#PraCegoVer: Ilustração de um líder segurando sua bandeira com a inscrição "Liderança" enquanto os liderados o seguem marchando

As lições aprendidas de um novo líder

Betto B. Dias
pagsegurodesign
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10 min readSep 14, 2020

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Num dia você é um designer sênior, no outro você acorda como um gestor de pessoas. A função é outra, as atividades são outras e o time também. E agora?

Sabe quando você começa a jogar vídeo-game? Existe ali a jornada do herói ou da heroína bem desenhada. O Kratos vai em busca de vingança contra Olimpo em “God of War” (Sony, 2005), enquanto a Jill Valentine luta contra o vilão Nemesis para sair viva de Racoon City no lendário “Resident Evil 3” (Capcom, 1999). Por mais que você ligue seu console e passe a jogar sabendo aonde quer chegar, você não faz ideia de como será o trajeto. Muitas vezes, o caminho dá voltas e mais voltas para acabar tendo um final inesperado que você não planejou ou mesmo sequer pensou. Essa é uma das partes legais dos jogos eletrônicos.

Se eu pudesse viajar no tempo até o ano de 2006, por meio de um Delorean (“De Volta Para o Futuro”, 1985) ou uma TARDIS (Doctor Who, 1963), e pudesse dizer a mim mesmo: “Pô mano, legal aí que você tá cursando jornalismo pra trampar com música ou futebol, mas em 2020 você vai ser coordenador de UX e design”. Primeira coisa que eu falaria: “Uh équis o que?” Como bem diz o spoiler do título, hoje sou um líder (novato) de design de experiência do usuário. Saí de uma posição sênior em outra empresa para estar aqui no PagBank.

Lá, em 2006, não fazia ideia do quão importante eram as disciplinas que compõem o universo de user experience. Fui entender a importância apenas em 2010, quando resolvi estudar Arquitetura de Informação e Experiência do Usuário.

E te falar que esses 14 anos passaram na velocidade da luz, quem dirá de 2013 pra cá, ano que iniciei oficialmente como “arquiteto de informação júnior”. Um pouco mais de sete anos separam o “Parabéns! Você é o novo arquiteto de informação junior da Abril” para o “Parabéns! Você é o novo coordenador de design do PagBank”. A euforia e alegria são os sentimento instantâneos ao ouvir a novidade. Independente do cargo que você irá ocupar, isso não muda, acredite.

Falando em tempo, passaram-se cinco meses desde a notícia do novo cargo até a confecção deste post. Com esse turbilhão de sentimentos e uma nova missão, passei a fazer diversas reflexões. Assim, decidi compilar alguns aprendizados que gostaria de compartilhar com a comunidade. Aqui não viso um ensaio científico que deve ser tomado como verdade irrefutável. Prefiro dizer que é um aprendizado que gostaria de dividir com quem segue no mesmo barco que o meu, ou seja, o da gestão de pessoas em design e tecnologia.

Líderes, a gente já foi junior

Se eu fiquei ansioso com o novo cargo? Sim, claro! Igual como foi quando me tornei júnior? Nopes! O tempo me ajudou com muitas questões pessoais, principalmente de segurança emocional e autocontrole da ansiedade, que muitas vezes falha. Nesses casos, é apertar o cinto e respirar. Respirar fundo.

Sempre acreditei em liderança inspiradora. Sempre acreditei no líder que guia, que te engaja e que te ensina. Tive muitos desses líderes ao longo da carreira. Tenho amigos e amigas com espírito de liderança que me inspiram todo santo dia. Inclusive, tem uma porção mundo afora: Don Norman, Carl Sagan, Nelson Mandela, Jurgen Klopp, LeBron James, Angela Davis, etc. Gosto de pensar nessas figuras e como elas impactam em minha personalidade como líder e, principalmente, como ser humano.

Pensando nesse conglomerado de ideias, fiz uma promessa a mim mesmo, antes mesmo de liderar pessoas: a de nunca esquecer que um dia precisei começar. Acredito que trabalhar melhor minha comunicação e empatia seja um desafio diário. Faço aqui até um agradecimento ao querido Marshall B. Rosenberg, autor do livro “Comunicação Não-violenta” (2003) e da prática de mesmo nome. O ato de observar, entender o sentimento existente, a necessidade por de trás daquele sentimento e a humildade ao fazer o pedido são lições que tenho levado pra vida. Obrigado, Rosenberg 🖤

Me lembro como hoje o meu “eu-junior” feliz, motivado, cheios de sonhos e planos para a carreira, parecia até o Bob Esponja Calça Quadrada. Porém, tinha também muita insegurança combinada com doses de medo e ansiedade. Se hoje aprendi a lidar melhor com esses sentimentos, qualquer jovem aprendiz, estagiário e analista talvez precise ouvir: “Tudo bem estar com medo. Tudo bem estar ansioso. Tudo bem não saber de tudo. Já estive onde você está”.

A curva de aprendizado de um designer júnior tende a ser maior do que os outros níveis. Provavelmente, você como líder será muito mais requisitado por esses profissionais. Tenha paciência de ensinar e ajudar. Sempre sem julgamento, pois é nossa obrigação como gestores de criar essa zona de segurança.

Se for o primeiro dia — que é muito tenso -, faça um onboarding bem feito. Reserve um tempo para explicar a estrutura da empresa, apresentar para a equipe e trocar uma ideia bem de leve sobre expectativas. Deixe a pessoa à vontade. As primeiras semanas são para reconhecer o campo e aprender sobre o produto e o dia a dia.

Ao longo da nossa jornada como líderes novatos, sobretudo se for novo de casa, nós passamos a conhecer as pessoas, o time, as squads, a cultura da empresa, etc. Esse é um bom começo.

Conheça as pessoas que você irá liderar

É normal a gente chegar em qualquer ambiente que nunca havíamos pisado e fazer um mapeamento, reconhecer o terreno e conhecer as pessoas. Obviamente que ao longo de uma pandemia isso se torna um desafio a parte, mas não impossível de se concretizar.

A melhor coisa quando se é um novo líder é conhecer as pessoas. Digo, conhecer de verdade. Faça uma trilha de one-on-ones com seus liderados. Permita ter esse tempo para conhecer um ao outro. É de suma importância saber que cada um vai ter seu próprio estilo, um perfil único com mil metas de vida. Cada um é protagonista do próprio filme com um roteiro diferente. Respeite essas diferenças.

Se você está formando um time, com novas contratações, esse movimento vai ser mais natural. Porém, caso você esteja substituindo um gestor, entenda as dores e os ganhos que o legado desse antigo líder deixou. Se você fica ansioso com essa situação, imagina os seus designers. Mantendo o diálogo e a transparência as coisas vão fluir e um novo relacionamento vai nascer naturalmente. Claro que isso leva um tempo. Portanto, não force a barra porque relacionamento não precisa ser uma música do Raça Negra.

Tão importante quanto construir uma relação com o time, é conhecer os times que você vai precisar lidar no dia a dia. Marque um papo com os líderes de produto, agilismo, tecnologia, etc. Se possível, esteja nas cerimônias das squads. Se manter em sua cadeira como se fosse um rei sob a montanha não vai adiantar nada porque design é sobre manter relações, criar um ambiente propício à inovação e colaboratividade. Isso você conquista agregando e trazendo as pessoas para perto de você e do seu time de uma forma positiva.

Saber se comunicar e ter empatia com seus liderados e as demais pessoas da empresa é sobre manter uma relação de transparência e honestidade, isso inclui olhar para si mesmo, criar seu próprio estilo de liderança e saber que você não sabe de tudo.

Seja você mesmo, mas nunca seja o mesmo

Quando li o excelente “Reinventando as Organizações” (Laloux, 2014), este trecho me fez refletir bastante:

“As organizações sempre foram ambientes em que se encorajam as pessoas a irem trabalhar com o seu ‘eu’ estritamente profissional, deixando outros componentes de sua individualidade do lado de fora da porta. Frequentemente, as organizações exigem de nós um estilo decisório masculino, dotado de força e de determinação, e que oculte as dúvidas e as vulnerabilidades. A racionalidade é reinante, enquanto nossas emoções, intuições e espiritualidade se sentem indesejáveis, fora do lugar.”

Se tem uma coisa que gosto de fazer em qualquer ambiente é observar as pessoas, até porque faz parte do meu trampo como designer. Aprendi a identificar como os líderes no geral se comportam no ambiente de trabalho e fora dele, seja em eventos, bate-papos ou nos famigerados happy hours.

Este trecho que citei acima fala exatamente sobre integralidade. Em síntese, é sobre como nós devemos ser nós mesmos, dentro ou fora do ambiente de trabalho. O Betto é o Betto aqui no Pag, e fora dele também.

Entendo perfeitamente que algumas empresas acabam restringindo quase que naturalmente que nós sejamos nós mesmos. Desta forma, os líderes acabam se dobrando aos formatos mais conservadores para se adaptar ao ambiente, sobretudo os líderes de empresas com uma cadeia de hierarquia maior.

A dica mais primorosa sobre integralidade é que os seus liderados esperam que você seja você mesmo. Não use um traje de gestor e um traje para uma pessoa fora da firma porque isso acaba sendo percebido ao longo do tempo. Uma coisa é ter postura formal junto aos diretores, CEOs etc, outra coisa é ser esse gestor extremamente formal junto a seus analistas e fora do ambiente corporativo ser uma pessoa descontraída e amigável.

Ser você mesmo é muito bom. Ser você mesmo implica em coisas essenciais para o funcionamento de um ecossistema entre liderança e liderados: vulnerabilidade.

Normalize dizer o “não sei, cara”

Melhor do que dizer eu não sei é dizer: “Eu não sei, mas vou descobrir como”. Se você é um líder novato ou está nas vias de fato de se tornar um, provavelmente as chances de você não saber algo são enormes. Se você é um líder com anos de experiência, você também não sabe de tudo. E é importante frisar: tá tudo bem.

O mundo de tecnologia é Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo. Ou seja, as mudanças são todas frenéticas, rápidas e difícil de serem acompanhadas. É praticamente impossível se manter informado sobre sua profissão, tendências, novidades, entre outras notícias mercadológicas. Sem contar que a gente tem de ter nosso tempo livre para consumir entretenimento e fazer atividades pessoais como todo ser humano comum. Afinal, nós não somos nosso cargo.

É importante termos a cultura de admitir que não sabemos fazer. Isso mostra que somos vulneráveis, que podemos errar, que podemos não saber de tudo. Isso mostra que somos seres humanos suscetíveis a uma série de eventos.

Muitas vezes acaba que não assumimos dizer “não sei” por medo de julgamentos (Rosenberg, 2003). Daí, a coisa mais fácil a se fazer, em teoria, é passar uma informação errada que pode culminar em um aprendizado errôneo. Não faça isso porque você é a referência daquela pessoa. Seu liderado vai tomar aquilo como verdade incondicional e executar de forma errada. Talvez, a pessoa leve isso adiante criando um efeito ratoeira de más ideias.

Caso não saiba, diga: “Poxa, não sei, mas vou falar com Joselito porque ele pode me ajudar, talvez a Marta porque ela manja muito de service design”. Não há problema em ser sincero, direto e, acima de tudo, honesto. Isso desmistifica a ideia de que para ser gestor tem de ser um ser profissional que sabe de tudo e que não pode errar. Se esse designer enciclopédia existe, eu ainda não conheci.

Admiro o líder que ouve a todos com empatia, sendo seus liderados ou não. Minha visão de líder é uma pessoa que engaja, agrega, facilita, ouve, toma boas decisões e, não menos importante, é humilde. Essa pessoa, muitas vezes, está ao seu lado.

Líder também tem líder

Há sempre um bom especialista em determinados assuntos do dia a dia para que você possa consultar, isso é independente do nível e cargo. No entanto, há questões que apenas um superior pode fazer por você. Então, não pense duas vezes em recorrer ao seus gestor ou gestora quando surgir as infinitas dúvidas ou questões difíceis de resolver.

Peça mentoria, converse, explique o problema e cheguem num consenso juntos. Peça one-on-ones sempre que possível. A melhor forma de evoluir é pedindo feedbacks para ouvir e refletir.

Liderança é um aprendizado contínuo. É saber que, por mais que você tenha um arsenal de conhecimento por meio leituras, mentorias e ensino especializado (pós, MBA, etc), jamais você vai estar 100% preparado para assumir um cargo de gestão. Por isso, você tem de recorrer a quem tem experiência e pode te guiar. O importante aqui é humildade para aprender e coragem para encarar o desafio.

Caso você esteja nas vias de fato de se tornar um líder, ou seja, um sênior ou especialista, a mesma dica vale sobre como é importante conversar com o seus líderes sobre os caminhos para se tornar um gestor. Porém, esse tema fica para um próximo post, prometo.

E segue o jogo

Desde o primeiro dia que comecei a exercer a função de líder, sempre deixei claro a todos e todas que estava migrando de posição. Pedi humildemente para terem paciência. O canal está sempre aberto para sugerir melhorias. Seja do meu querido time, seja dos meus líderes que me inspiram, e muito! Estou longe da perfeição e nem quero chegar lá, até porque a perfeição nesse contexto é inalcançável.

Da mesma forma que há uma década comecei minha jornada em UX design, não sei como será daqui dez anos. Prefiro viver o presente passo a passo, um dia de cada vez. Hoje, eu acredito que o principal objetivo é evoluir como gestor e como ser humano. São caminhos conjuntos que convergem no meu eu. Meio filosófico, né?

Se você é um gestor ou uma gestora que assumiu há pouco tempo a posição, ou está prestes a se tornar líder, fique à vontade de entrar em contato pra gente trocar uma ideia. Dividir dores e aprendizados faz parte de uma vida em busca de equilíbrio e sabedoria.

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