Em busca do paraíso Inca: Qual a melhor maneira de chegar a Machu Picchu

Minha aventura de trem e mochila até um dos pontos turísticos mais conhecidos das Américas — e o que eu aprendi no caminho.

Igor Mariano
Revista Passaporte
14 min readMar 1, 2020

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Foto panorâmica de Macchu Picchu, no Peru. Autor: Igor Mariano.
Machu Picchu (arquivo pessoal)

CONHECER MACHU PICCHU não é tarefa das mais simples, mas também não é tão impossível quanto pode parecer em um primeiro momento.

Na minha pesquisa prévia, antes mesmo de chegar no Peru, comecei a ler textos para descobrir como visitar este lugar, que é uma das sete maravilhas do mundo moderno, e me assustei com a logística. Talvez você tenha chegado no meu texto num momento similar da sua viagem e esteja se sentindo confuso também, então quero te assegurar que na prática é mais fácil do que na teoria.

Porém, se esse é o primeiro texto que você lê sobre o assunto e não está entendendo o motivo da preocupação, eu explico: Machu Picchu não fica em Cusco, mas sim no povoado de Águas Calientes, também chamado de Machu Picchu Pueblo. A distância é de mais ou menos 100 quilômetros, o que não é pouca coisa no meio dos Andes. Embora exista quem faça o bate-e-volta num dia só, o mais comum é ir para Águas Calientes no dia anterior e passar a noite lá, para chegar em Machu Picchu beeem cedo, tipo às cinco da manhã, e entrar no parque logo que ele abre, às seis.

O que complica é que existem MUITAS maneiras de ir de Cusco até Águas Calientes e carro não é uma delas.

Além disso, é difícil escolher entre o jeito mais barato, o mais rápido, o mais confortável… Escolhendo um, abrimos mão das vantagens dos outros. Enfim, não convém explicar opção por opção aqui, porque é mais válido falar da experiência que eu de fato vivi. De todo modo, só para que você conheça as alternativas mais comuns, elas são:

  • Pegar um ônibus saindo de Cusco — É uma forma mais barata, porém o percurso demora um dia inteiro e não tem conforto;
  • Fazer a trilha Inca a pé — Certamente a opção mais aventureira e diferente, porém é uma caminhada de quatro dias pelas montanhas;
  • Pegar um trem saindo de Cusco até Águas Calientes — Alternativa mais rápida e confortável, porém consideravelmente mais cara;
  • Ir de carro até Urubamba ou Poroy e de lá pegar o trem para Águas Calientes — Não vejo muita vantagem além de economizar (um pouco) na passagem do trem;
  • Fazer o tour do Valle Sagrado e pegar o trem de Ollantaytambo para Águas Calientes—Nesse modelo dois em um, ao invés de voltar para Cusco no fim do Tour, você fica em Ollanta e pega o trem.

Essa última opção foi a que me conquistou. As vantagens que me levaram a escolher esse percurso foram muitas, entre elas: fazer dois tours de uma vez só, otimizar o meu tempo, ter mais conforto e economizar na passagem, sem ter que abrir mão da experiência no trem, que eu não queria perder.

Só que as escolhas não param por aí. Você ainda precisa escolher o horário de ida, a empresa de trem (existe a Inca Rail e a Peru Rail), o período que vai visitar Machu Picchu (é necessário optar entre o ingresso matutino ou o vespertino), onde vai se hospedar, o horário de volta. Tudo isso otimizando tempo, dinheiro, conforto, sem entender direito a distância entre os lugares e tendo que lidar com os nomes confusos das cidades Incas.

Todo mundo sabe que qualquer decisão envolvendo palavras com mais de dez letras (como Ollantaytambo) fica dez vezes mais complicada.

Dito isso, o que eu recomendo é fechar um pacote com uma agência de turismo local e deixar que eles lidem com essa logística para você. Pode não ser o jeito mochileiro de fazer as coisas, mas nesse caso a tranquilidade compensa. E se eu, que abomino pacotes turísticos, estou te dizendo isso, vai por mim: é porque poupa muita dor de cabeça.

Como já expliquei neste texto, eu fechei um pacote com o Humberto, da Peru Viajes y Aventuras, e fui para o tour do Valle Sagrado já com a minha passagem de trem, hospedagem, passagem do transfer e ingresso de Machu Picchu em mãos — além de um passo a passo do que eu precisava fazer para chegar lá, incluindo horários e o nome das pessoas que eu devia encontrar.

Pacote fechado e pago, uma van me buscou na porta do meu hostel em Cusco e me levou para o tour pelo Valle Sagrado, passeio que dura um dia inteiro. No final do dia, com o sol se despedindo atrás das montanhas e após ter caminhado pelas ruazinhas milenares do povoado de Ollantaytambo, fui andando em direção à estação de trem.

Esperei dar o horário do trem em uma salinha da Inca Rail, onde tinha chá, balinhas e wi-fi à vontade. Quando o trem se aproxima, uma grande fila se forma e alguns peruanos tem o hábito feio de não respeitar a ordem de chegada, mas ao chamar a atenção de um deles recebi uma resposta exageradamente agressiva e mal-educada. É sempre melhor evitar uma briga do que vencê-la, então deixei pra lá e esperei minha vez.

Ao embarcar no trem, após a empolgação de estar no meu meio de transporte preferido e encontrar meu lugar, uma constatação agora óbvia me apareceu: apesar de ter pedido por um lugar na janela, não faria a menor diferença, visto que já tinha escurecido e não dava para ver nada além do completo breu do lado de fora.

Decidido a não me deixar abater pelos imprevistos, afinais eles sempre acontecem e a culpa por qualquer expectativa alta é somente minha, me deixei embalar pelo ritmo dos trilhos e pela luz amarelada e difusa do vagão Voyager.

Voyager é a categoria econômica da Inca Rail, e inclui um lanche simples, com café ou chá, um chocolatinho e um pacote de biscoitos. Para acompanhar a refeição, ganhei de brinde um casal de brasileiros atrás de mim que não parava de falar em portunhol sobre a política com uma mulher peruana, visivelmente entediada. Apesar da minha vontade de intervir e dizer “não acreditem nesses caras, eles não sabem o que falam e definitivamente não representam todo o Brasil”, só coloquei meus fones e assisti Netflix até chegar, finalmente, no povoado de Águas Calientes.

Trem da Inca Rail para Águas Calientes (arquivo pessoal)

Na estação, uma pessoa me esperava para me levar até a hospedaria onde eu passaria a noite, mas não de carro. Fizemos o percurso a pé. A cidade é tão pequena que não há necessidade de veículos. O prédio em que eu me hospedei era uma construção inacabada e não tinha porta na entrada, apenas uma escada para os andares superiores, mas apesar disso o primeiro andar estava pronto e era onde ficava meu quarto. Embora muito simples, estava de bom tamanho para uma noite só. Ainda mais considerando que já era tarde e no dia seguinte eu acordaria às cinco da manhã.

E assim fiz, sonolento e cansado, e andei até a praça principal de Águas Calientes para encontrar o guia que me levaria até Machu Picchu. A praça é pequena e tem a estátua de um Inca de braços abertos no centro de um chafariz, certamente uma escolha pitoresca, embora compreensível e estranhamente adequada para o lugar.

Enquanto o pequeno grupo se reunia, o céu começava a clarear e então, quando todos chegaram, andamos até a fila dos ônibus que sobem a montanha. E que fila! Ela se estende por diversos quarteirões e não para de crescer, principalmente no primeiro horário. Todos querem entrar assim que o parque abrir. Comprei uma empanada e um café e comi de pé na fila, enquanto observava o movimento ao meu redor e esperava minha vez.

Fila para pegar o transfer em Águas Calientes às cinco e pouco da manhã (arquivo pessoal)

Lembro claramente do frio no meu rosto, da leve sonolência, mas do copo de café quente nos dedos e da paz de saber que estranhamente aquele era o meu único compromisso do dia.

Um a um, os turistas iam subindo nos ônibus que partiam montanha acima assim que atingiam a capacidade máxima, e logo um novo ônibus já estava parado de portas abertas para os próximos turistas entrarem, um processo quase industrial. Aos poucos a horda de turistas foi desaparecendo e, depois do zigue-e-zague na estrada, em menos de 30 minutos eu estava nos portões de entrada de uma das sete maravilhas do mundo: Machu Picchu.

A parte do ônibus foi só uma etapa da jornada que começou mais de 24 horas atrás, quando eu empacotei minhas coisas em Cusco, fiz o tour pelo Valle Sagrado, fui para Ollantaytambo, peguei um trem, dormi em Águas Calientes, peguei o ônibus… E, enfim, cheguei na entrada do parque.

Observação: é possível subir andando de Águas Calientes para Machu Picchu também. Existe um caminho com escadas que é gratuito e não tem filas.

Os portões de Machu Picchu abriram e, enquanto o sol subia muito lentamente por trás de uma montanha, eu entrei num dos lugares mais impressionantes do planeta terra. A cidade de Machu Picchu, embora em ruínas, é realmente uma cidade, e portanto, muito maior do que eu esperava. Logo ao entrar já é possível ver a dimensão de tudo: as casas, campos, ruínas e escadas que se espalham pelo gramado verde cercado pelas montanhas.

A ficha cai aos poucos, sabe? De vez em quando eu esquecia onde estava e que eu estava no meio de uma volta ao mundo que duraria meses.

No entanto, tem lugares em que a ficha caía e Machu Picchu com certeza foi um deles. Eu olhei ao meu redor e pensei: “olha onde você está!”. Fui tomado por uma imensa sensação de ser e estar que me preencheu por inteiro. Talvez as complicações no percurso até ali tenham servido apenas para aumentar o sentimento de realização ao chegar.

Machu Picchu é incrível, mas sabe o que mais impressiona? A natureza ao redor. Nessa região a Cordilheira dos Andes é coberta por uma mata fechada, o que é uma visão incomparável. Os incas com certeza tinham bom gosto na hora de escolher onde morar.

Machu Picchu (arquivo pessoal)

Eu e meu grupo seguimos o guia, que dava explicações sobre o povo que vivia ali, sobre como o lugar foi construído e todos os mistérios que ainda cercam aquelas ruínas. Para onde foram todas as pessoas que viviam naquele paraíso? Como construíram aquilo sem as ferramentas que conhecemos hoje? Como os espanhóis não descobriram o lugar? Com mais perguntas do que respostas, o tour de uma hora seguiu pelo seu percurso predeterminado.

Além do tour tradicional, é possível subir a montanha de Huayna Picchu — aquela que aparece no fundo de todas as fotos — onde existe um mirante. Para acessar essa parte do parque é necessário comprar um ingresso separado no site oficial, que normalmente se esgota com antecedência. Também existe outro ingresso separado que inclui a subida para a montanha atrás de Machu Picchu, com uma caminhada menos íngreme que a de Huayna Picchu. Essa opção também é menos concorrida que a primeira.

Eu sei que meus textos são cheio de crônicas e causos, mas aqui também tem informação. Então, quanto custa o ingresso de Machu Picchu?

Para estrangeiros, hoje o ingresso tradicional custa 65 dólares por adulto ou 39 dólares para crianças ou estudantes. O ingresso que inclui Huayna Picchu ou a Montaña custa 80 dólares para adultos e 54 para crianças ou estudantes. Vi que o site foi atualizado e agora tem versão em português, o que já é uma grande melhora em relação a quando eu fui.

No entanto, não sei dizer se o problema com o cartão de crédito foi resolvido. Para quem nunca ouviu falar disso, eu explico: antigamente o site só aceitava cartões Visa — e olhe lá! Frequentemente a compra era recusada e isso aconteceu comigo também. Mais um motivo pelo qual acabei fechando um pacote turístico em uma agência de Cusco, pois paguei em dinheiro. Só que olhando o site hoje, parece que começaram a aceitar Mastercard e American Express também, entre outras bandeiras. Se alguém testar a compra online e funcionar, por favor comente aqui para ajudar outros viajantes.

Além de Huayna Picchu e da Montaña, eis mais um segredinho: a trilha para a ponte Inca. Ela é gratuita e sai de um trecho no alto de Machu Picchu. Os guias não falam sobre ela e não dão tempo para que você a conheça, porém se conseguir escapar do seu grupo, vale a pena. É uma pequena caminhada, muito fácil e praticamente plana, que mostra o caminho original por onde os incas chegavam a Machu Picchu, cruzando a ponte de madeira que dá nome à trilha. Leva aproximadamente 40 minutos para chegar até a ponte.

E anota essa dica: vale a pena dar um perdido no seu guia.

E não só pela trilha, existe mais uma razão para seguir sozinho: os guias te escoltam por um passeio de uma hora através das ruínas e te deixam na porta da saída. Sem retorno.

Eu segui meu grupo, interessado na história do lugar e nas informações que o guia tinha para me dar, até porque estava pagando por isso. Minha ideia era seguir com ele até o final e voltar todo o percurso para ver tudo com calma depois. Ledo engano. Machu Picchu segue um caminho de mão única, fazer a volta não é permitido. Ao descobrir isso muita gente se revoltou, principalmente por não ter sido avisado no começo.

Pense só: depois de tanta logística e trabalho para sair do Brasil e chegar naquele paraíso, passar só uma hora ali causava uma óbvia indignação. E o ingresso, além de ser caro e ser restrito ao período matutino ou vespertino, só te dá direito a uma entrada. Não dá pra sair e começar de novo, ainda que seja no mesmo dia, mesmo que no mesmo período, mesmo explicando que você não sabia da nova regra.

Esse novo modo operandi começou a valer em julho de 2018, justamente o mês em que eu visitei Machu Picchu. Por isso não havia nenhuma informação na internet, em blogs de outros viajantes e nem mesmo no site oficial. Se eu soubesse, teria passeado com calma e visto tudo no meu ritmo, deixando o guia pra lá. Hoje é obrigatório entrar com um guia, mas não é obrigatório seguir o guia lá dentro, até porque seria impossível controlar isso.

Ao saber dessa cilada e não querendo ir embora ainda, eu, dois brasileiros e uma peruana tentamos de várias maneiras nos esgueirar pelas ruínas e voltar discretamente até o topo de Machu Picchu, onde o tour começa. Passamos quase uma hora tentando, sem sucesso, pois todos os caminhos estavam bloqueados ou porque os guardinhas apitavam na nossa cabeça, mandando voltar. Até o momento em que eu desisti. Resolvi me dar por vencido e sair do parque, mesmo frustrado.

Sentei do lado de fora, na fila para pegar o ônibus para Águas Calientes, pensando no absurdo da situação. Pessoas do mundo inteiro gastavam muito tempo, esforço e dinheiro para chegar em um lugar único, mundialmente conhecido, e então só tinham dinheiro a uma hora lá dentro? E pior: sem nenhum aviso prévio?

Se não havia nada que eu pudesse fazer pela minha situação, eu podia fazer pelos próximos. Resolvi ir na administração do parque para registrar uma reclamação formal e recomendar que repensassem essa regra ou, pelo menos, que comunicassem os visitantes no ingresso, na entrada, com placas ou que fosse na internet.

Quando cheguei na secretaria, já tinha aceitado a situação e expliquei o ocorrido com calma, pedi o livro de reclamações e enquanto escrevia um casal de franceses chegou. Eles estavam furiosos. Misturavam inglês, francês e espanhol aos berros e colocaram até a ONU na conversa. Os funcionários do parque tentaram debater, justificar, gritar de volta, mas eles estavam irredutíveis e não aceitavam “não” como resposta. Qual não foi minha surpresa quando, depois de vários minutos, a administração decidiu deixar o casal voltar para o parque! Sem guia! Sem limite de horário!

Diante daquilo, tendo terminado de escrever a minha reclamação, olhei para o funcionário na minha frente, olhei para os franceses, deixei a caneta na mesa e os segui, sem dizer uma só palavra. Eles entraram no parque novamente e eu fui atrás. Mudo. Com o coração batendo forte. “E se me mandarem voltar? E se fizerem isso, vou brigar e argumentar também? Ou vou ser expulso e banido?”. Não precisei descobrir, porque entrei junto com o casal e tive todo o tempo do mundo lá dentro. Foi quando decidir fazer a trilha para a ponte inca, que eu falei um pouco antes nesse texto. Também visitei as partes da ruína que poucas pessoas visitam e quando tirei as melhores fotos, com quase ninguém atrás de mim.

Passou de meio dia e os turistas do turno da tarde começaram a chegar, então eu decidi sair e pegar o ônibus de volta. Vazio, afinal estava no contra-fluxo.

Na cidade de Águas Calientes eu busquei minhas coisas na hospedaria, fui almoçar em um restaurante mexicano (sim, mexicano) e dei algumas voltas pela cidadezinha. Descobri que existe um hotel de luxo por lá e que tem um parque de águas termais também, uma segunda atração turística em um povoado que eu imaginava viver apenas da fama de Machu Picchu.

Às 18 horas eu embarquei no meu trem de volta para Cusco, outra vez de noite e sem vista na janela, porém feliz. Com tantas emoções, altos e baixos, eu sabia que tinha vivido aquilo. E tudo o que eu vivi foi muito único e muito meu. Conheci as minhas reações diante de belezas que eu nunca tinha visto antes e de frustrações que, como qualquer frustração, eram impossíveis de prever. E conheci Machu Picchu, o paraíso dos Incas, que por uma vida inteira eu só conhecia por fotos.

Agora eu tinha estado naquele lugar de carne e osso. E tinha o lugar comigo na memória, com detalhes suficientes para um texto de 3 mil palavras ou mais, como esse. Sentado no trem, sem nada para ver no breu da janela, eu tirei o passaporte do bolso e passei os dedos pela tinta de uma página específica. A página em que, antes de decidir ir até a administração e conseguir entrar no parque pela segunda vez, eu mesmo carimbei — não o visto de entrada ou saída de um país, mas o símbolo de Machu Picchu.

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Igor Mariano
Revista Passaporte

Brasileiro, gestor de marketing, apaixonado por viagens, café, cerveja, livros e tudo que nos distrai • www.instagram.com/igor_mariano