Lua no vazio

Bruna Próspero Dani
uma-maleta-de-mão
Published in
3 min readSep 27, 2018

Ou: o processo de longas e silenciosas transições.

“Voltar é sempre mais difícil do que ir.”

Era o que repetia Lucía, minha companheira de trilha naquele dia.

Ela celebrava a frase por saber que o caminho que percorríamos era só de ida.

"Voltar é sempre mais difícil, pode reparar! É muito mais fácil começar um relacionamento novo, do que voltar para um ex-namorado. Achamos que vamos voltar ao mesmo lugar, mas isso é uma mentira. E é dolorido demais perceber isso. Voltar é uma palavra que nem deveria existir… é sempre tudo novo."

Ela desabafava sobre sua nada-fácil volta com o ex-namorado enquanto tropeçava em frases e pedras soltas.

Eu ri e anotei a frase no meu bloco de notas desconexas.

Acho incrível essa nossa capacidade de reflexão durante caminhadas pela natureza. E sabia que essa frase faria sentindo mais para frente.

E fez.

Decidir voltar (de uma longa viagem) foi mais difícil do que decidir ir. Mesmo sabendo que era a hora. Mesmo consciente de que já não era a mesma que esperava aquele avião meses atrás, nem aquela que mudava de cidade em menos de 20 minutos, fazendo várias viagens dentro de uma viagem. Nem uma, nem outra.

O desafio é esse. A volta é sempre um lugar desconhecido, dentro do que te parece familiar. Mas você já é um mundo novo. Mais do que isso, um mundo a ser construído.

Voltar é — quase sempre — um momento de transição.

É como o final do outono. Você não sabe se vai fazer calor ou frio. Ainda encontra folhas espalhadas pelo asfalto, mas já vê os ipês desabrochados no céu.

E transição, quase sempre, é sinônimo de paciência (de esperar que um ponto se transforme em outro), de esperança (de que essa nova coisa transformada seja melhor) e de adaptação.

Pode reparar: transição capilar, transição de carreira, transição de dietas, transição de treinos, relacionamentos, governos, empresas… Todas elas têm algo em comum: paciência, esperança, adaptacão. Algumas vêm acompanhadas de um bônus de dores, outras de surpresas alegres.

E, bem… viver quase todas elas de uma só vez é um tanto desafiador. Um misto de frio na barriga, sorrisos e pontadas no estômago.

Não falo aqui sobre as transformações graduais que acontecem a todo momento. Não são sobre aquelas que nos fazem perceber que já não somos os mesmos que acordamos hoje de manhã, nem seremos os mesmos que iremos dormir daqui algumas horas.

Hoje a lua já está menos cheia do que ontem, mas ainda é uma lua cheia.

Falo aqui sobre as transições de fases.

Que é quando a gente se sente a própria lua no vazio.

Quando ela não está nem em um signo, nem em outro. Transitando entre Leão e Virgem. Não é minguante, nem nova.

É vazia.

Os astrólogos dizem que quando a lua está no vazio "costuma ser um período mais confuso para nós."

Os sábios me disseram que "caixas vazias são mais leves e que são nelas que cabem as maiores surpresas".

Mas anciões dizem por aí que "saco vazio não para em pé".

Gosto mais da frase dos meus sábios amigos.

Enfim entendi que transição é tipo isso aqui que estou chamando de texto: que não é crônica, nem poema, nem conto, nem nada.

Mas ainda assim é alguma coisa. Uma semente, um sentimento, um pensamento, uma elucubração.

Que pode vir a ser alguma coisa a preencher a caixa vazia.

Em um dia de lua cheia.

Com paciência e esperança…

Você também pode gostar de: A incrível geracão de adultos que choram, Alfama: (h)a(‘) beleza no caos e Fome de Vida

--

--