Filosofia e Horror II: imortalidade, niilismo, e crise existencial nos Vampiros de Anne Rice

Ricardo C. Thomé
O Conselho
Published in
2 min readNov 9, 2020

O problema de desejar a vida eterna é subestimar o poder da solidão.

Diferente da maioria das criaturas do horror anterior ao século XX, as crônicas vampirescas de Anne Rice trazem um imortal existencialista ao invés da quase pura animalidade impiedosa de Drácula, por exemplo.

O medo aqui não é o de cedermos aos nossos instintos mais cruéis, mas de viver numa solidão tão profunda que desejaríamos hibernar ao experimentar essa imortalidade idealizada por nós.

O vampiro francês Lestat, protagonista, experimenta isso; seus primeiros anos como imortal são obscenos e promíscuos, fazendo em pouco tempo tudo aquilo que não poderia fazer como humano, feito criança caída do berço em loja de doces.

Mas isso não dura muito, ao encontrar seres da mesma espécie com séculos de existência (inclusive vampiros criados desde os tempos da antiga Roma), mas de aparência decadente, olhar triste e vidas apagadas, logo ele percebe que a imortalidade pode ser melancólica, depressiva, e cruel a medida que aqueles que ama morrem enquanto você permanece vivo, vendo ciclos humanos se repetirem; alias, muito dos prazeres da vida você já experimentou e pouco ou quase nada é novidade para o teu espírito. Mesmo beber sangue se torna um ato mecânico, de gosto aguado e sem vida.

Leia na melhor tradução deste livro: https://amzn.to/2Jd9YhH

Mas Lestat, vendo este destino fúnebre que o aguarda, rompe com sua fase niilista e decide liderar os vampiros para um novo momento, misturando-se aos humanos, vivendo entre eles, mesclando sociedades, tudo para não sentir-se morto também por dentro.

O egoísmo revolucionário inerente a juventude de Lestat se choca com o mundo da ordem e das leis dos vampiros mais velhos.

O resultado disso é trágico, gerando uma guerra entre os novos e os antigos. Um conflito de gerações. Lestat é a nossa juventude, intrépida, inconsequente, medindo o mundo a partir de si mesmo, os Antigos é o mundo das leis, repleto de normas e tabu, aquilo que nos tornamos quando envelhecemos e percebemos que algumas coisas são como são por um motivo.

As crônicas vampirescas são um convite para as trevas, a sexualidade livre e o niilismo, mas também da reflexão do vazio existencial, do medo da solidão e da necessidade de busca por sentido. Infelizmente nenhum filme da obra fez jus a esse rico universo.

Gostou do texto? Lembre-se de dar 50 claps clicando e segurando nas palmas para incentivar o meu trabalho.

E, se possível, comente algo para que eu possa conhecê-lo.

Fique atualizado dos futuros trabalhos seguindo este perfil.

Me encontre também nas redes ou e-mail:

--

--

Ricardo C. Thomé
O Conselho

Criador do projeto O Conselho. Professor e livre opinador sobre o homem, vida, morte e tradição | Instagram @ricardocthome