A trajetória do Mangá até o Brasil: Parte 3

Juan Duarte
nanicriticas
Published in
5 min readJun 12, 2018

Espero que este não seja o final.

Bairro da Liberdade em São Paulo (O bairro “Japonês).

Antes do Mangá dar as caras no Brasil é importante pontuar que já existiam quadrinhos nas terras tupiniquins. De fato não era uma produção bem estabilizada e homogeneamente popular, mas desde o final do século XIX, os quadrinhos já faziam parte de uma camada mais “periférica” da produção artística brasileira. Não era algo autenticamente brasileiro e o fenômeno da “hibridização” que ocorreu no Japão, não teve sua vez aqui. Diferente de lá, a vinda dos quadrinhos norte-americanos desarmou quase que completamente a produção nacional de quadrinhos, graças ao seu custo reduzido e temáticas que atingiam mais diretamente o ocidente (Na segunda guerra mundial o Brasil era aliado do Estados Unidos, consequentemente todos os ideais deles eram facilmente assimilados). E o fator “atingir” é visível até hoje, uma vez que é expressiva a superioridade popular dos comics em relação aos mangás no Brasil.

*Uma loja aleatória só para ilustrar o que eu estou falando*

E mesmo que no Brasil já houvesse algum tipo de noção do que é um quadrinho e de este estar relativamente inserido na sociedade, por que tais não conseguiram constituir uma indústria estável? Pela censura. Os quadrinhos, tanto nacionais quanto norte americanos, sofreram fortíssimos boicotes em suas temáticas e distribuição. Diversos grupos conservadores, estes sendo religiosos, psicólogos, pedagogos, etc, argumentavam que tal tipo de produção era um retrocesso na alfabetização das crianças (coisa completamente oposta ao que ocorreu no Japão, curioso, não?). Sendo assim, é claro o porquê de tais produções serem ainda muito criticadas e subestimadas pela sociedade.

Revista “O tico-tico”, considerada como o marco do início dos quadrinhos no Brasil.

Mas então, com tantos empecilhos e dificuldades, como é que os mangás foram aparecer no Brasil? A migração Japonesa. Desde o início do século XX, numerosas famílias japonesas vieram ao Brasil, a fim de tentar “enriquecer” e posteriormente voltar ao Japão com tais riquezas. Entretanto a parte da “volta” não ocorreu como planejado, fazendo com que o Brasil seja o país com mais imigrantes japoneses no mundo. E como é sabido que o Japão é um país historicamente racista e xenofóbico, naturalmente estes fizeram questão de se estabelecerem e manterem todas as suas tradições e culturas intactas, ilhando-se em suas próprias manifestações. Entre essas manifestações, o mangá. Ou seja, o mangá só veio ao Brasil, de forma mais específica, para auxiliar na alfabetização das crianças e contribuir com esse “isolamento” cultural.

A saída do mangá da esfera estritamente japonesa para de fato adentrar ao meio cultural do Brasil demorou bastante. O fator crucial para essa difusão foram os brasileiros filhos dos imigrantes que aos poucos começaram a produzir e traduzir mangás em português. Nessa época, algumas editoras, com influência da imigração, tentaram arriscar na publicação de alguns mangás. O primeiro publicado no Brasil, segundo a Biblioteca Brasileira de Mangás, foi “Lobo Solitário”. Entretanto a popularização da cultura pop do Japão só veio a ocorrer quando as emissoras começaram a transmitir tokusatsus e posteriormente animês, construindo o ambiente necessário para que fosse possível a estruturação de uma indústria em volta de tais produções. E nesse clima, as editoras pegaram o embalo do contexto e começaram a publicar mangás.

Jaspion! (Meu sogro adora ele)

Até hoje é possível perceber que a popularidade do mangá é bem concentrada na fatia sudeste do Brasil, onde há mais concentração de imigrantes e descendentes. E até hoje os quadrinhos norte-americanos fazem mais sucesso e atingem os brasileiros com mais facilidade, uma vez que tais fazem parte da nossa “realidade ocidental”. Mas é necessário também pontuar que as editoras não demonstram um enorme interesse em expandir esse público além do nicho dos “otakus”. O investimento em publicidade é escasso e o apelo comercial para aqueles que nem sabem que os mangás se leem de trás pra frente é quase nulo. É claro que existem dificuldades e riscos em assumir uma postura mais inclusiva e ninguém quer dar esse passo e acabar arcando com um prejuízo enorme. Mas da forma como a indústria está, acho que eu não vou estar vivo para ver os quadrinhos serem considerados expressões artísticas realmente relevantes na sociedade.

Parte 1: https://medium.com/nanicriticas/a-trajetoria-do-manga-ate-o-brasil-parte-1-7b4d54c2b7c

Parte 2: https://medium.com/nanicriticas/a-trajetoria-do-manga-ate-o-brasil-parte-2-8b188f73333c

As informações deste texto e dos demais que compõem a sequência de posts “A trajetória do Mangá até o Brasil” foram retiradas dos artigos e livros a seguir. Recomendo fortemente a leitura destes a fim de melhor aprofundamento no assunto:

BRAGA, Juliana; LUCAS, Ricardo Jorge de Lucena. O Mangá e a Identidade Japonesa no Pós-guerra. http://www.intercom.org.br, 2012, online. Disponível em <http://www.intercom.org.br/papers/regionais/nordeste2012/resumos/R32-0825-1.pdf>. Acesso em: 04 Mar. 2018

VASCONCELLOS, Pedro Vicente Figueiredo. MANGÁ-DÔ: OS CAMINHOS DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS JAPONESAS. https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br, 2006, online. Disponível em <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/Busca_etds.php?strSecao=resultado&nrSeq=8973@1>. Acesso em: 04 Mar. 2018.

AMARAL, Adriana; CARLOS, Giovana Santana. Caracterizando o “estilo mangá” no contexto brasileiro: hibridização cultural na Turma da Mônica Jovem. https://www.univali.br, 2013, online. Disponível em <https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/vd/article/view/4583>. Acesso em: 05 Mar. 2018.

CARLOS, Giovana Santana. Identidade(s) no consumo da cultura pop japonesa. https://lumina.ufjf.emnuvens.com.br, 2010, online. Disponível em <https://lumina.ufjf.emnuvens.com.br/lumina/article/view/143>. Acesso em: 05 Mar. 2018.

LUYTEN, Sonia Bibe. Mangá e animê — Ícones da Cultura Pop Japonesa. http://fjsp.org.br, 2014, online. Disponível em <http://fjsp.org.br/artigo/manga_anime_sonia_luyten/>. Acesso em: 05 Mar. 2018.

BATISTELLA, Danielly. MANGÁ: O JOGO ENTRE PALAVRAS E IMAGENS. http://www.revistaicarahy.uff.br/, 2009, online. Disponível em <http://www.revistaicarahy.uff.br/revista/html/numeros/1/ensaios/DANIELLY_BATISTELLA.pdf>. Acesso em: 05 Mar. 2018.

GOMES, Ivan Lima. Uma breve introdução à história das histórias em quadrinhos no Brasil. http://www.ufrgs.br, 2008, online. Disponível em <http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/6o-encontro-2008-1/Uma%20breve%20introducao%20a%20historia%20das%20historias%20em%20quadrinhos%20no%20Brasil.pdf> . Acesso em: 30 Mar. 2018.

João. BBM Lista: 6 curiosidades aleatórias sobre o mercado de mangás no Brasil. https://bibliotecabrasileirademangas.wordpress.com, 2017, online. Disponível em <https://bibliotecabrasileirademangas.wordpress.com/2017/09/25/bbm-lista-6-curiosidades-aleatorias-sobre-o-mercado-de-mangas-no-brasil/>. Acesso em: 30 Mar. 2018.

SANTOS, Janete Lopes dos. Mangá :Ascensão da cultura visual moderna japonesa no Brasil. http://www.snh2011.anpuh.org, 2011, online. Disponível em <http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300674951_ARQUIVO_meu.pdf>. Acesso em: 30 Mar. 2018.

MCCLOUD, Scott. Desvendando os Quadrinhos. 1 ed. São Paulo: MBOOKS, 2004.

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