvolver e se entreter espontaneamente.

Os homens políticos e corpo burocrático coordenam iniciativas para preservar um quadro legal fomentando a iniciativa individual e produtiva. Uma economia verdadeiramente liberal é o fruto de um cuidadoso design institucional. Caso o Estado garanta unicamente os direitos de propriedade, a ordem concorrencial seria minada pela tendência natural de concentração monopolista e pela ação dos grupos de pressão e interesse. O ordoliberalismo poderia ser visto como um corpo teórico procurando um caminho entre o socialismo e o laissez-faire puro da economia de mercado. É a procura de uma possível, mas pouco provável, terceira via entre o liberalismo e o socialismo. Algo que alguns chamariam de economia mista e que eles descreviam como economia social de mercado.

A essência do que prescrevera o ordoliberalismo é associado ao que Eucken definiria como princípios constitutivos (K) e regulamentários (R) de uma economia de mercado:

Princípios Originais da Economia de Mercado: Princípios Constitutivos e Regulamentários

O sistema e funcionamento do mecanismo de preços (K1) tem como referência o quadro da competição perfeita. Trata-se da visão descentralizada da estrutura de mercado, algo que seria importante para o bom funcionamento do mecanismo de preços e alocação eficiente dos recursos. A primazia da ordem monetária (K2) descreve a importância da estabilidade da moeda para o cálculo econômico dos agentes, isto quer dizer que deve ser conferida importância aos baixos níveis de oscilação dos preços (inflação).

Os mercados abertos (K3) fazem referência a ausência de barreiras alfandegárias proibitivas e restrições demasiadamente fortes ao livre-comércio. Os direitos de propriedade (K4) descrevem o papel importante desta instituição para o mantimento da ordem social e o funcionamento da economia de mercado. A liberdade de contrato (K5) idem, desde que não seja para a formação de cartéis. O principio de responsabilidade (K6) descreve a idéia de que os proprietários e acionários devem suportar as consequências de suas ações e decisões sejam elas boas ou ruins, este princípio é decorrente e está intimamente relacionado ao respeito dos direitos de propriedade.

A continuidade da política econômica (K7) apresenta a idéia de que as políticas estatais não devem mudar bruscamente de direção ao sabor das mudanças de administração e nem serem adoptadas sem consentimento dos participantes do mercado. O conjunto de regulamentações (R1….R4) apresenta os domínios nos quais o governo teria um papel intervencionista a exercer: agências públicas de regulamentação da concorrência, fiscalidade progressiva, correção e supervisão da gestão das externalidades, correção e gestão das flutuações importantes no mercado de trabalho com intuito de “proteger os trabalhadores” [3].

Através de um método fundamentado na “abstracção”, o trabalho de Eucken procurou identificar desde o contexto histórico formas mais ou menos recorrentes de ordens econômicas (Wirtschaftsordnung). Existiriam então instituições “puras” opondo de um lado a economia centralmente dirigida (Zentralverwaltungswirtschaft) e do outro a economia de mercado (Marktwirtschaft). Cada uma destas duas formas puras é subdividida em outras formas suplementares, de tal forma que existe uma grande variedade de sistemas histórico-econômicos resultando destas subdivisões, e inúmeras possibilidades derivando das diversas combinações que podem existir a partir destas formas originais mais ou menos puras.

Para Eucken, no entanto, o critério principal de distinção das grandes ordens econômicas e arranjos institucionais não repousa na relação eles que entretém com os direitos de propriedade (socialismo e capitalismo). Ao invés disso, ele se concentra na repartição do que chama “poder de planificação econômica”. De acordo com sua teoria, a Rússia soviética e a Alemanha nacional-socialista constituem dois exemplos de economia centralmente planificada, a primeira sob regime de propriedade coletiva, a segunda sob propriedade privada dos meios de produção.

A ordem econômica e social é fundamentada sobre as regras e as instituições oficiais. A ordem política (Ordnungspolitik) é uma conduta política centralizada em determinado quadro legal e institucional considerado oficial. Como ilustrado mais acima, a ordem política de uma economia de mercado, ou a política da ordem, deve partir de uma hierarquia de normas oficiais que distingue os princípios constitutivos (K) e regulamentàrios (R) mais essenciais para seu funcionamento.

Eucken se contentou de observar e abstrair, a partir dos eventos históricos e acontecimentos políticos, o quadro de instituições que surgira em diferentes regiões e a partir destes quadros constituir um estudo comparativo. Seu provável objetivo era estabelecer um quadro institucional que ele considera compatível com a economia de mercado moderna mas que, no entanto, procura evitar o que os socialistas chamariam de “excessos do capitalismo”.

Embora sua análise seja relativamente interessante, ela está longe de apresentar uma explicação científica convincente para a origem das instituições, como fizeram Carl Menger e F. A. Hayek. Para Eucken, as instituições são apenas o resultado da inscrição estatal de leis oficiais, o resultado de uma analise sócio-política da história. De maneira geral e sumária para os ordoliberalistas:

“os homens que se afrontam sobre o mercado, e, perseguindo o lucro, contam ganhar (esta batalha), devem estar mais ligados, moralmente e socialmente à comunidade, se não a concorrência pode perigosamente degenerar. Em outros termos, a economia de mercado não é tudo: ela deve se inserir em um contexto geral mais elevado que não pode se fundamentar (unicamente) sobre a oferta e a demanda, a liberdade de preços e a concorrência. Ela deve ser fortemente contida em um quadro de ordem geral que corrige as imperfeições e os rigores da economia livre, sem recusar ao homem uma existência (que seja) conforme a sua natureza.” (Wilhelm Röpke 1962 , p.138, tradução livre do francês).

Röpke por exemplo compreende perfeitamente o papel da concorrência, a importância dos direitos de propriedade e dos mecanismos de preço. Ele não renega a influência e o potencial que podem exercer diferentes instituições e mecanismos incitativos consequentemente sobre o processo produtivo e progresso socio-económico. Ele não tem dúvidas da superioridade da economia de mercado sobre os regimes coletivistas de produção em termos de incentivo ao progresso. Röpke condenava inclusive a abordagem e as críticas keynesianas, ou o que fizeram ulteriormente os sucessores de Keynes das críticas keynesianas, e ele denunciava o perigo que representava o comunismo e os regimes totalitários para o destino da humanidade.

Wilhelm Röpke (1899–1960)

No entanto, o autor fazia isso ao mesmo tempo em que portava duras críticas ao que chamava de economismo, materialismo e utilitarismo presentes na análise economica e social, que para ele representaria o culto à produtividade e ao aumento dos níveis de vida, foco na expansão material e preocupação única com a satisfação das necessidades e ambições físicas. Para o autor (1962, p.162), “o totalitarismo ganha terreno na medida em que os homens, vítimas de um processo de decomposição, sofrem com a não-realização de seus objetivos (materiais) de vida, um definhamento total de sua existência, em poucas palavras, sofrem com o roubo das verdadeiras condições de felicidade humana que lhes é imposto. Não é então surpresa que o resultado do combate entre o comunismo e o mundo livre intervirá não enquanto resultado da competição entre níveis materiais de vida, mas sim no campo espiritual e da moral.”

A superioridade material proporcionada pela economia de mercado poderia esbarrar em um eventual vazio espiritual e vício moral. De forma conclusiva: embora possa ser apresentada como parte do corpo teórico liberal, o ordoliberalismo enquanto doutrina, abre o caminho para um vasto programa de intervencionismo, indo desde a regulamentação da concorrência, fiscalidade progressiva, política monetária, até a intervenção no mercado de trabalho e correcção de externalidades. Além disso, mesmo que conserve uma abordagem de pesquisa em economia que pode ser considerada institucionalista, o ordoliberalismo fornece uma explicação relativamente pobre para a origem das instituições sociais.

Von Mises (1881–1973): A Prioridade da Economia de Mercado

Ludwig Von Mises foi um dos primeiros autores, se não o primeiro, a ter utilizado o termo catallactic (cataláctica) para descrever os fenômenos de mercado, termo que será ulteriormente retomado por Friedrich Von Hayek para seus trabalhos no campo institucional. Mises descrevia em seu tratado Ação Humana a cataláctica como sinônimo de ordem da economia de mercado ou economia da sociedade de mercado, e a catalaxia a análise das ações e fenômenos de mercado.

O campo de estudo da cataláctica cobre todos os fenómenos de mercado, com todas suas raízes, ramificações e consequências. As instituições de uma ordem de mercado surgem e se consolidam pelo prisma do funcionamento prévio das trocas comerciais e como extensão da ordem da propriedade privada. Muito menos por rigor lógico ou epistemológico, mas por considerações práticas e em razão de convenções tradicionais, Mises (1949, 272–273) explica que o campo de estudo da cataláctica ou da economia no sentido puro da palavra é a análise das ações conduzidas tendo em consideração o cálculo monetário, fundado nos preços de mercado. As trocas de mercado e o cálculo em moeda estão associados de maneira imperativa [4].

A ordem de mercado tem um papel fundamental para o mantimento e respeito dos institutos vinculados às liberdades e direitos individuais, a liberdade sendo o valor moral mais importante para uma sociedade civilizada. Contrariamente aos ordoliberalistas, Von Mises afirma que o que dá ao indivíduo a liberdade que é compatível com a civilidade da vida em sociedade é o funcionamento da economia de mercado.

O registro formal das instituições em si não engendra a liberdade individual. A maior instituição geradora de liberdade, para o autor, é o próprio funcionamento da economia de mercado e aplicação de suas soluções espontâneas para a resolução de eventuais conflitos.

Para Mises, as constituições e as declarações dos direitos humanos não criam ou engendram a liberdade, elas não fazem mais do que proteger a liberdade que é acordada aos indivíduos pelo sistema econômico concorrencial contra usurpações cometidas pelos poderes de polícia das autoridades políticas.

Nesse sentido, prossegue o autor, “em uma economia de mercado, as pessoas têm a ocasião de lutar para obter a posição que elas desejem atingir na estrutura da divisão social do trabalho. Elas estão livres para escolher a vocação a qual elas pretendem servir seus semelhantes. Em uma economia planificada, eles não dispõem deste direito. As autoridades determinam a profissão de cada um. O arbitrário dos superiores assegura a promoção de um homem a um melhor posto de trabalho, ou o interdita disto.” (Mises 1956). Embora Mises acreditasse que era necessário que o governo assegurasse um mínimo de instituições salvaguardando a propriedade, a vida, e por conseguinte a liberdade, para ele a prioridade era a economia de mercado pois seria ela o motor da sociedade livre e suas instituições.

Friedrich V. Hayek (1899–1992)

F. A. Hayek (1899–1992): Instituições da Liberdade

Hayek talvez tenha sido o mais eminente autor em termos de contribuições para construção de uma base sólida, extensiva e com repercussões recaindo em um sistema completo de estudo das questões institucionais. Suas contribuições para teoria social não encontram paralelo entre os demais autores que estudaremos nesse artigo, trata-se de um programa de estudos do homem e das relações sociais que culmina em toda uma teoria institucional ambiciosa e completa.

De partida, as idéias e os conceitos institucionais de Carl Menger (instituições orgânicas e pragmáticas) influenciaram indiscutivelmente os trabalhos de F. A. Hayek. A análise institucional de Hayek se inspirava bastante também da idéia de “mão invisível”, célebre analogia apresentada originalmente por Adam Smith (1723–1790). Segundo Hayek, a mão invisível é um conceito rudimentar mas fundamental para a compreensão científica de fenômenos de auto-organização como a economia e o próprio mercado. Embora simplista, se trata de uma metáfora que ulteriormente permitiu um avanço importante do estudo social e pesquisa em economia [5].

O conceito de mão invisível e ordenamento natural encontrado em diversas contribuições de autores clássicos ajudaria a esclarecer que os resultados desta auto-organização fundamentada na colaboração espontânea e voluntária podem procurar resultados melhores do que os próprios indivíduos poderiam esperar por meio deste processo de colaboração direta e indireta.

“It is the contention that, by tracing the combined effects of individual actions, we discover that many of the institutions on which human achievements rest have arisen and are functioning without a designing and directing mind (…) and that the spontaneous collaboration of free men often creates things which are greater than their individual minds can ever fully comprehend. This is the great theme of Josiah Tucker and Adam Smith, of Adam Ferguson and Edmund Burke (…).” (Hayek 1948, p. 6–7)

A partir da distinção mengeriana de instituições pragmáticas e orgânicas, Hayek vai estender conceitos que ele denominou pelo termo ordens. Apresentemos então o que Hayek entende por ordem. O conceito ordem invoca a idéia de coerência e permanência. Ele se aproxima das noções “sistema”, “estrutura” ou “modelo” (1973, p. 42). Em um ambiente social e econômico é essencial distinguir as ordens construídas e fabricadas deliberadamente — organizações — das ordens espontâneas, que se formaram e se desenvolveram através de uma evolução não dirigida, através de um processo de auto-organização.

Embora exista uma diferença nítida, ou mesmo um contraste entre elas, estas ordens organizadas e espontâneas coexistem na sociedade e nas relações econômicas. A ordem organizada é relativamente simples, ela tem um objetivo: existe uma direção objectivada e definida que pode ser atingida e estabelecida mediante certas regras. Trata-se de uma coordenação consciente e deliberada das ações individuais. A ordem espontânea, ao contrário, é complexa. Ela não conhece organizador, director ou planificador. Ela é desprovida de qualquer finalidade. Trata-se da coordenação das acções que se opera de maneira inconsciente mas efectiva.

A ordem organizada é concreta, a ordem espontânea é abstrata: não se pode compreender esta última de maneira imediata e evidente, seria necessário para isso reconstituir mentalmente todas as diversas relações existentes entre os elementos que a compõem.

Os conceitos Kosmos e Taxis ajudam Hayek a distinguir e melhor apreender estes dois tipos de ordem. A Taxis descreve a ordem exógena caracterizando as organizações. A Kosmos revela uma ordem que é amadurecida com o tempo, autogerada, endógena e espontânea. No interior de uma organização (taxis), a ação dos membros deve ser estritamente subordinada a objetivos conhecidos, comuns e imperativos. Por outro lado a kosmos tem por particularidade render compatíveis e indissociáveis as buscas de fins estritamente individuais, fazendo emergir de maneira não intencional e eficaz uma cooperação interindividual.

Hayek utiliza o mercado como ilustração de ordem espontânea, o termo cataláctica designa tradicionalmente a ciência que estuda a ordem de mercado. O termo catalaxia aponta a coordenação espontânea dos esforços de indivíduos livres em uma grande sociedade aberta e complexa. A catalaxia é uma espécie particular de ordem espontânea produzida pelo mercado através da ação de indivíduos que se conformam às regras jurídicas envolvendo a propriedade, os danos e os contratos. Nas trocas de mercado cada um persegue um objetivo individual e autônomo, ignorado muitas vezes pelos outros indivíduos. Estas operações tem por característica a promoção de uma vantagem aos indivíduos que participam ao comércio, e ainda, uma vantagem à sociedade aberta como um todo.

O conceito instituição, em Hayek, está estreitamente ligado às noções de norma e regra. Sobre os dois tipos de ordem que viemos de descrever, repousam respectivamente regras. A organização é governada por instituições e regras editadas pela direcção estabelecida. Estas diretivas e regras estando diretamente ligadas aos próprios objetivos da organização e da direcção. Por outro lado, a ordem espontânea é unicamente fundamentada nas regras de justa conduta: o que significa um conjunto de regras abstratas permitindo aos indivíduos de agir, interagir e atingir seus objetivos e fins próprios através do ajustamento mutual de seus comportamentos.

São regras edificando um quadro institucional geral e permanente que é aplicado a todos os indivíduos. Elas condicionam a coordenação de ações individuais independentes. São regras universais que não fazem objeto de uma criação consciente, nenhum legislador precisou decidir, por exemplo, que o assassinato, o roubo ou a fraude seriam ações proibidas, devendo então fazer objeto de sanção e punição prevista em lei.

Elas se distinguem de um quadro de normas edificadas com um objetivo preciso, elaboradas de maneira consciente. São regras negativas e limitativas, elas não obrigam os indivíduos a adotar positivamente tal comportamento determinado. Não se tratam de comandos, ao invés disso, elas proíbem certos comportamentos considerados nocivos à coordenação das ações e interações individuais. Elas permitem a redução da incerteza inerente às relações humanas.

A oposição entre os termos Nomos e Thesis permite melhor esclarecer a noção de regras de justa conduta. O termo nomos nos envia às regras específicas que não foram inventadas deliberadamente mas que foram descobertas. Ao contrário disto, o termo thesis designa as regras da organização que foram editadas pela autoridade pública. A oposição entre nomos e thesis nos envia à diferença jurídica entre as normas do direito privado e do direito público. A nomos é então uma ordem espontânea, as regras de justa conduta são da ordem da nomos. O juiz não cria a lei, ele a descobre e tem por tarefa explicitar e codificar as normas preexistentes que foram o fruto de um longo processo de evolução acordando aos grupos que se conformam a ela uma superioridade sobre outros grupos. Assim emergem e perduram as instituições sociais para Hayek.

O critério de distinção da norma de justa conduta das demais poderia atender os seguintes requisitos: uma regra que se contenta simplesmente de limitar o campo de ação dos indivíduos, descrevendo o que é lícito ou não, não descrevendo implicitamente uma ação determinada, ele nunca prescreve algo que as pessoas devem fazer.

Hayek formulou assim sua “teoria geral das regras” e da origem das instituições. Seu trabalho é uma contribuição extremamente importante para a compreensão dos fenômenos institucionais. As regras de justa conduta são instrumentos colocados à disposição dos indivíduos. Elas fornecem uma parte dos dados que podem servir de base para a tomada de decisões corretas.

As regras abstratas fornecem mecanismos de ajustamento das antecipações ao seio de uma ordem complexa, elas complementam então o quadro de ferramentas de coordenação que está disponível para os agentes. Para Hayek, o Estado salvaguarda um duplo caráter e deve preencher duas missões. Por um lado ele deve formalizar e sancionar as regras de justa conduta que são descobertas pelo processo judiciário (Hayek se refere ao sistema de Common Law Anglo-Americano), mas ainda, da mesma forma que Carl Menger, o Estado pode aperfeiçoar ou ajustar este quadro de regras sem portanto desrespeitar seu caráter abstrato e sua função primordial que é o mantimento da ordem social espontânea. O Estado é quem é responsável da salvaguarda da nomos.

Por outro lado, o próprio Estado é uma organização, ele é uma ordem organizada que repousa sobre regras finalizadas e instruções internas. A legitimidade e autenticidade do Estado de direito repousa na capacidade que ele tem de fazer respeitar a nomos (direito civil ou privado) e na sua capacidade de respeitar as próprias regras (thesis, direito público) internas à organização.

A confusão e desrespeito destas duas tarefas é um grande erro. Isto constitui um erro próprio às tradições construtivistas (do direito europeu continental para Hayek) e regimes socialistas ou totalitários. Em tais regimes é comum a confusão consistindo em, primeiramente, tomar toda a sociedade como uma organização e, a partir daí, misturar ou confundir o que releva da nomos e o que releva da thesis. Isto se traduz por intervenções intempestivas na ordem espontânea, comprometendo a sua reprodução e gerando efeitos perversos, estes mesmos efeitos perversos conduzem a novas intervenções. Estabelecendo-se neste processo assim um ciclo que conduzirá em última instância à servidão.

Hayek reafirma o liberalismo clássico sobre uma base que integra sua dimensão econômica (ordem espontânea do mercado) e sobre sua dimensão política (liberdade individual) através de uma teoria institucional fundamentada no direito e na moral. Sua abordagem e análise das instituições está certamente entre as mais satisfatórias, profundas e completas entre os economistas.

Murray N. Rothbard (1926–1995)

Murray Rothbard (1926–1995): O Absolutismo das Instituições Naturais

Foi em Murray Rothbard que a idéia de direitos individuais absolutos fundamentados na natureza do homem e nos direitos naturais de propriedade ganhou novamente lugar especial na defesa da economia de mercado. Desta perspectiva, o direito à propriedade é natural, uma instituição inerente às relações sociais, mas ainda — como teria proposto Locke, instituição indissociável da própria concepção de indivíduo e da auto-propriedade [6].

Trata-se da instituição que por excelência daria embasamento moral à defesa do mercado e livre contractualização. Em seu tratado de ética libertária, The Ethics of Liberty (1982), Rothbard declara procurar construir uma teoria do direito natural fundamentada na teoria de John Locke, autor que ele considera da maior relevância. Rothbard coloca a racionalidade como principal elemento de distinção do homem em relação aos outros animais: o homem é um animal racional.

A racionalidade é o que dá identidade ao homem. A instituição natural adquire caráter absoluto pois impõe-se a todos indiferentemente. Isto não dependeria de qualquer espécie de adesão ou aceitação individual. Ela se baseia na natureza racional do homem. Como qualquer outro animal, o homem quer sua própria conservação, ele pretende e tem o direito natural de perpetuar sua espécie: isto é, diz Rothbard, um “axioma incontestável”.

A instituição natural (auto-propriedade), que decorre da natureza racional do ser-humano, adquire tal caráter na própria manifestação da ação humana: o comportamento humano evidencia o caráter natural da instituição.

Para sobreviver, o homem deve utilizar sua razão pois seu “instinto animal” não é suficiente: o homem serve-se de sua razão para determinar os fins a serem perseguidos e os meios a serem utilizados. A razão é individual, não existe outra razão se não a individual, é cada indivíduo quem determina suas escolhas através de sua razão, o indivíduo se pertence. A auto-propriedade é uma instituição natural que impõe uma concepção particular da noção de indivíduo, ela é, segundo esta apresentação, absoluta. Da natureza racional do homem decorre uma lei natural que governa seu comportamento.

O absolutismo da instituição natural é acessível mediante o uso da própria razão. Segundo Rothbard, as grandes informações referentes à lei natural do homem, que são acessíveis à razão, repousam na busca pelo indivíduo de seus próprios interesses, em seu contrôle racional sobre si mesmo ou, dito de outra forma, sua propriedade sobre si mesmo, e, enfim, na eficácia da sociedade e divisão do trabalho.

A concepção absolutista da instituição natural decorre da simples observação da manifestação do comportamento humano, e ela engendra uma moral, a lei natural implica uma moral, segundo Rothbard, tratam-se de “leis morais geralmente aceitas e cuja a maior parte das pessoas adere” voluntariamente. Para sobreviver e manifestar-se e aflorar enquanto homem, o indivíduo deve utilizar-se da razão: esta é uma regra da moral natural. Trata-se da regra ética mais fundamental: ela se aplica a cada homem.

A instituição natural implica uma ética, ela forma um conjunto coerente de regras de vida que é compatível com a natureza do homem, elas contribuem ao seu desabrochar enquanto ser humano. Um exemplo de regra decorrendo da lei natural é a interdição do assassinato e do roubo.

A primeira regra da moral natural é que o indivíduo deve preservar sua vida, ele tem o direito natural de não sofrer agressão aleatória. A segunda regra moral é que o homem deve utilizar sua razão para perdurar. A propriedade de si por ser absoluta implica o “não direito” de agredir a propriedade alheia ou corpo de outrem, ela é desta forma uma norma de conduta e critério de justiça. Assim emergem naturalmente as instituições para Rothbard.

O direito natural decorre da natureza do homem. O fato que o homem é um ser racional e sociável exige que cada um possa, para aperfeiçoar sua natureza, estar ao abrigo das interferências coercitivas da parte de outrem: a violência é a antítese da razão e a negação das vantagens da sociedade e civilização. Os direitos são naturalmente iguais em virtude da regra da universalidade da moral natural.

Essas considerações gerais não são suficientes para especificar a natureza dos direitos individuais. Para fazê-lo ser, Rothbard recorre a uma teoria lockeana dos direitos de propriedade a partir da qual ele faz derivar todos os direitos individuais.

Toda propriedade decorre então do direito natural de propriedade privada da pessoa e das ações pelas quais o indivíduo prolonga sua pessoa sobre o mundo, apropriando-se das coisas ainda não possuídas. Todos os direitos individuais vêm destes direitos de propriedade. Neste sentido, a filosofia política de Rothbard e da maior parte dos libertários é “proprietarista. Ela fundamenta-se na natureza inalterável das coisas, ela adquire caráter absoluto por ser inalienável, os direitos individuais são absolutos e, por definição, independentes do tempo e do lugar.

Toda ação que não tem origem voluntária não decorre de um gesto positivo. Dito de outra forma, sem o devido consentimento individual qualquer intromissão vinda de alhures é uma violação à instituição natural, é um ato imoral, uma violação do direito, um ato de injustiça, um comportamento passível de punição. Da ilegalidade que consiste forçar um indivíduo a apresentar gestos positivos ao encontro e desproveito de outro, decorre a ilegitimidade de toda redistribuição estatal: ela fundamenta-se na violação da instituição natural, na ausência de devido consentimento.

O imposto ou a fiscalidade, para Rothbard, é um roubo puro e simples.

Não é somente a missão social do Estado que é incompatível com os direitos naturais do indivíduo, mas o próprio Estado é uma violação das normas naturais, pois, mesmo em seu papel de proteção pública, ele se financia pelo imposto coercivo. O Estado, que subsiste através do imposto, por consequência lógica deste raciocínio, é um usurpador da instituição natural, uma entidade imoral e injusta: uma vasta organização criminosa.

As instituições naturais podem perfeitamente se passar do Estado para sua conservação e desenvolvimento. Seria desnecessário conservar através do Estado um conjunto qualquer de normas: as instituições decorrentes dos direitos naturais em vez de estarem melhor garantidas pela organização governamental, são fundamentalmente usurpadas pelo Estado. Seria ilusório, como acreditam tradicionalmente os liberais, querer limitar constitucionalmente uma organização tão essencialmente tirânica.

Agressor constante e incondicional dos direitos individuais, o Estado deve ser abolido pura e simplesmente.

A teoria institucional rothbardiana é uma teoria dos direitos naturais. A emergencia institucional é uma estória do reconhecimento social de um direito natural absoluto através da razão, e sua tentativa de aplicação pelas elites administrativas uma contradição na medida que sua própria existência repousa sobre mecanismos (impostos) de violação da lei natural, da autopropriedade e livre funcionamento do jogo das trocas de mercado e interesses individuais.

Notas

[0] Para Hume:

“(…) ces impressions qui donnent naissance à ce sens de la justice ne sont pas naturelles à l’esprit de l’homme mais naissent d’un artifice et des conventions humaines car, puisqu’un important changement du tempérament et des circonstances détruit également la justice et l’injustice et puisqu’un tel changement a un effet seulement en changeant notre propre intérêt et l’intérêt public, il s’ensuit que le premier établissement des règles de justice repose sur ces différents intérêts.” (Hume 1739, p. 35)

[1] De acordo com Menger:

“Natural organisms are composed of elements, which serve the function of the unit in a thoroughly mechanical way. They are the result of purely causal processes, of the mechanical play of natural forces. The so-called social organisms, on the contrary, simply cannot be viewed and interpreted as the product of purely mechanical force effects. They are, rather, the result of human efforts, the efforts of thinking, feeling, acting human beings. Thus, if we can speak at all of an “organic origin” of social structures, or, more correctly, of a part of these, this can merely refer to one circumstance. This is that some social phenomena are the results of a common will directed toward their establishment (agreement, positive legislation, etc.), while others are the unintended result of human efforts aimed at attaining essentially individual goals (the unintended results of these). In the first case social phenomena result from the common will directed toward their establishment (they are its intended products). In the second case social phenomena come about as the unintended result of individual human efforts (pursuing individual interests) without a common will directed toward their establishment.” (Menger, 1883)

[2] Podemos nos perguntar se Menger manteria essa mesma interpretação dos eventos após os sucessivos ataques e histórico de governos promovendo a falsificação monetária, com o fim do padrão ouro.

[3] Percebemos que o intervencionismo ordoliberal é muito mais importante quando comparado ao quadro liberal clássico. Vale lembrar que todos estes campos de intervenção são vastamente explorados atualmente pela maioria dos Estados modernos.

[4] Traduzido do francês:

“L’objet d’étude de la catallactique couvre tous les phénomènes de marché, avec toutes leurs racines, ramifications et conséquences. (…) Non par rigueur logique ou épistémologique, mais pour des considérations pratiques et en raison de conventions traditionnelles, nous dirons que le domaine de la catallactique ou de l’économie au sens étroit est l’analyse des phénomènes de marché. Ceci revient à dire : la catallaxie est l’analyse de ces actions qui sont conduites sur la base des calculs en monnaie. L’échange de marché et le calcul en monnaie sont indissociablement liés.” (Mises 1949, 272–273)

[5] De acordo com Hayek:

“C’est seulement la révolution marginaliste des années 1870 qui a produit une explication satisfaisante des processus de marché qu’Adam Smith avait, longtemps auparavant, décrit par sa métaphore de la « main invisible » — description qui, en dépit de son caractère encore métaphorique et incomplet, a été la première prise en compte scientifique de tels phénomènes d’auto-organisation.”(Hayek 1993, p. 202–203)

[6] Como lembrou Pierre Lemieux (1988) o reconhecimento da anterioridade da ética para a defesa do liberalismo e das instituições da liberdade não era novidade: Ayn Rand, John Locke e Robert Nozick foram também testemunhas.

Referências

Eucken, W. The Foundations of Economics, History and Theory in the Analysis of Economic Reality. William Hodge & Co, London 1950.

Hayek, F. V. Individualism and economic order. The University of Chicago Press, 1948.

_____. Droit, législation et liberté: une nouvelle formulation des principes libéraux de justice et d’économie politique. Paris, Presses Universitaires de France, Quadrige, 2007 (1973, 1976, 1979).

_____. La présomption fatale : les erreurs du socialisme. Libre-Echange, PUF, 1993.

Lemieux, P. L’anacho-capitalisme. Puf, 1988.

Menger, C. Principles of economics. New York University Press, 1871 (1976).

___. Investigation into the Method of the Social Sciences, with Special Reference to Economics. New York University Press, 1883 (1985).

___. On the Origins of Money. Economic Journal, Vol. 2, p. 239–255, 1892.

Mises, L. V. Human Action. Yale University Press, 1949.

___. La mentalité anticapitaliste. Institut Coppet. Traduzido em francês por Hervé de Quengo, a versão original (the anti-capitalistic mentality) foi primeiramente publicada em 1956.

Röpke, W. Au-delà de l’offre et de la demande. Les Belles Lettres, Paris 2009 (1962).

Rothbard, M. The Ethics of Liberty, Atlantic Highlands (New Jersey), Humanities Press, 1982.

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