A trajetória do Mangá até o Brasil: Parte 2

Juan Duarte
nanicriticas
Published in
5 min readApr 22, 2018

O Mangá como objeto de identidade.

O famigerado “Centro Cultural Otaku”

O mangá é um dos elementos mais relevantes na cultura pop japonesa devido o seu enorme alcance e importância histórica, pontos estes explicados no post anterior da série (https://medium.com/nanicriticas/a-trajetoria-do-manga-ate-o-brasil-parte-1-7b4d54c2b7c). Por essa razão, é possível enxergar tal produção como um grande reflexo da cultura japonesa, desde seus costumes, estereótipos, estigmas e paradigmas. No fim das contas o mangá serve como um grande catalisador de vários fenômenos sociais japoneses.

Analisando rapidamente os 50 mangás mais populares, segundo o site myanimelist.com , é possível perceber que: 100% destes mangás são protagonizados por pessoas brancas (com excessão de Ansatsu Kyoshitsu, que tem “Koro-sensei” como protagonista, mas todos os outros personagens de Ansatsu são brancos); 90% é protagonizado por homens; e os gêneros de história se dividem entre comédia romântica e ação (claro que existem as exceções, mas é visível essa dicotomia).

Então você pode dizer “Ah, mas o myanimelist.com reflete a audiência do mundo inteiro, então fica um pouco leviano se basear nisso”. E por concordar um pouco, vou fazer a mesma coisa com uma lista do site http://nbakki.hatenablog.com onde é reunido os 100 mangás mais vendidos no Japão (mas eu vou só analisar os 50 primeiros para fazer um paralelo mais coerente com o myanimelist): 100% destes mangás são protagonizados por pessoas brancas (com excessão de Doraemon); 92% é protagonizado por homens; e a dicotomia da ação e a comédia romântica é um pouco menos nítida (existe mais variedade), mas ainda sim é bem significativa.

A partir desses números, a xenofobia e o racismo, herdados historicamente pela postura protecionista do Japão (coisa explorada também no texto anterior), ficam extremamente claros. Dos 100 (no fim das contas) mangás analisados, não há sequer 1 que possua um protagonista negro, e indo mais adiante, é raro ver um negro num mangá. E não, a homogeneidade de etnia do Japão não é justificativa, pelo contrário, é mais um atestado de que o Japão até hoje estabelece uma postura extremamente racista e xenofóbica, uma vez que ela não permite a miscigenação de seu povo. É claro que existem problemas geográficos, porém é mais claro ainda que existem problemas ideológicos.

Agora abordando a questão de gênero, é evidente a razão pela qual 90% dos 50 mangás mais populares no Japão são protagonizados por homens: Misoginia e sociedade extremamente patriarcal (tema também explorado no texto anterior, com mais detalhes). Num país onde a mulher é uma pessoa dependente de um homem para que sua relevância social seja comprovada, é evidente que as produções artísticas imponham tal fato a fim de reafirmar essa posição. Se por um lado as produções artísticas refletem fenômenos sociais, elas também os reforçam, a fim de manter os privilégios daqueles que estão no topo da estrutura social: Os homens.

Sobre a temática dos mangás, estes fortemente divididos entre ação e comédia romântica, além de também reafirmarem o estereótipo da demografia (ação para os meninos e comédia romântica para as meninas), mostram que o principal foco das produções artísticas japonesas é: a fuga. Uma vez que a vida do japonês é extremamente minada por tensões e pressões estabelecidas por uma sociedade pouco interativa e muito focada no mercado de trabalho (coisa herdada do período pós segunda guerra, onde o Japão teve de se reestruturar economicamente, coisa também explorada no texto anterior), qualquer coisa que faça esquecer do “mundo real” é extremamente apreciado. Bem como essa fuga, é possível perceber que muitas dessas produções estabelecem uma certa linha de raciocínio meritocrata, onde a pessoa que era excluída e considerada incapaz, consegue superar todas as dificuldades e alcançar a glória. Algo doentio, para ser sincero.

E finalizando, gostaria de estabelecer uma nota: Não, meu objetivo com este texto não é demonizar o mangá, pelo contrário, é estabelecer uma crítica a tais produções, a fim de povoar cada vez mais o debate sobre tais assuntos. Quanto mais gente apontar os erros e mostrar que existem pessoas preocupadas com isso, mais provável que ocorram mudanças nesse aspecto. Com isso, digo: parem de passar pano pra mangá que reafirma estereótipo escroto, existem mil e outras produções com qualidade excelente. Não tenham medo de criticar, só assim as coisas mudam.

Parte 1: https://medium.com/nanicriticas/a-trajetoria-do-manga-ate-o-brasil-parte-1-7b4d54c2b7c

Parte 3: https://medium.com/nanicriticas/a-trajetoria-do-manga-ate-o-brasil-parte-3-d892fa342ef9

As informações deste texto e dos demais que compõem a sequência de posts “A trajetória do Mangá até o Brasil” foram retiradas dos artigos e livros a seguir. Recomendo fortemente a leitura destes a fim de melhor aprofundamento no assunto:

BRAGA, Juliana; LUCAS, Ricardo Jorge de Lucena. O Mangá e a Identidade Japonesa no Pós-guerra. http://www.intercom.org.br, 2012, online. Disponível em <http://www.intercom.org.br/papers/regionais/nordeste2012/resumos/R32-0825-1.pdf>. Acesso em: 04 Mar. 2018

VASCONCELLOS, Pedro Vicente Figueiredo. MANGÁ-DÔ: OS CAMINHOS DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS JAPONESAS. https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br, 2006, online. Disponível em <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/Busca_etds.php?strSecao=resultado&nrSeq=8973@1>. Acesso em: 04 Mar. 2018.

AMARAL, Adriana; CARLOS, Giovana Santana. Caracterizando o “estilo mangá” no contexto brasileiro: hibridização cultural na Turma da Mônica Jovem. https://www.univali.br, 2013, online. Disponível em <https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/vd/article/view/4583>. Acesso em: 05 Mar. 2018.

CARLOS, Giovana Santana. Identidade(s) no consumo da cultura pop japonesa. https://lumina.ufjf.emnuvens.com.br, 2010, online. Disponível em <https://lumina.ufjf.emnuvens.com.br/lumina/article/view/143>. Acesso em: 05 Mar. 2018.

LUYTEN, Sonia Bibe. Mangá e animê — Ícones da Cultura Pop Japonesa. http://fjsp.org.br, 2014, online. Disponível em <http://fjsp.org.br/artigo/manga_anime_sonia_luyten/>. Acesso em: 05 Mar. 2018.

BATISTELLA, Danielly. MANGÁ: O JOGO ENTRE PALAVRAS E IMAGENS. http://www.revistaicarahy.uff.br/, 2009, online. Disponível em <http://www.revistaicarahy.uff.br/revista/html/numeros/1/ensaios/DANIELLY_BATISTELLA.pdf>. Acesso em: 05 Mar. 2018.

GOMES, Ivan Lima. Uma breve introdução à história das histórias em quadrinhos no Brasil. http://www.ufrgs.br, 2008, online. Disponível em <http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/6o-encontro-2008-1/Uma%20breve%20introducao%20a%20historia%20das%20historias%20em%20quadrinhos%20no%20Brasil.pdf> . Acesso em: 30 Mar. 2018.

João. BBM Lista: 6 curiosidades aleatórias sobre o mercado de mangás no Brasil. https://bibliotecabrasileirademangas.wordpress.com, 2017, online. Disponível em <https://bibliotecabrasileirademangas.wordpress.com/2017/09/25/bbm-lista-6-curiosidades-aleatorias-sobre-o-mercado-de-mangas-no-brasil/>. Acesso em: 30 Mar. 2018.

SANTOS, Janete Lopes dos. Mangá :Ascensão da cultura visual moderna japonesa no Brasil. http://www.snh2011.anpuh.org, 2011, online. Disponível em <http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300674951_ARQUIVO_meu.pdf>. Acesso em: 30 Mar. 2018.

MCCLOUD, Scott. Desvendando os Quadrinhos. 1 ed. São Paulo: MBOOKS, 2004.

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