A usabilidade arroz com feijão como essência do product-led growth

Descobrindo as lacunas na jornada das pessoas usuárias para impactar os modelos de aquisição

Andressa Siegel
olist

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Pense a usabilidade como arroz com feijão. Produto fácil e intuitivo é o básico que os clientes esperam nos dias de hoje

O modelo de aquisição product-led growth (PLG) está gerando burburinhos no Brasil. Mas afinal, o que é isso? É a estratégia para aquisição, conversão e expansão puramente pelo produto, onde este precisa mostrar o seu valor para o lead sem o discurso de um vendedor, como é comum no inside sales. Parece complicado, né? E é!

Quero conversar com vocês sobre os princípios básicos de usabilidade que podem melhorar seus resultados do modelo PLG apenas repensando os pontos de contato nas jornadas dos seus clientes e identificando os principais atritos na experiência.

O que são os atritos?

Pense no aplicativo de um banco, mas que alguns serviços essenciais só estão disponíveis no site… ou pior, apenas na agência física. Ou quando você liga para a central de atendimento, é transferida diversas vezes e precisa repetir os dados pessoais porque os sistemas não se comunicam.

Você provavelmente já vivenciou alguma situação assim. Seja como pessoa usuária utilizando um produto terceiro, ou o mais doloroso, com o seu próprio produto.

No olist temos infelizmente exemplos assim 😅. Sou a designer responsável pelo fluxo de aquisição de novos lojistas e um dos atritos (parcialmente resolvido) acontecia logo na entrada quando o lead preenchia o cadastro:

Tá, e agora? O que eu faço?

Assim que o formulário era enviado surgia a mensagem "Seus dados foram recebidos com sucesso pelo nosso time! Obrigado.", e após 4 segundos o lead era redirecionado para a tela de login. Os pontos de atrito na experiência:

  1. O texto do feedback, criado pela empresa terceirizada, não tinha nada da nossa brand persona;
  2. O tempo de carregamento longo e a mensagem davam a sensação de que alguém entraria em contato com o lead, totalmente o oposto do esperado de um fluxo self;
  3. O redirecionamento para o login. A conta acabou de ser criada e o lead ainda precisa repetir os dados recém-criados.

Conseguimos resolver a mensagem de feedback, mas ainda estamos com o login automático para ser priorizado no backlog. Pequenas vitórias a cada dia.

Para mapear todos os pontos de atrito, designers e product managers do olist mapearam a jornada do lojista desde marketing até o ∞, evidenciando as dores dos clientes e as manivelas rodadas pelo time.

Mapeamento da jornada dos lojistas olist

Apesar de parecer pessimista com tantos cards em vermelho, a jornada ressalta os problemas e tangibiliza o que nossos clientes dizem nos atendimentos, nas redes sociais, nas pesquisas de NPS e assim vai.

As rupturas não projetadas (recomendo o artigo Product People, Mind the Gap!, de Samuel Hulick) às vezes podem ser resolvidas com os chamados quick wins, como mudanças mínimas de redação, hierarquias, dicas e empty states que destravam o caminho para a pessoa usuária.

Manivelas

Nos estágios iniciais das empresas os gaps são geralmente preenchidos por pessoas "rodando manivelas", seja por telefone, redes sociais, e-mails. Porém quando os negócios crescem os problemas escalam junto.

O que antes o time de suporte conseguia resolver manualmente, agora não consegue mais. As vozes dos clientes passam a ficar ainda mais altas e o boca a boca negativo começa a afetar as aquisições da empresa. Sem leads não há pessoas para converter pelo produto.

A Caixa tem sido um exemplo nas últimas semanas do que não fazer nas jornadas dos clientes. Veja o transtorno que problemas simples na interface podem gerar na vida das pessoas:

Link para a matéria completa

Imagina você não conseguir resgatar dinheiro para alimentar sua família porque o CPF do seu familiar tem um zero? Quem sofreu com uma péssima experiência passa a espalhar a voz:

Comentário no aplicativo da Caixa

Os gaps na experiência podem ser invisíveis aos times de produto pelo ritmo acelerado do dia-a-dia. Por isso, se você está em um momento de transição de modelos de aquisição e indo para product-led growth, aproveite as dicas e reflita sobre a usabilidade do produto para garantir a escala esperada.

Comece se perguntando…

Quando foi a última vez que você testou o seu produto? Quando foi a última vez que você conversou com um cliente? Aquele pente fino na interface que você postergou em seu backlog pode ser o motivo para que o seu cliente não consiga sair do ponto A para atingir o ponto B.

Heurísticas

Elas já foram diferenciais no início da internet, mas hoje são o arroz com feijão. Todo produto precisa ser usável. Caso contrário, para que ele existe?

Vou evitar me aprofundar em cada uma delas porque há inúmeros conteúdos sobre heurísticas. Recomendo fortemente ler o artigo do nosso avô em design, Jakob Nielsen. As 10 Heurísticas de Nielsen:

  1. Visibilidade do status do sistema;
  2. Compatibilidade entre o sistema e o mundo real;
  3. Controle e liberdade para o usuário;
  4. Consistência e Padronização;
  5. Prevenção de erros;
  6. Reconhecimento em vez de memorização;
  7. Eficiência e flexibilidade de uso;
  8. Estética e design minimalista;
  9. Ajude os usuários a reconhecerem, diagnosticarem e recuperarem-se de erros;
  10. Ajuda e documentação.

Quais delas a sua empresa ainda não atende? Observe cada uma das heurísticas para encontrar os pontos de melhorias no seu produto. Quanto mais intuitivo, maiores as chances de conversão.

Projete a narrativa

O produto precisa convencer o lead e sempre resgatar o value proposition ao longo da jornada. Traga o discurso do marketing mesmo após o cadastro para convencê-lo da compra.

Pense com carinho sobre a história que você quer narrar e projete todos os pontos de contato. Recomendo um artigo que dá várias dicas sobre narrativas de produto: How to Write a Product Narrative.

A autora fala muito sobre emoções e como são importantes para explorar no modelo product-led growth. Para evoluir o PLG, você precisa descobrir quais são os objetivos funcionais, sociais e emocionais das pessoas.

Se quiser saber mais sobre emoções em produtos e serviços, sugiro os artigos de outro avô no design: Donald Norman. Ele escreveu dois livros fantásticos sobre o assunto: o Emotional Design: Why We Love (or Hate) Everyday Things e o The Design of Everyday Things.

Guie pessoas usuárias

Ainda sobre Norman… affordance, palavra criada por ele, significa o aspecto visual que indica como um objeto deve ser usado. Os videogames são bons exemplos do uso de sugestões visuais que auxiliam o jogador sobre quais os próximos passos necessários que ele realize.

Uncharted e The Last of Us são famosos pelos guias visuais

Perceba nas imagens de exemplo como as instruções existem no ambiente do jogo, mas elas não entregam o ouro. O jogador pode desbravar outras áreas e sempre contar com as instruções visuais para voltar ao objetivo principal. Caso se perca por muito tempo surgirão na tela dicas mais óbvias.

Você consegue relacionar a situação acima com o onboarding (ou ausência dele) do seu produto? Caso se interesse há vários artigos na internet que falam sobre level flows como How Level Flow Works e Level up for UX:Design lessons from video games.

Evidencie o caminho desejado, mas não limite a pessoa a ele. Deixe-a passear, desbravar, mas sempre ajude a voltar para a rota desejada.

Coloque-se no lugar das pessoas

Números são gloriosos, mas números não contam histórias. Para você ter profundidade no assunto e desbravar o que os números não contam, get your hands dirty and get out of the f*cking building (quando a quarentena acabar!).

Há inúmeras formas para você se aproximar de quem usa seu produto e entender o que é a experiência do ponto de vista deles. Pra descobrir quais são os gaps no seu produto você precisa adquirir o hábito de realizar entrevistas, ouvir ligações, trocar ideias com os times de atendimento.

Aproveite ferramentas como Hotjar e acompanhe o uso. Você vai descobrir problemas de usabilidade que para você não pareciam tão complicados, mas sempre se lembre da máxima de que você não é o usuário.

Faça uma pipoca e assista seus clientes usando o produto

Há empresas que têm um ritual formal para trocar aprendizados sobre as dores de clientes. Quem sabe você não possa puxar algo assim? No olist temos o Voice of the Customer e é um sucesso.

Refresque constantemente sua mente sobre as dores das pessoas. O que pode ser melhor? O que está faltando? A hierarquia da informação faz sentido? As plataformas se conversam? A redação é clara e simples? Será que o seu produto se vende por si só? Você está deixando claro a trilha que o lead e/ou cliente deve seguir para atingir o objetivo final?

Referências

Tudo é insumo, mas não se desespere. "Olha o cadastro da empresa Y, vamos implementar assim!". O que funciona para a outra empresa pode não funcionar para a sua, portanto consuma muitas referências, inclusive de mercados totalmente opostos ao seu, aproveite o que faz sentido e adapte para o seu cenário.

Recomendo os dois sites Growth Design e User Onboard. Eles trazem análises de produtos famosos (como Tinder Gold) de ponta a ponta, explicando de forma divertida o que funcionou ou não no fluxo com embasamentos científicos e estudos da psicologia.

Para concluir

A tecnologia evolui rápido, porém a humanidade não se desenvolve no mesmo ritmo. Continuamos com as mesmas inseguranças primitivas que devem ser consideradas ao projetar para um outro ser humano.

Product-led growth ainda está engatinhando no Brasil. É um modelo interessante para escalas de aquisição e que permite muitas explorações a ritmos acelerados.

No olist estamos testando um modelo híbrido de aquisição, onde o principal é o product-led growth, porém com times de vendas atacando os lojistas que não continuam o fluxo por conta própria. Aprendemos muito desde o início do ano e provavelmente teremos muito a compartilhar no futuro.

Espero que você aplique as dicas de usabilidade e que o artigo sirva como provocação, promovendo mais discussões entre designers, product managers e desenvolvedores sobre o assunto.

Compartilhe abaixo suas experiências! 💙

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