De um lado, a organização levou a França às semifinais; do outro, a falha de Muslera mandou Uruguai para casa

Luiz Henrique Zart
Popytka
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11 min readJul 6, 2018
Muslera, resignado, observa a comemoração que podia ser sua, mas escapou entre as luvas (Getty Images)

Antoine Griezmann arriscou. Desferiu seu arremate de perna esquerda e fez a esfera que dá sentido ao futebol viajar, sob os olhos de todos. Na direção do gol, ela decidiu ir por outro caminho que as mãos vacilantes de Fernando Muslera não conseguiram prever. O arqueiro da Celeste falhou terrivelmente quando não podia. E se deixou a bola escapar por entre seus dedos, o 2 a 0 decretado àquela altura fez se perder também a vaga nas semifinais. Mérito da França, que antes já havia aberto o placar quando o próprio camisa 7 dos Bleus mandou na cabeça de Varane. Em Nizhny Novgorod, o jogo foi pegado, difícil, mas os europeus foram mais organizados para controlar a partida e abafar o costumeiro esforço dos uruguaios, que não foi suficiente para oferecer perigo. Sem ter Cavani à disposição, a tarefa ficou ainda mais complicada. Assim, a seleção de Deschamps foi melhor, não foi brilhante, e avança ao penúltimo passo em busca da segunda estrela. Na 15ª Copa, chega pela sexta vez à semifinal.

Os times

A vitória contra Portugal nas oitavas parece ter ratificado a funcionalidade do esquema proposto pelo Maestro Óscar Tabárez. A estrutura com os quatro defensores, além de três jogadores mais atrás e um adiantado pela faixa central, formando um losango para abastecer a dupla de ataque, eram o trunfo também contra os franceses que, vale ressaltar, têm outras características. A solidez da defesa é sempre um recurso charrua. Assim, o experiente Fernando Muslera seguia no gol, com Martin Cáceres na lateral direita, e a dupla do Atleti, José María Giménez e Diego Godín no miolo de zaga, além de Diego Laxalt que, improvisado, deu certo na lateral esquerda.

Pelo meio do campo, Lucas Torreira e Matías Vecino prometiam alternar na cabeça de área, ao mesmo tempo em que o companheiro faz o lado do campo, especialmente para conter os velocistas dos bleus. Nahitán Nández, do Boca Juniors, pelo outro lado, sustentava também a criação de Rodrigo Bentancur, um tanto mais livre para se aproximar do ataque. Justamente lá, a maior perda para as quartas do lado sul-americano: Edinson Cavani, com lesão na panturrilha esquerda, começava no banco, substituído por Cristhian Stuani — que formava dupla com o Pistolero Luis Suárez.

Do lado francês, deixar a Argentina para trás foi igualmente representativo. Aumentou a moral do time, que veio de uma primeira fase onde houve muitas contestações. Depois de passar pelo primeiro grande teste, o Uruguai impunha desafios diferentes, especialmente defensivos. Então, Didier Deschamps mandava a campo uma escalação com um desfalque principal: Blaisè Matuidi, prontamente substituído por Corentin Tolisso. A estrutura tática do time era mesma: 4–3–3. Hugo Lloris era mantido à meta, com Lucas Hernández e Benjamin Pavard pelas laterais, e Samuel Umtiti e Raphaël Varane no miolo.

N’golo Kanté era o dínamo no setor central, apoiado por Tolisso, posicionado ao lado direito, e Paul Pogba, mais liberado para sair jogando e apoiar o ataque. Centralizado na criação, Antoine Griezmann criava com Tolisso recompondo pelo meio, e liberando a velocidade de Kylian Mbappé. Como referência, para fazer o pivô, o grandalhão Olivier Giroud.

O campinho de Uruguai x França (Fifa.com)

O jogo

Um jogo disputado, de entradas duras e propostas diferentes. Enquanto a França tentava a construção mais paciente dos lances, com troca de passes e infiltrações, o Uruguai procurava ser fulminante quando tinha a posse. Os jogadores avançavam em bloco, fazendo um jogo muito intenso pelo meio, sem dar brechas ao ataque dos Bleus. Os comandados de Tabárez faziam o clássico charrua: posicionamento, diante das tentativas francesas de forçar o jogo pelo meio, principalmente com as chegadas de Pogba à frente, por onde Griezmann e Mbappé se movimentavam bastante.

Aos 13 minutos, foi o Uruguai quem chegou primeiro. Na bola lançada para a área, Giménez superou a zaga e cabeceou sem tanta força para a meta francesa. Para evitar a chegada de Luis Suárez, Llorris saiu estranho do gol, mandando a bola pra frente de soco. Dois minutos depois, a resposta dos europeus veio com Mbappé. O camisa 10 apareceu na área e recebeu cruzamento. Sem perceber que estava livre, tentou mandar para o gol de cabeça, mas perdeu o tempo de bola e a posição do corpo, jogando por cima da baliza de Muslera.

O equilíbrio era a tônica. A França apelava nas jogadas centralizadas e mesmo nas bolas na área, especialidades da defesa Celeste, que se comportava bem diante destas situações. Já no ataque, Stuani recompunha, mas não tinha a mesma dinâmica e criatividade que Cavani, o que dificultava as ações ofensivas dos charruas. Os comandados de Deschamps rondavam a área, mas não conseguiam conclusões, porque o Uruguai se compactava atrás e era mais efetivo quando ia à frente.

Até que Rodrigo Bentancur dominou mal a bola na intermediária defensiva e apelou à entrada dura em Tolisso. Na cobrança da falta, aos 41 minutos, Griezmann deu um passe observando o deslocamento de Varane por trás da marcação. O camisa 4 chegou antes de Stuani e desviou às redes, deixando Muslera sem ação. Foi apenas o segundo gol sofrido pela defesa Uruguaia na Copa — depois da cabeçada do português Pepe nas oitavas.

Varane foi esperto para se antecipar à marcação e cabecear às redes (Grigory Dukor/Reuters)

E o empate por muito pouco não veio no lance seguinte. Na bola lançada para a área, Martin Cáceres conseguiu o cabeceio quase na pequena área. Hugo Lloris foi fantástico: se esticou inteiro para espalmar. Na sobra, Godín não conseguiu a melhor conclusão, com o capitão francês fechando o ângulo novamente. O time de Tabárez precisaria reverter a desvantagem sendo menos perigoso que nas últimas partidas, sentindo a falta de seu principal jogador — aliás, um dos melhores do mundial da Rússia: Cavani.

O segundo tempo

Se o coração charrua já sofria sem o camisa 21, o goleiro Muslera deu mais um susto na torcida sul-americana logo aos dois minutos do segundo tempo. Godín recuou para o goleiro, que hesitou para dar o chutão e tentou o drible em Griezmann. O camisa 7 foi mais veloz e dividiu, e a sorte do arqueiro celeste foi que a bola foi para fora. E enquanto a França tentava desacelerar o jogo, o Uruguai fazia o oposto: tentava dar à partida um ritmo mais elétrico para buscar o empate.

Então, Tabárez fez suas trocas, duas de uma vez. Tirou Stuani, em partida muito ruim, e Bentancur, amarelado, para as entradas do jovem Maximiliano Gómez e de Christian “Cebola” Rodríguez. Pouco haveria tempo para as alterações surtirem efeito. Isso porque Muslera entregou o ouro. Depois das disputas pelo meio, Pogba pegou a bola e arrancou à frente. Deixou para Griezmann, que ajeitou e soltou o pé esquerdo. A bola veio forte, variou, mas era defensável, ainda mais para um goleiro de uma seleção do tamanho do Uruguai. O camisa 1 tentou abafar, mas mandou para dentro do próprio gol. Engoliu um frango imenso, que certamente ficará marcado não só para ele, mas na história do ludopédio uruguaio.

O momento do fatídico erro do goleiro da Celeste, com a bola vacilante (Getty Images)

O jogo esquentou depois que Mbappé fez graça na intermediária e se bateu com Rodríguez e a confusão começou. Com isso, o tempo passava, o relógio corria. Depois que os ânimos acalmaram, a França segurava e girava o jogo, enquanto os uruguaios procuravam desesperadamente a reação. Avançava suas linhas, mas ainda sofria: Aos 27, Tolisso arriscou de longe, com liberdade e mandou perto do ângulo de Muslera, com muito perigo. Urretaviscaya entrou na vaga de Nández mas não conseguiu produzir nada. Do outro lado, a ideia era oposta: Steven Nzonzi entrou para proteger a defesa dos europeus.

Com o passar dos minutos, os charruas começaram a apelar à bola alta na área, bem neutralizada pela defesa dos Bleus. O time já estava desorganizado, apenas com Godín como último homem, soltando todos os outros para irem ao campo de ataque, mas sem criatividade para quebrar a marcação francesa. Os comandados de Deschamps foram inteligentes para prender o jogo e ver o tempo correr. Assim, o Uruguai foi sufocado, e volta para casa. Antes do fim da partida, José Giménez estava em prantos no campo, entregando a dor que a derrota representava ao espírito charrua.

José María Giménez se emocionou antes mesmo de deixar o campo (Reprodução/Youtube)

O cara da partida

Antoine Griezmann. Nas quartas, foi essencial para derrubar os uruguaios. O camisa 7 deu a assistência do primeiro gol na cabeça de Varane, e depois foi premiado por arriscar o chute de fora e assistir à falha grotesca de Muslera. Na hora mais importante, vem engrenando. Depois de uma fase de grupos morna, foi um dos regentes da França diante da Argentina, deixando o seu de pênalti, e hoje com mais uma atuação consistente. Divide os holofotes com muitos jogadores, o que pode tirar o peso da responsabilidade dos seus ombros. Já é um dos principais nomes, e pode ser decisivo nas duas últimas pelejas.

Foi dos pés de Griezmann que saiu o arremate com efeito que tirou de vez as chances uruguaias (Getty Images)

O caminho das seleções: a queda e o próximo passo

Uruguai

Os charruas passaram pela primeira fase com aproveitamento total. Fizeram valer o favoritismo e, mais que isso, foram sustentados por uma das poucas defesas do torneio a não conceder sequer um gol aos adversários nos três primeiros jogos. Nesse intervalo, a primeira partida foi a que teve uma carga dramática maior. A vitória diante dos egípcios veio no último lance da partida, quando Giménez subiu mais que a zaga para mandar a bola do escanteio para as redes. No embate contra os sauditas, a partida que seria teoricamente mais simples, também houve dificuldades. Os sul-americanos demonstraram problemas especialmente no meio, com Luis Suárez salvando com seu tento solitário. Na terceira partida, o Maestro Tabárez arrumou a faixa central e isso foi fundamental: Reposicionando seus jogadores, fez suas trocas e a Rússia não teve chance nos 3 a 0. A melhor partida uruguaia, justamente a última, dava ânimo às oitavas.

Nas oitavas, o adversário não era tão simples: Portugal. A coletividade dos uruguaios superou o time de Fernando Santos contando com mais uma atuação consistente de Giménez e Godín. A marcação foi voluntariosa e impediu que as oportunidades da Seleção das Quinas fossem mais perigosas, com um jogo duro onde a estratégia de forçar o adversário à bola aérea deu certo. O Uruguai deu uma aula de como se defender. E Cavani teve estrela para decidir com duas bolas das redes, e depois saiu lesionado. A batalha campal dentro das quatro linhas levou a outro embate em que o sarrafo subia: as quartas diante da França.

França

Os Bleus fizeram uma primeira fase bem discreta. Não pareciam ter demonstrado todo o seu potencial, afinal de contas. Derrotaram a Austrália em um jogo apertado, dependendo de um pênalti bem batido por Griezmann. Na partida seguinte, a vitória magra contra o Peru foi a demonstração de que os europeus, quando querem, põem em campo seus predicados. Conseguiram a vitória com alguns minutos de bola. Já classificada na partida final, a França fez várias alterações, e participou de um jogo fraquíssimo com a Dinamarca, e o empate soou bem para todos. Parecia estar mesmo se poupando.

Nas oitavas, não tinha a posse de bola no começo, mas ainda assim era bem mais incisiva e perigosa. Criava mais chances até que abriu o placar com a penalidade máxima. Sofreu o baque, sentindo os gols da virada Albiceleste, mas conseguiu por a bola no chão e desempenhar, finalmente, o que é capaz. Precisou de apenas 11 minutos para mandar três bolas às redes de Armani. A França segue em frente na Copa com algumas falhas coletivas a serem consertadas. Foi melhor e mereceu a vaga, por parecer mais com um time. É premiada por conseguir distribuir essas capacidades entre seu escrete. Nesta partida, por exemplo, fez mais gols que na primeira fase toda, quando assinalou três tentos.

O embate

Cavani fez falta, sim. Sem um pedaço de sua dupla mortal, o Uruguai se viu refém da falta de criatividade e excesso de pilha. Começou o jogo tentando dar um ritmo elétrico, mas arrefeceu pouco tempo depois, se fechando contra a França. Com a bola, o time de Didier Deschamps ia atrás das difíceis brechas charruas, mas encontrou justamente numa falha de marcação de bola aérea, um dos reconhecidos melhores fundamentos dos sul-americanos. Stuani, o substituto, sobrou para cortar o lançamento para a área, mas foi mais lento que Varane. O francês testou para as redes e deixou a partida ainda mais confortável à França, que já era melhor tecnicamente. O golpe de misericórdia veio na falha clamorosa de Muslera. O vacilo das mãos do camisa 1 enterrou o sonho do tricampeonato uruguaio e deu a certeza da sequência dos Bleus em busca da segunda estrela no peito.

Tabárez iniciou um processo de renovação que pode dar outra cara à Celeste. Especialmente com os jogadores trazidos ao meio de campo, pode ter outras opções no ciclo seguinte, já que seus principais jogadores, Godín, Suárez e Cavani, já tem idade avançada. Ainda assim, há bons alentos. Giménez também, junto a seu companheiro, fez uma grande Copa, assim como Lucas Torreira, se multiplicando em campo. Nández teve raça e Bentancur veio para dar forma a um meio de campo seguro, que suporte a criatividade de seus artilheiros. Na frente, resta saber o que vem adiante. Certo é que o Uruguai fez uma Copa para se orgulhar.

A Celeste lutou, fez uma Copa em que tem muito o que guardar de positivo (Getty Images)

Já a França não entrou num ritmo tão acelerado, mas, como vem fazendo neste mundial, jogou o suficiente para superar seus adversários. A seleção de Didier Deschamps tem uma geração privilegiada de valores individuais expressivos, como Pogba, Mbappé, Umtiti e Griezmann, entre outros. Faltava se encaixar como time — o que vem acontecendo aos poucos com o passar dos jogos. Não é mais promissora, é uma realidade. Assim, segue em busca do mundial, e nas oitavas encara Brasil ou Bélgica.

A França está novamente nas semifinais, com bons nomes individuais e à procura de um time (Getty Images)

Como fica o chaveamento

Os Bleus são os primeiros semifinalistas: Encaram o vencedor de Brasil x Bélgica (Fifa.com)

Ficha Técnica

Uruguai 0x2 França

Local: Estádio Nizhny Novgorod, em Nizhny (Rússia)

Árbitro: Nestor Pitana (Argentina)

Gols: Varane aos 40’/1T, Griezmann aos 16’/2T (França)

Cartões amarelos: Betancur, Cristian Rodriguez (Uruguai), Hernandez, Mbappé (França)

Uruguai

Fernando Muslera; Martín Cáceres, José Giménez, Diego Godín e Diego Laxalt; Lucas Torreira, Matías Vecino, Nahitán Nandez (Jonathan Urretaviscaya aos 28’/2T) e Rodrigo Betancur (Cristian Rodríguez aos 14’/2T); Cristhian Stuani (Maxi Gómez aos 14’/2T) e Luis Suárez. Técnico: Óscar Tabárez

França

Hugo Lloris; Benjamin Pavard, Raphäel Varane, Samuel Umtiti e Lucas Hernandez; N’Golo Kanté e Paul Pogba; Kylian Mbappé (Ousmane Dembélé aos 43’/2T), Antoine Griezmann (Nabil Fekir aos 47’/2T) e Corentin Tolisso (Steven N’Zonzi aos 35’/2T); Olivier Giroud. Técnico: Didier Deschamps

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