A trajetória do Mangá até o Brasil: Parte 1

Juan Duarte
nanicriticas
Published in
6 min readApr 2, 2018

A origem do mangá.

Exemplo de Emakimono.

No Século VIII, as primeiras histórias ilustradas, os Emakimono (絵巻物 “rolo de pintura”) “surgiam” no japão, unindo a narrativa escrita com a ilustração, trazendo aspectos visuais às histórias já conhecidas. Um pouco mais tarde, a arte Nanban assumiu forte relevância contextual, visto que essa retratava os primeiros contatos dos europeus com o Japão de forma caricata. Bem como os Ukiyo-e (“imagens do mundo flutuante”), gravuras com temática cômica e por vezes erótica, com forte influência no estilo bucólico europeu da época. Tais estilos perduraram até o período Edo (1600–1867), quando o japão assumiu uma política protecionista, investindo exclusivamente na produção local e tornando propício o melhor desenvolvimento das técnicas de gravação. Nesse século, Katsushika Hokusai, o célebre criador da pintura Ukiyo-e, “A Grande Onda de Kanagawa”, utilizou o termo “Mangá” no seu livro “Hokusai Mangá”, obra que explora a representação do corpo humano e retrata, a partir de ilustrações narrativas, o cotidiano (tema recorrente nos mangás até os dias de hoje).

Página de “Hokusai Manga”.

O marco histórico que representa o grande início da caracterização do Mangá da forma como ele é conhecido hoje foi a chegada, em 1853, do almirante norte-americano Matthew Perry, ao Japão. Tal “visita”, tinha como objetivo a negociação da abertura dos portos Japoneses e a estruturação de uma “amizade” entre o Japão e os Estados Unidos. Uma vez consumado o tratado e consequentemente o fim de uma rígida política protecionista, novos materiais gráficos de diferentes mídias chegam massivamente ao Japão. A chegada de jornalistas europeus, que além de escreverem para os jornais, desenhavam charges políticas, foram uma influência decisiva para o que pesquisadores compreendem como uma “hibridização cultural”. Fenômeno este que ocorreu também de forma notória no estilo artístico Ukiyo-e, podendo-se dizer que este era uma mistura de características da arte europeia na época com as técnicas japonesas de gravação. E a partir da difusão das charges no Japão, mais uma vez o fenômeno citado ocorre, e o Mangá “original”, assume fortes características estrangeiras.

Com o lançamento da revista The Japan Punch, do inglês Charles Wirgman, onde eram publicadas charges que satirizavam figuras públicas e políticas, novos padrões estruturais na narrativa são definidos com mais precisão: os balões e os quadros em sequência. Baseada nessa revista, em 1877, é lançada a revista japonesa de humor, Marumaru Shimbun. E no século XX, Rakuten Kitazawa, também influenciado pela revista de Wirgman, torna-se um célebre chargista mundial, sendo pioneiro no japão ao criar quadrinhos seriados com personagens regulares e denominando a sua arte de “mangá”. A temática predominante, coisa herdada da charge, quadrinho veiculado principalmente em jornais, era adulta, com críticas ferrenhas à realidade, porém tal começa a mudar em 1923, quando é publicada a história de “Sho-chan no Boken”, um dos primeiros mangás infantis. E a partir disso, começa-se a repensar a forma como o Japão lida com o mangá, visto que as produções importadas possuem temáticas que pouco conversam com o contexto nipônico, proporcionando, gradualmente, uma transição entre a importação para a produção local.

Página do “The Japan Punch”.

Em 1930 Japão entra em uma crise econômica, o fascismo se fortalece, e inicia-se um período de conflitos que se estendem até 1945 (fim da segunda guerra mundial). Como o país estava em crise, o mangá, consequentemente, também estava. Não só pela escassez de investimentos ou pelo mercado editorial desestabilizado, mas também por um dos maiores inimigos da arte: A censura. As histórias dos mangás tinham de ser obrigatoriamente leves, cômicas e cheias de fantasia, já que a fuga da realidade era necessária para um tipo de ordem social em prol do governo. E a famosa divisão demográfica dos mangás, utilizada até hoje, nasceu justamente nessa época turbulenta, para direcionar mais precisamente os valores que eram convenientes para o ambiente ultranacionalista, aos gêneros e faixa etárias específicas. O Bushidô foi revivido e utilizado como forma de obter uma conformidade e submissão populacional, além da reafirmação patriarcal do papel da mulher na sociedade. É um período pouco criativo na produção artística.

O reerguimento do mangá no Japão, deu-se com o fim da Segunda Guerra Mundial, mesmo com a escassez de recursos e economia desestabilizada pela derrota, a necessidade pelo entretenimento foi um fator crucial para que o mangá assumisse grande importância nesse período. Foi nesse ambiente dúbio, de alta demanda cultural e dificuldades econômicas, que o então jovem Osamu Tezuka revolucionou a história do mangá. Dando mais fluidez e dinamismo aos quadrinhos, com enquadramentos e layouts que lembravam as técnicas utilizadas em filmes, bem como as expressões faciais marcantes, Tezuka criou as principais características que o mangá carrega até hoje, não demorando muito para que a popularização do mangá alcançasse uma verdadeira hegemonia nacional. Enquanto os quadrinhos europeus e norte americanos eram tratados como ultrapassados e sem nenhum apelo à população, os mangás, com seu estilo característico e temáticas autenticamente nipônicas, ganhavam cada vez mais leitores, iniciando-se também uma forte repercussão internacional.

Foto do mestre Osamu Tezuka.

Parte 2: https://medium.com/nanicriticas/a-trajetoria-do-manga-ate-o-brasil-parte-2-8b188f73333c

Parte 3: https://medium.com/nanicriticas/a-trajetoria-do-manga-ate-o-brasil-parte-3-d892fa342ef9

As informações deste texto e dos demais que compõem a sequência de posts “A trajetória do Mangá até o Brasil” foram retiradas dos artigos e livros a seguir. Recomendo fortemente a leitura destes a fim de melhor aprofundamento no assunto:

BRAGA, Juliana; LUCAS, Ricardo Jorge de Lucena. O Mangá e a Identidade Japonesa no Pós-guerra. http://www.intercom.org.br, 2012, online. Disponível em <http://www.intercom.org.br/papers/regionais/nordeste2012/resumos/R32-0825-1.pdf>. Acesso em: 04 Mar. 2018

VASCONCELLOS, Pedro Vicente Figueiredo. MANGÁ-DÔ: OS CAMINHOS DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS JAPONESAS. https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br, 2006, online. Disponível em <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/Busca_etds.php?strSecao=resultado&nrSeq=8973@1>. Acesso em: 04 Mar. 2018.

AMARAL, Adriana; CARLOS, Giovana Santana. Caracterizando o “estilo mangá” no contexto brasileiro: hibridização cultural na Turma da Mônica Jovem. https://www.univali.br, 2013, online. Disponível em <https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/vd/article/view/4583>. Acesso em: 05 Mar. 2018.

CARLOS, Giovana Santana. Identidade(s) no consumo da cultura pop japonesa. https://lumina.ufjf.emnuvens.com.br, 2010, online. Disponível em <https://lumina.ufjf.emnuvens.com.br/lumina/article/view/143>. Acesso em: 05 Mar. 2018.

LUYTEN, Sonia Bibe. Mangá e animê — Ícones da Cultura Pop Japonesa. http://fjsp.org.br, 2014, online. Disponível em <http://fjsp.org.br/artigo/manga_anime_sonia_luyten/>. Acesso em: 05 Mar. 2018.

BATISTELLA, Danielly. MANGÁ: O JOGO ENTRE PALAVRAS E IMAGENS. http://www.revistaicarahy.uff.br/, 2009, online. Disponível em <http://www.revistaicarahy.uff.br/revista/html/numeros/1/ensaios/DANIELLY_BATISTELLA.pdf>. Acesso em: 05 Mar. 2018.

GOMES, Ivan Lima. Uma breve introdução à história das histórias em quadrinhos no Brasil. http://www.ufrgs.br, 2008, online. Disponível em <http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/6o-encontro-2008-1/Uma%20breve%20introducao%20a%20historia%20das%20historias%20em%20quadrinhos%20no%20Brasil.pdf> . Acesso em: 30 Mar. 2018.

João. BBM Lista: 6 curiosidades aleatórias sobre o mercado de mangás no Brasil. https://bibliotecabrasileirademangas.wordpress.com, 2017, online. Disponível em <https://bibliotecabrasileirademangas.wordpress.com/2017/09/25/bbm-lista-6-curiosidades-aleatorias-sobre-o-mercado-de-mangas-no-brasil/>. Acesso em: 30 Mar. 2018.

SANTOS, Janete Lopes dos. Mangá :Ascensão da cultura visual moderna japonesa no Brasil. http://www.snh2011.anpuh.org, 2011, online. Disponível em <http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300674951_ARQUIVO_meu.pdf>. Acesso em: 30 Mar. 2018.

MCCLOUD, Scott. Desvendando os Quadrinhos. 1 ed. São Paulo: MBOOKS, 2004.

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