Baunilha: um bálsamo para mulheres fortes demais

Palmira Margarida
Mulheres
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6 min readNov 20, 2017
Mulher de Madagascar, país produtor da melhor baunilha do mundo.

Este artigo (preferia nomear de manifesto da baunilha) deveria se chamar ‘’’as mulheres que decidiram por se amar’’, mas precisava provocar as mulheres fortes demais e que acreditam que não têm tempo para essa coisa, chamada amor. Logo as fortes, essas mulheres cheias de amor e que de tanto amar tiveram que aprender a ser fortes para mantê-lo seja por seus filhos, parentes, famílias, sonhos! (O primeiro texto da baunilha está aqui).

A baunilha anda dando o ar de sua graça, dançando um belo ijexá, espelhando seus encantos, estendendo as mãos a cada mulher cansada da labuta e dizendo “vem dançar comigo, jogue esse corpo ao ar, sinta o prazer de ter nascido mulher, esse prazer que te renegaram, que falaram que não podia, mas você pode, você deve e se for preciso gritar, grite, pois eu, baunilha, estarei aqui para te dizer: vai que te seguro’’.

Baunilhas nos seguram, elas carregam nossas ancestrais fortes e guerreiras, aquelas que são como raízes de vetiver incansáveis. Alguns dizem que bagas de baunilhas parecem com falos, mas para mim, elas parecem mesmo com vaginas abertas e suando. É só abri-las na vertical, com muito amor e veneração e verá uma vagina morna e pulsante. Lembrando que para mim, hoje, vagina é um estado de ser e não uma parte material. Assumir essa posição de abraçar as irmãs trans é porrada. Mas, como sempre digo, sou uma mulher visceral, assim como, acredito, sejam todas as mulheres que se interessaram por esse texto. A verdade é que a gente está acostumada a levar porrada, sangrar, levantar cheia de dor e continuar, né, meninas? Mas baunilha está aqui justamente para dizer que a vida não pode ser só porrada, não dá! É preciso ver um milagre, uma folha de jurema dançando nessa vida.

Baunilha é a auto veneração, é a vagina, nosso lugar de poder, mas ela é só uma entrada, o que importa é o que emana de todo esse local sagrado em nossa mente. (você pode ler mais aqui no primeiro texto sobre a baunilha e aqui sobre o texto do cheiro natural da vagina).

A baunilha está feroz para dizer que você pode e deve ser amar. Sim, há visceralidade e ferocidade no amor! O amor, essa identidade profunda e que cheira a sabedoria não poderia ser superficial, ele não brota da flor, mas das vísceras. A flor é só a emanação final de quem já andou em todas as lamas e buracos dessa existência. Não se enganem! Mas você permite ser flor? Permite-se ser uma baga doce como a baunilha? Ou fica só lá nas raízes segurando tudo? Por que faz isso? A baunilha te pergunta, olho no olho ‘’vamos mudar essa história? Vamos liberar essas ancestrais lutadoras e dar paz às memórias delas também?

A baunilha, apesar de ter sido associada pela domesticação industrial a um cheiro de angel de Victoria Secrets e com perfuminho fraco de ‘’mulherzinha’’, é sim uma baga para lá de forte. Só quem é forte e compassivo entende o que é amor e para ser compassivo, de verdade, e não apenas nos “améns” das Igrejas, é preciso uma visceralidade ímpar, dessas vividas de verdade, sem medo ou, às vezes, com muito medo, mas vividos, caindo e levantando, dando a cara a tapa, remuendo os espinhos da rosa e dizendo ‘’manda mas, pois aguento’’. Aquela mulherada que vai com medo mesmo, leva só o pouco que tem e, por muitas vezes, nem mesmo tem o que levar a não ser o próprio corpo se arrastando pelo deserto das próprias memórias. É preciso já ter conhecido dor, muita dor, perdas e despedidas. Muitas mulheres conhecem esse lugar, mas poucas se dão o direito de transformar essa dor em um perfume doce e prazeroso. Até quando? A gente precisa respirar! A gente também precisa de carinho.

O que a baunilha está tentando dizer para você, mulher forte, que está lendo esse texto é ‘’ quem disse que forte e doce são contrários? Que força e prazer não podem conviver? Que força e leveza/ bem estar são dois frascos inimigos? Pense em água e terá a resposta!”.

Baunilha não é uma modelo magra cheirando a baunilha sintética, baunilha é uma mulher forte demais que aprendeu que deve se amar, que não precisa se rebaixar, que pode ser quem quiser, que não precisa se sentir ou se fazer de inferior para ser aceita, que não precisa ser só a forte para mostrar que tem direitos, ela consegue mandar o outro para fora de sua vida com um sorriso no rosto, por amor! Ao outro? Não! A ela mesma! E com o tempo, quem sabe o outro não entenda que isso foi um ato de amor a ele também, a fim de que repense o seu lugar, privilégios, espírito egóico e mimado?

Tem tanta mulher maravilhosa que já vi sendo uma baunilha, mas como uma historiadora do tempo presente gosto de utilizar exemplos bem contemporâneos. Eu já citei a maravilhosa Elza Soares no texto da ‘’salvia sclarea, as mulheres que decidiram por si mesmas (aqui)’’ e para a baunilha senti o chamado da Mc Carol, funkeira carioca que escreveu uma frase que me marcou e que, como sinesteta, consigo visualizar muito bem uma fava de baunilha falando ‘’eu não vou me diminuir para caber em mais ninguém”.

Baunilha é isso! Ela engana, assim como a camomila, que todos acham ser bobinha (texto da camomila aqui), mas que vêm por séculos nos dando recados: ‘’não nos subestimem, não nos pisem, não nos humilhem, não acreditem que somos tontas ou que temos que nos calar ou nos fazer de inferiores!’’. Essa é uma faceta da baunilha, da camomila, porém facetas muito Baba Yagas (aqui), vetiver (aqui). Podemos ser Baba Yagas ou Kali enfurecidas? Devemos! Como sempre digo, “o sagrado feminino pega trem lotado e come mortadela todo dia” (aqui), MAS a gente também tem o direito de se amar, de dizer ‘’chega, por hoje acabou’’, temos o direito de nos acharmos lindas, de descansarmos e não só de viver lutando, fadigadas. A gente tem o direito e precisa falar “hoje quero ficar deitada na posição fetal’’ ou “eu tenho direito de ter uma vida doce’’’. Muitas mulheres viscerais não gostam de cheiro doce, isso é uma capa de proteção, pois tiveram que aprender a serem assim, lutadoras, sangue nos olhos, sobreviventes! Mas espera, a vida tem que ser só isso? Não estamos lutando para, justamente, também termos direito ao doce? Então, vamos sim ter nossos dias doces, quando estiver doente faltar ao trabalho sim, quando quiser chorar, vai chorar sim, quando quiser se sentir linda sentir-se linda e não sentir vergonha ou achar que está fazendo algo errado porque, simplesmente, ‘’está se achando’’. E me diga, querida, quem disse que você não pode se achar? A sociedade? A patroa da sua mãe? O chefe que sabe menos que você? Destrua essas pessoas da sua mente, durma, descanse, se ache linda, esfregue seus diplomas suados na cara de quem for preciso, brilhe, não se diminua! Afinal, é isso que a baunilha está dizendo para você: brilhe e não se diminua nunca mais para caber em alguém.

Uma fava de baunilha tem o tamanho que tem, ela não se diminui para caber em um frasco, você é que procure um frasco para cabê-la! Não diminua o seu brilho, não se maltrate só porque você é visceral, não corte seu prazer só porque precisa ser forte! Não permita que eles te enganem mais! Lembre-se que você é visceral justamente para poder também ter o direito de ter prazer, prosperidade, docilidade e leveza nessa vida! Viva a baunilha, viva a você, mulher guerreira, que tem conhecimento suficiente para entender o que é todo esse amor que a baunilha oferece. Se você é um vulcão para conseguir que todos sobrevivam, seja primeiro por você! Cante, desfrute, chore, se adoce e não permita nunca mais que ninguém venha amargar a sua existência! Seja como uma baunilha, uma baga feroz, uma vagina pulsante, um amargoso ao fundo para os outros, mas para você, doce, pois suas vísceras merecem um bálsamo nessa labuta!

Palmira Margarida é historiadora especialista em cheiros e emoções e ama pesquisar sobre aromas do corpo feminino. É sinesteta e come coisas só porque são amarelas, inclusive não-comestíveis. Ama viajar e captar os aromas das trilhas e das histórias dos lugares por onde passa. Cria aromas-artísticos e provocadores e você pode encontrar em www.perfumebotanico.com.br

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Palmira Margarida
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Historiadora, escreve sobre erotismo, cheiros e prazer feminino - @palmiramargaridabr / instagram